Por Weber Andrade*
A última vez que estive em Portugal, há 12 anos, a situação dos brasileiros naquele país era bastante confortável para a maioria. Colegas que trabalhavam nas ‘publicidades’ – distribuição de jornais e panfletos, muito comum no país naquela altura – ganhavam em torno de 700 euros por mês e complementavam o salário com outros ‘part-times’, o chamado ‘bico’ no Brasil.
Cheguei a morar com um casal de negros – um professor angolano e uma cozinheira brasileira – que me alugaram um quarto por 100 euros, livre de água, energia e internet, uma pechincha. Mas, também, um pouco de sorte. Francisco e Tina escolhiam a dedo pra quem iriam alugar um quarto em seu apartamento.
Naquela altura, um quarto custava, em média, 200 euros, para morar até duas pessoas. Fora as despesas compartilhadas, como gás – uma botija por semana, porque eles usam o gás para aquecer a água do chuveiro – energia, internet (TV a Cabo) e água tratada.
Era comum, nas repúblicas de brasileiros, alguns truques – gatos – para baixar o preço da energia e da internet, como é quase praxe aqui no Brasil.
O salário médio era de 800 euros para a maioria dos Brazucas e poucos conseguiam ganhar acima de 1.000 euros por mês.
A crise imobiliária na época, era ao contrário. Havia milhares de apartamentos, centenas de prédios enormes com quase todos os apartamentos desocupados em grandes cidades, como Lisboa, Coimbra, Leiria, entre outros.
Mesmo assim, já havia brasileiro dormindo na rua, dentro de veículos abandonados – sim, também há muitos em cidades portuguesas – ou mesmo ‘de favor’ no quarto de algum amigo, por não conseguir emprego ou não ganhar o suficiente para pagar a renda.
Menos de cinco anos depois, por volta de 2017, as coisas começaram a ficar mais complicadas para os estrangeiros e os preços da renda (aluguel) foram ficando cada vez mais salgados.
Um mineiro de Capelinha, no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Daniel Gomes, que conseguiu regularizar sua situação junto ao Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF), vivia reclamando do custo da ‘renda’ em Portugal e planejava ir embora para a Bélgica assim que conseguisse a documentação necessária.
“A crise imobiliária aqui está difícil. Mesmo para quem está há muito tempo em Portugal. A renda come quase a metade do que a gente ganha, mas ainda prefiro Portugal ao Brasil”, afirma Gomes.
Outro brasileiro, Geovane. H., natural da Bahia, fez o que muitos brasileiros e africanos fazem. Decidiu ‘invadir’ uma das muitas casas abandonadas na região de Sintra e ficou livre do aluguel. Acabou conseguindo autorização do governo português para ficar no imóvel e, com isso, também arrumou renda extra, já que passou a alugar um quarto.
“A gente tem que ter coragem, cara de pau para viver aqui”, disse o baiano, “e com tanta casa abandonada, a gente ter que pagar renda sem poder, é um absurdo”, justificou, na altura, a decisão de invadir o imóvel.
Atualmente, ainda vemos, nas redes sociais, na internet, empresas em busca de ‘talentos’ para suprir a falta de mão-de-obra qualificada no país europeu, principalmente, na área de Tecnologia da Informação (TI). Mas, os salários não conseguem acompanhar os valores pagos em países com maior poder econômico, como Inglaterra e outros.
Crise leva brasileiros para as ruas
A revista alemã, Deutsche Welle, publicou neste final de semana, uma reportagem sobre a crise de moradia em Portugal, e informou que a crise está empurrando cada vez mais imigrantes – inclusive brasileiros – para as ruas de grandes cidades do país, como Lisboa.
A quantidade de pessoas em situação de rua mais que dobrou desde 2017 em Portugal: hoje são quase 11 mil, e cerca de 10% são estrangeiros – entre eles, brasileiros. Alguns, inclusive, trabalham, mas não têm condições de pagar aluguel, informa a DW.
“Eu estou na Noor’Fatima há dois anos. E noto que neste último ano há muito mais gente. E há mais brasileiros e pessoas também do Leste Europeu”, afirma Rita Borges, voluntária da ONG Noor’Fatima, que distribui comida para a população de rua.
“Há pessoas que trabalham e não têm dinheiro para pagar uma casa. Ou seja, trabalham e vivem na rua, vivem numa tenda. Inclusive brasileiros. Há pessoas nesta situação”, conta Rita Borges.
A reportagem da DW encontrou muitos brasileiros nessa situação em Lisboa. Eles evitavam câmeras e entrevistas gravadas. Davam a entender, em certos casos, que era por receio do que a família no Brasil podia pensar.
Eram pessoas, algumas bem jovens, que disseram ter ido tentar a sorte em Portugal e acabaram empurradas para a vulnerabilidade das ruas. Por dois motivos principais: falta de emprego ou emprego com salário insuficiente para o básico, como comida e um teto.
E muitos compartilhavam uma vontade: voltar para casa.
Portugal é um dos símbolos de uma crise europeia: a disparada no valor da moradia, especialmente em grandes centros. Uma brasileira teve uma ideia para fugir do aperto financeiro que um aluguel mais caro causaria.
“Aqui nessa tenda começou essa estratégia. Eu tinha duas dessas. Em uma eu dormia, e a outra eu usava para guardar minhas roupas”, diz a marceneira Andreia Machado da Costa.
Ela mora num acampamento na praia de Carcavelos, uma das regiões mais valorizadas da Grande Lisboa.
“Eu cheguei aqui pagando 200 euros no quarto. Depois subiu para 300, e ia chegar a 400. Falei não… é 50% do meu ordenado. Não tem como pagar 50% do meu ordenado para dormir num quarto compartilhado”, frisa Andreia Costa.
Para Márcia, a primeira noite no conglomerado de barracas foi uma verdadeira prova de resistência. “Falei: se eu consegui passar uma noite chuvosa aqui dentro, com ventania, então eu consigo passar o resto aqui. Foi quando eu vim pra cá”, explicou a cozinheira Márcia Álvaro.
O terreno onde as duas vivem é bastante arborizado e abriga várias outras barracas, onde também moram brasileiros. Esta aqui é da Marciele, natural de Presidente Prudente, em São Paulo.
Marciele veio para Portugal em busca de melhores condições de vida. Para ela – e os familiares no Brasil. Ela diz que tem conseguido economizar um dinheiro morando acampada. Mas como deixou para trás um filho de seis anos, não pensa em outra coisa.
“Eu só queria juntar dinheiro para voltar, ir embora. Tenho muita vontade de voltar para o Brasil. Muita. Todo dia”, relata a cuidadora Marciele Botin de Pinho.
*Com Deutsche Welle
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