Weber Andrade
Recebi do meu amigo Janildo Rocha, o Quarenta, o homem que vende sorte em forma de bilhetes e virou pecuarista dos bons lá pelas bandas do córrego São Paulo, onde também cultiva belos exemplares de tambaquis e outros peixes, uma crônica do engenheiro e escritor bissexto, Antônio Carlos Sarmento, que diz morar no Rio de Janeiro, mas não revela o Estado onde nasceu: Quem sabe não é das Minas Gerais?
A crônica, com o sugestivo título de Acúmulo, me chamou a atenção logo de cara, pelo título. Sou uma espécie de acumulador leve, mas desorganizado como todos. Bem ao contrário do meu amigo Quarenta, que já pude observar organizando seus papéis de uma forma quase impecável.
Estava já há algum tempo sem inspiração e motivação para escrever crônicas, mas não resisti a abordar o assunto, uma vez que tenho, na família, uma forte acumuladora, minha mãe, Zezé, que adora guardar, principalmente, cortes de tecido, já que é costureira, embora tenha hoje fortes limitações para exercer essa arte.
Começo, analisando o que considerei um erro, mas que talvez possa ser uma expressão regionalizada em Portugal.
“Na garagem do prédio em que morávamos havia um espaço atrás do carro, uma espécie de recuo entre duas colunas, formando um nicho largo junto à parede do fundo. Meu pai mandou fechar com duas portas de madeira, colocou prateleiras internas e transformou o espaço no que, em Portugal, recebe o sugestivo nome de ‘quarto de arrumos’”.
Tenho escrito, e pronto para publicação, um dicionário de Português de Portugal, onde um dos verbetes fala desse espaço que Sarmento chama ‘quarto de arrumos’.
Em todos os sítios onde estive em Portugal, os patrícios costumam chamar o local de “Arrecadação”. Veja o texto do meu livro:
“Meu irmão Eduardo, que viveu por mais de dez anos em Portugal e se apaixonou perdidamente pelo país, um dia me disse para ir à arrecadação buscar o grelhador, para fazermos um churrasco. E eu fiquei pensando, como é que o grelhador (churrasqueira) pode ficar na arrecadação? Será em algum órgão de arrecadação nacional ou local? Mas, logo ele me explicou que arrecadação é o local da casa onde se guardam coisas fora de uso, ou que são pouco usadas no dia-a-dia, como o tal grelhador. As arrecadações geralmente ficam na garagem e algumas servem até de moradia para idosos ou agregados, por falta de espaço melhor.”
Minha mãe, Zezé, tem na sua casa lá em Governador Valadares, alguns espaços onde abundam quinquilharias, recordações… Fico desinquieto até hoje por causa de umas fotos antigas que desapareceram e a deixaram triste porque acredita que nunca mais as verá.
Por lá tem também, discos de vinil, moedores de café antigos, destes de tocar à mão, velhas enciclopédias e livros de romance, muitos deles levados e esquecidos por mim, e panos, muitos panos, que dão para manga, vestido, calça, remendos, qualquer coisa para vestir uma ser humano.
Eu tinha lá, em outra casa da família, guardadas as minhas principais lembranças – recortes de jornais com textos meus, fotos, cartas de namoradas – mas também tenho um padrasto que parece não ter lembranças para guardar e prima por destruir as alheias. Há pouco tempo descobri que o gajo tinha queimado todas as minhas memórias físicas. Fiquei triste um dia, vários dias, mas a vida segue.
Na crônica de Sarmento, ele cita um gato, que foi aprisionado no porta-malas do carro do pai, quando descarregava alguns trecos em sua garagem. O gato teria entrado e acabou sendo aprisionado no porta-malas, mas conseguiu sair vivo e escafedeu-se.
Pois, lembrei que este meu padrasto odeia gatos e minha mãe os adora, um conflito que resultava em frequentes discussões e animosidades, já que eu também sou apaixonado por bichanos e cães. Pois, numa manhã de domingo, saíamos, eu minha mãe e o dito padrasto em direção ao centro de Governador Valadares, quando percebi o miado de um dos gatinhos recém-criados lá no telhado de casa.
Fui procura-lo, com medo de que, ao sair da garagem, o carro passasse por cima do bichinho, mas o encontrei bem escondidinho num canto perto do motor e ‘riscando fósforo’ ao ver que eu tentava pega-lo.
Com muito custo consegui retirar o bichano do seu esconderijo. Já mais manso, deixou-se acariciar por uns instantes e logo entreguei-o à mãe e à ninhada, diante do protesto do padrasto, que queria ver o bichano fora de sua casa.
Aí lembrei-me também do gato do Quarenta, que mora lá na roça, o nome esqueci, mas é um gato gordo e muito carinhoso, desses que se enrosca nas pernas da gente, principalmente quando sente cheiro de carne.
Por sorte, o gato do Quarenta não corre o risco de ficar preso em nenhum porta-malas e nem de ser escorraçado porque ganhou a confiança do patrão ao espantar uma cobra da varanda da casa-sede. ‘Ganhou moral comigo”, resumiu Quarenta.
Comente este post