Weber Andrade
“Nos tempos áureos da pecuária leiteira, Barra de São Francisco já chegou a processar, só na extinta Cooperativa de Laticínios Colatina, 150 mil litros de leite por mês. Isso sem contar a Barbosa & Marques e a Cooperativa de Mantena, que também processavam leite do município.”
Quem conta essa história é o servidor municipal aposentado Adalto Vermelho, ex-gerente da ‘cooperativa’ – como todos conheciam a indústria que ficava logo após onde hoje é a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Cesan, no bairro Irmão Fernandes.
A área da ‘cooperativa’ – cerca de 15.000 m² – foi desapropriada pela Prefeitura de Barra de São Francisco (PMBSF) para abrigar um novo espaço de lazer e práticas esportivas, que vai se chamar Parque dos Pássaros.
(Veja galeria de fotos no final da matéria)
A reportagem do www.tribunanorteleste.com.br decidiu ir atrás da história dessa cooperativa, já que os seus ‘restos mortais’ jazem no local. Motor, resfriador, pasteurizador de leite e outros equipamentos parados desde a década de 1990, estão inservíveis, mas permaneceram todos esses anos no local.
Procuramos, inicialmente, o ex-servidor estadual Cícero Heitor Pontes Pereira, que era o responsável pelos concursos leiteiros realizados no município e região, como funcionário da Emater-ES, hoje Incaper.
Também conversamos com outro servidor estadual, Paulo César Andrade, que foi presidente da Associação de Moradores do Campo Novo e, na década passada, vice-prefeito do município. (Veja mais abaixo o depoimento dele).
Cícero nos indicou o servidor municipal aposentado Adalto Vermelho e fomos até a casa dele, no Loteamento Colares de Mello (Kikito), onde o mesmo preparava suas tralhas de pesca, hoje o seu hobby favorito.
Portador de Mal de Parkinson, ele conta que tem que tomar muitos medicamentos para controlar os nervos, mas a memória ainda é muito boa.
“Eu trabalhava na sede da cooperativa lá em Colatina, primeiro na área de vendas e depois na contabilidade. Foi no início dos anos 1980 que me mandaram para cá, para gerenciar o posto da cooperativa em Barra de São Francisco. Naquela época, o local era bem distante do perímetro urbano, que acabava perto do Polivalente (Escola Estadual Governador Lindenberg) e eu tive que mandar instalar uma rede de postes para levar o telefone até lá”, conta.
Vermelho também informa que foi ele que trouxe o processo de pasteurização que, em certa altura, se tornou obrigatório por determinação do governo federal.
“Eu trabalhei lá até por volta de 1990, quando outro grupo assumiu o comando e, três ou quatro anos depois, a cooperativa faliu, encerrou as atividades e ficou tudo como está até hoje”, relata Adalto.
Ele conta que, quando gerenciava a cooperativa, com apoio dos colegas Iperci Oliveira, o Tatá, e Jurandir, a unidade chegou a coletar e processar 150 mil litros de leite por mês.
“A gente recebia dez mil litros de leite por dia e a maior parte era resfriada e enviada para a sede de Colatina, que por sua vez, vendia para a Cooperativa Central dos Produtores de Leite (CCPL), do Rio de Janeiro, que tinha unidades cooperativistas no Espírito Santo e em Minas Gerais.”
“Também fazíamos muita caridade, doando leite para instituições e vendíamos na cidade, com uma carrocinha que carregava um tambor, de onde o leite saía geladinho. E tínhamos, ainda, uma torneira lá na indústria, onde quem chegava podia beber leite gelado de graça”, recorda.
“O Hélio Rodrigues Félix, na época ainda não mexia com funerária e era o único credenciado para vender nosso leite, inclusive o ‘leite de saquinho’’, que era embalado em Colatina e voltava para cá. Ele vendia média de 300 litros de leite por semana, uma quantidade grande, se considerarmos o tamanho da população na época.”
Também ouvido pela nossa reportagem, o empresário do ramo de funerária, Hélio Rodrigues confirma as palavras do ex-gerente da ‘cooperativa’.
“Eu era o único credenciado para vender o leite em saquinho. Naquela época, o governo federal proibiu a compra de ‘leite da roça’ por órgãos públicos, então, só eu podia vender”, lembra Hélio.
Paulinho Caipora e o leite pastorizado
O servidor público estadual aposentado Paulo César Andrade, o Paulinho Caipora, um dos melhores jogadores de futebol que Barra de São Francisco já produziu, vice-prefeito na gestão de Waldeles Cavalcante, na década passada, foi surpreendido pela nossa reportagem na manhã desta sexta-feira, 1º de dezembro, nas proximidades da Rua Mineira.
O motivo: Saber quando a Cooperativa de Laticínios Colatina fechou a unidade de Barra de São Francisco e, claro, ouvir algumas histórias sobre ela.
Quando cheguei a esta cidade, vindo ‘lá de fora’, como diziam sobre os migrantes que chegavam da região de Aimorés e São Manoel do Mutum, hoje apenas Mutum, com pouco mais de 10 anos de idade, em 1972, uma das minhas diversões era ir até a sede da cooperativa, que ficava a mais de um quilômetro de distância das últimas casas da Rua Mineira, hoje bairro Irmãos Fernandes. Além de beber leite geladinho, de graça, podia desfrutar da bela Cachoeira do Tulim, que fica atrás da hoje extinta cooperativa, que era como chamávamos a unidade.
Pois bem, Paulinho ficou muito feliz em relembrar o assunto, contou de quando era presidente da Associação de Moradores do Campo Novo recebia da cooperativa, doação de leite, soro de leite e outros produtos. Lembrou do Tatá e do Osmar Sathler, que chegou a comandar a unidade. “O Tatá era uma pessoa excepcional e nos ajudava muito”, doava leite para a nossa associação do Campo Novo”, recorda.
O ex-vice-prefeito, no entanto, não se lembra de quando a cooperativa encerrou as atividades no município, mas recordou uma história muito interessante e viva na memória dos moradores que contam hoje com mais de cinco décadas de existência, a do Getúlio Pintor.
Getúlio era um personagem muito divertido e boa praça, como atesta o próprio Paulinho. Tive o prazer de conhece-lo na altura e testemunhar a história do ‘leite pastorizado’.
Foi uma das obras primas do pintor, que tinha alguma dificuldade com a Língua Portuguesa.
A carrocinha que vendia leite gelado pelas ruas da cidade, era uma novidade da ‘cooperativa’. Saia lá das quebradas da cachoeira do Tulim com um tambor de uns 200 litros ou mais, resfriado, com um senhor tocando o burro e buzinando uma dessas buzinas de ar, anunciado o leite geladinho.
Resolveram contratar o Getúlio para pintar a logo da cooperativa no fundo do tambor e também escrever que o leite era esterilizado.
O Getúlio então, fez a obra de arte, mas nem mesmo os diretores da cooperativa perceberam o erro: A frase saiu ‘leite pastorizado’.
Paulinho conta que foi atrás do Getúlio para corrigir o erro e até o ex-diretor do então Colégio João XXIII, Adão Simões, entrou na conversa.
“Quando dissemos para ele que a palavra correta era ‘pasteurizado’ e não ‘pastorizado’, o Getúlio, como não gostava de perder, saiu-se com essa: ‘Então eu estou certo, é pastorizado mesmo, afinal, quem cuida do gado, de animal, não é o pastor? Então é pastorizado mesmo. Foi muito engraçado”, encerra Paulinho.
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