Maciel de Aguiar*
Hoje, beijou a face da eternidade, aos 95 anos, a professora Ody Almeida Santos – que também se formou na ‘’Escola Remington’’, fundada e dirigida por dona Maria Auxiliadora do Amaral -, com quem aprendi a arte de escrever em uma velha máquina inglesa e obtive o cobiçado ‘’Diploma de Datilografia’’, que ocupa um lugar de destaque em minha parede!
Os demais diplomas – confesso -, não sei onde os guardei ou se os guardei, posto que não me serviram para nada, enquanto o ‘’Diploma de Datilografia’’, feito uma tatuagem na pele, se transformou em uma inseparável identidade e possibilitou-me escrever 143 livros nesses mais de 50 anos de sonhos, aventuras, desejos e utopias.
Às vezes, quando perguntam qual o meu ‘’curso superior’’, respondo que sou ‘’Formado em Datilografia com doutorado, pós-doutorado, graduado e mestrado pela Escola Remington’’, e muitos pensam ser uma famosa Universidade na aristocrática Inglaterra, mas era uma singela casinha localizada na descalça Rua do Alecrim, em São Mateus, Norte do Estado do Espírito Santo.
Irremediavelmente, as pessoas tomam um susto, pois poucos sabem o que é datilografia, assim como quase não sabem escrever à máquina e muito menos ler, interpretar e, pior, perderam o hábito da leitura. Embora muitos ostentam uma coleção de diplomas, certificados e títulos nas paredes de seus escritórios, gabinetes, salas e consultórios.
Aquele menino, nascido nas barrancas do rio que o gentio chamou de Kiri-Kerê, ao ver a primeira máquina de datilografia, disse que seria escritor, e, com ela, se enamorou e dela jamais se separou – mesmo, agora, diante da tecnologia e do computador -, e continua escrevendo na mesma Olivetti Letera 32, com a qual mantém uma imensurável fidelidade datilográfica.
Acho que, quando nasci, o Criador mandou algum anjo proscrito colocar a ponta do dedo mínimo sobre a minha cabeça e dizer:
‘’Você vai sofrer de fidelidade datilográfica para o resto da vida e irá escrever sobre alguns heróis quilombolas que foram esquecidos pela historiografia oficial, além de documentar, com versos panfletários e impressos em um mimeógrafo clandestino, as atrocidades de os anos de chumbo, e, ainda, contar outras histórias desconhecidas dessa bela e extraordinária aventura chamada civilização brasileira’’.
E, para recompensar o sofrimento e a falta de reconhecimento e, ainda, uma boa dose de inveja, penso que o Criador criou alguns reis – Pelé, Roberto Carlos, Ayrton Senna, Oscar Niemeyer e Rubem Braga – e me mandou escrever as suas histórias como o único escritor brasileiro a desfrutar desse enorme privilégio.
Então, no momento em que a professora Ody Almeida Santos beija a face da eternidade, o menino que vive em mim agradece pelo ‘’Diploma de Datilografia’’ tatuado na pele e único fixado em minha parede como uma enorme generosidade do destino e da vida.
Obrigado, professora!
* Maciel de Aguiar é escritor das barrancas do rio que o gentio chamou de Kiri-Kerê.
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