Weber Andrade
O agricultor e pecuarista Gilmar Xavier, morador do córrego da Peteca, na região do Itauninhas, em Barra de São Francisco, tem uma sabedoria toda própria, adquirida na lida diária e herdada também dos familiares, todos gente do campo.
No último domingo, enquanto voluntários trabalhavam no cercamento de uma nascente na sua propriedade, ele ordenhava o gado e, quando parou, trocamos um dedo de prosa, sobre a importância da preservação e conservação das nascentes e, acabamos entrando em assuntos correlatos, como, por exemplo, a chuva.
“Já reparou que este ano as cigarras estão cantando dia e noite, sem parar e as formigas estão cortando e carregando folhas durante o dia? E sinal de muita chuva”, sentenciou ele.
Também já tinha me dado conta do fenômeno. Algo raro, nunca tinha observado tal situação nos meus quase 60 anos de existência. Quando menino gostava de pegar as cigarras e apertá-las para que ‘cantassem’, coisa que elas fazem com naturalidade, coisa de criança, era divertido, mas um tanto cruel.
Este ano, aqui em Barra de São Francisco, realmente as cigarras estão por todos os lados, cantam praticamente o dia inteiro desde o início da primavera, um som que se estende emendado por tantas cigarras espalhadas pela cidade e pelo campo.
Uma das filhas do senhor Gilmar chega para ele, com uma cigarra não mão, a barriga aberta e relata que encontrou dezenas delas em um tronco de árvore perto da casa-sede. Gilmar explica, com paciência, que as cigarras vivem no subsolo por muitos anos até que saem para reproduzirem. Uma verdade que pouca gente conhece sobre esses insetos que usamos como exemplo pejorativo de falta de compromisso com o trabalho, tudo por culpa de uma fabulista chamado Esopo, que colocou em confronto o ‘modus vivendi’ das cigarras e das formigas.
Mas, a fábula é apenas uma fábula, não corresponde à realidade. Na verdade, há muita desinformação sobre esses insetos que nem sequer produzem sons pela boca. Ao contrário do que possa parecer, é o esfregar das asas no próprio corpo, em um par de estruturas abdominais chamadas timbales, que consegue produzir e amplificar essa sinfonia que ouvimos na Primavera e que costuma se estender até o final do verão e que é produzida apenas pelos machos, que o fazem para atrair as fêmeas ao acasalamento.
As ninfas cigarras, vivem instaladas em troncos de árvores ou paredes à espera da metamorfose e do período reprodutivo. Apesar de espécies muito conhecidas, sua importância ecológica e os hábitos desenvolvidos não são tão famosos assim.
As cigarras se abrigam debaixo da terra por anos. Percorrendo túneis escavados, lá vivem de três a 17 anos (em caso de algumas espécies dos Estados Unidos), se alimentando da seiva das raízes, até que estejam prontas para o acasalamento.
Ao saírem, os pequenos insetos vivem por semanas, até que cumpram com o seu papel reprodutivo e morram logo após da deposição dos ovos em rachaduras nos caules de plantas hospedeiras e o nascimento dos filhotes.
Ao contrário do que se pensa, as cigarras não cantam até “estourar”. O casulo é a última fase da ecdise, o nome do processo de metamorfose vivido por elas. Assim, o inseto se liberta do esqueleto externo para que, crescido, mude de estrutura e obtenha asas.
Não só barulhentas e filhas de uma grande transformação, as cigarras também são especiais por apresentam um importante papel ecológico na cadeia alimentar. As aves se alimentam de muitas cigarras quando elas saem de seus esconderijos e esses insetos são encontrados facilmente graças som forte que emitem, facilitando a localização.
São conhecidas mais de mais de 1,5 mil espécies de cigarras em todo o mundo e cada uma delas apresenta um canto específico, com medidas em decibéis diferentes. É a própria emissão de som que vai permitir às populações diferenciarem o macho da fêmea e se relacionarem durante o acasalamento.
Portanto, é importante saber que, apesar da fábula, a cigarra tem sim, muitas utilidades, fazendo parte de um bioma, de uma cadeia alimentar e que vive para dar vida a outros seres. Uma missão muito nobre.
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