Desde que os indicadores começaram a ser acompanhados pelo Observatório de Segurança Pública no Espírito Santo, em 1996, nenhuma cidade capixaba ficou tanto tempo sem registrar homicídios: a pequena Ponto Belo, com 6.497 habitantes (Censo IGBE 2022), encravada na microrregião Extremo Norte do Estado, próximo à tríplice divisa com Minas Gerais e Bahia, está há quase 7 anos sem registrar um único homicídio.
Esse território de paz, entretanto, parece se estender um pouco mais, até Mucurici, a apenas 4 quilômetros de distância (centro a centro), a menor distância entre duas cidades capixabas. A cidade vizinha, na verdade seu município-mãe do qual se emancipou há 29 anos (1994), tem um desempenho muito próximo: poderia estar celebrando o mesmo número, mas em 2022 houve um homicídio, quebrando a série – o único nesses últimos sete anos. Desde 2016, Mucurici teve dois homicídios – um em 2017 e outro em 2022. Já Ponto Belo teve apenas um, em 2017.
Mucurici tem 5.466 habitantes (Censo IBGE 2022) e, junto com Ponto Belo, somam 11.963 habitantes. Os dois municípios fazem parte da nova fronteira agrícola capixaba, porém, sua principal atividade econômica é a pecuária de corte. Mucurici tem 86.581 cabeças de gado, enquanto Ponto Belo soma 49.064. Ou seja, os dois municípios, juntos, somam 135.645 bovinos – 11 bois para cada habitante.
RECORDE HISTÓRICO
Para se ter uma ideia da importância desse território de paz constituído por Mucurici e Ponto Belo, que praticamente formam um único centro urbano, na mesma região, no período de 2016 a 2022 a cidade de Pinheiros, com 23.915 habitantes, somou 101 homicídios. Montanha, com 18.900 habitantes, teve 26 e Boa Esperança, que está bem perto, pouco depois de Pinheiros, e com apenas 13.608 habitantes, somou 37 homicídios.
Mas existe uma mudança no ar e ela não acontece por acaso. O epicentro dos crimes contra a vida no Extremo Norte, Pinheiros, que também é o centro do agronegócio na região, nos sete anos anteriores teve uma média de 14,4 homicídios por ano, com o pico de 19 em 2021 e ligeira queda para 13 em 2022, mas despencou para apenas quatro homicídios em 2023. Menos do que isso somente o ano de 2005, quando ocorreram três homicídios na cidade.
Nesta quarta-feira (03), o Comando da 19ª Companhia Independente da Polícia Militar, criada justamente para controlar essa onda de violência, realizou sua reunião de monitoramento e avaliação dos indicadores da Secretaria de Estado de Segurança Pública em sua área de circunscrição, que abrange os municípios de Pinheiros, Montanha, Mucurici e Ponto Belo.
A 19ª Companhia Independente tem apenas dois anos de atuação, tendo sido instalada em setembro de 2021 e ainda não tem nem mesmo sede própria. No último ano, melhorou suas instalações, numa parceria com o Sindicato Rural do município, mas sede sua mesmo ainda não tem. Foi lá que realizou o balanço dos indicadores operacionais e seus impactos nos índices criminais.
RESULTADOS
Utilizando um recorte temporal que tem início no ano de 2018, com dados extraídos do sistema Power BI – SESP e do Observatório de Segurança Cidadã, do Instituto Jones dos Santos Neves(IJSN), os dados estatísticos encontrados foram considerados muito positivos em relação aos índices criminais na soma dos quatro municípios.
Homicídio – redução de 50% no comparativo 2022-2023 – de 16 para 8, sendo este o segundo melhor resultado da série histórica da SESP que se inicia no ano de 1996 e atingindo uma taxa de 14,60 homicídios para um grupo de 100 mil habitantes.
Os pontos mais relevantes, neste quesito, foram que Pinheiros registrou 4 homicídios no ano de 2023, sendo esta a 3ª melhor marca na série histórica, superada apenas por 3 homicídios registrados nos anos de 2001 e 2005. Mucurici está próxima de completar 2 anos sem homicídios e Ponto Belo pode chegar a sete anos sem registro de homicídios, o que faz que ela seja a cidade do Espírito Santo com mais tempo sem registro dessa natureza, na atualidade.
Roubo – Redução de 9% no comparativo 2022-2023 – de 79 para 74, sendo este o melhor resultado dos últimos 6 anos e uma redução de 75% desde 2018, quando se registraram 301 crimes desta natureza.
Roubo a pessoa em via pública – Redução de 8% no comparativo 2022-2023 – de 24 para 22, sendo este o melhor resultado dos últimos seis nos e uma redução de 81% desde 2018, quando se registraram 115 crimes desta natureza.
Roubo em estabelecimento comercial – Redução de 33% no comparativo 2022-2023 – de 6 para 4, sendo este o melhor resultado dos últimos 6 anos e uma redução de 92% desde 2018, quando se registraram 49 crimes desta natureza.
Roubo em residência/condomínio – Redução de 23% no comparativo 2022-2023 – de 13 para 10, sendo este o melhor resultado dos últimos 6 anos e uma redução de 63% desde 2018, quando se registraram 49 crimes desta natureza.
Roubo de veículos – Aumento de 5% no comparativo 2022-2023 – de 21 para 22, sendo este o 2º melhor resultado dos últimos 6 anos e uma redução de 69% desde 2020, quando a região atingiu um pico de 71 crimes desta natureza.
Furto – Redução de 25% no comparativo 2022-2023 – de 625 para 468, sendo este o melhor resultado dos últimos 6 anos e uma redução de 39% desde 2019, quando a região atingiu um pico de 773 crimes desta natureza.
Em contrapartida às reduções em todos os indicadores criminais, houve um expressivo aumento na efetividade operacional da Polícia na região, conforme demonstrado no relatório apresentado pelo Comando:
Operações Policiais – Aumento de 145% no comparativo 2022-2023 – de 4224 para 10353, sendo este o melhor resultado da série histórica.
Visitas Tranquilizadoras – Aumento de 833% no comparativo 2022-2023 – de 736 para 6866, sendo este o melhor resultado da série histórica.
Pessoas Detidas – Aumento de 17% no comparativo 2022-2023 – de 664 para 775, sendo este o o melhor resultado dos últimos 06 anos.
Foram ainda apreendidas 91 armas de fogo, 1668 munições de diversos calibres, 54 veículos apreendidos/recuperados, lavrados 173 termos circunstanciados de ocorrência policial por crimes/contravenções enquadradas na Lei 9.099/95.
O tráfico de drogas, com em qualquer outro lugar, tem sido responsabilizado pelo aumento da violência em todos os lugares onde isso ocorre, e foi um dos principais alvos das ações policiais e na circunscrição da 19ª Companhia Independente, com apreensão de: cocaína – 300 papelotes, 397 pinos, 1.275 gramas; crack – 3.172 pedras e 2,912 kg; maconha – 1.509 buchas e mais de 12kg.
AVALIAÇÃO
Comandante da 19ª Companhia Independente da PMES, o major Manoel Gambarti Júnior destacou que o empenho de toda a tropa da unidade foi determinante para os resultados históricos do ano de 2023 e enalteceu a parceria de “plena integração com as Delegacias da PCES de Pinheiros e Montanha, incentivada por seu Delegado, Dr. Eduardo Mota”, e agradeceu ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, às autoridades municipais e à comunidade “pela colaboração na promoção de uma cultura de paz e justiça”.
A 19ª Companhia foi criada em setembro de 2021 como ação do Programa Estado Presente em Defesa da Vida, para descentralizar a administração de unidades policiais e, segundo o Comando, desde 2022 desenvolve uma gestão policial orientada para o problema e uma gestão por resultados, “que abrange desde o nível micro, que é focado nos resultados individuais, nos níveis de execução e coletivos, nos níveis de supervisão, coordenação e macro, no nível de gestão”.
Assim, considera ser possível traçar perfis profissionais e compor equipes de alto rendimento, baseado na análise comportamental e quantitativa, no quotidiano da atividade de polícia ostensiva e preservação da ordem pública. Desta forma, os gestores se valem de critérios objetivos e meritocráticos na valorização profissional e na administração dos recursos humanos, logístico e operacionais.
Para conseguir isso, a unidade tem um regulamento de produtividade próprio e desenvolveu um sistema que sintetizou o regulamento, transformando-o num grande banco de dados sobre as ações que desenvolve.
Esse sistema é coordenado pelo subcomandante da unidade, capitão Vitor Prattes, que apresentou a metodologia em novembro último ao participar de um curso realizado pelo Instituto Jones dos Santos Neves, cujos técnicos ficaram interessados em expandir a ideia, que já havia sido adotada, anteriormente, em Colatina e em Barra de São Francisco, onde os dois oficiais também atuaram juntos.
“Utilizando desses dados que se consideram indicadores operacionais, avaliamos os índices criminais, fazemos análise de cenários baseados na dinâmica criminal local e, seguindo princípios de análise criminal, as decisões são tomadas”, resumiu Prattes.
CONTRASTE
A microrregião Extremo Norte está encravada no miolo entre as regiões Noroeste e Norte capixaba, com as quais estabelece um profundo contraste na performance da segurança pública. Tanto o Norte quanto o Noroeste andaram na contramão da redução da violência no Espírito Santo apresentada pelas autoridades da área de Segurança Pública, ao lado do governador Renato Casagrande, na última terça-feira (2), no Palácio Anchieta.
Foram 978 homicídios no ano findo contra 1007 em 2022, uma redução de 2,9%. O índice do Espírito Santo é de 25,5 homicídios por 100 mil habitantes (considerando a população de 3.833.712 do censo de 2022).
No dia 21 de dezembro o Ministério da Justiça e Segurança Pública comemorava uma redução de 5,7% nas letalidades em 2023 em relação ao mesmo período de 2022. A se confirmarem as projeções, o Brasil fecha o ano com 19,8 mortes letais por grupos de 100 mil habitantes.
As regiões Noroeste e Norte do Estado, entretanto, destoam do resultado geral apresentando acentuado aumento da violência. Enquanto os números caíram nas regiões Metropolitana (-12,6%), Sul (-15,6%) e Serrana (-1,8%), tiveram expressivos aumentos no Norte (13,17%) e Noroeste (27,4%). O interior do Estado hoje está mais violento do que a Região Metropolitana, representando 52% dos homicídios no ano que se findou.
No Norte do Estado, os piores índices são os de Jaguaré (28,6%), Linhares (26,3%), Pedro Canário (25%), Aracruz (23,5%) e Sooretama (19%), que é uma espécie de satélite de Linhares, da qual se separa, efetivamente, por apenas 10 quilômetros, considerando área urbana.
Vila Pavão (que zerou em 2022 e teve 7 homicídios em 2023) e Nova Venécia (62% de aumento), que são cidades vizinhas, somaram-se a Pancas (200%), Governador Lindenberg (200%), Ecoporanga (150%), Água Doce do Norte (50%), Montanha (50%), São Domingos do Norte (50%) e Colatina (33%) com as maiores contribuições para o alto índice de homicídios no Noroeste.
Barra de São Francisco e Baixo Guandu também tiveram elevações menores (10%), enquanto São Gabriel da Palha manteve em 2023 os mesmos 13 homicídios de 2022, ainda um número alto. O Noroeste saltou de 106 no ano de 2022 para 135 em 2023.
Além de Mucurici e Ponto Belo, outro município que zerou os homicídios mais uma vez foi Marilândia, vizinha de Colatina. Com 12.387 habitantes, Marilândia iniciou a série histórica em 2016 com 3 homicídios, reduzidos para 2 em 2017 e 2018, baixou para um em 2019, 2020 e 2021 e está sem homicídios ao longo de 2022 e 2023.
No Noroeste, reduziram números absolutos de homicídios os municípios de Pinheiros (de 13 em 2022 para 4 em 2023) e Águia Branca (de 2 para 1). Ficaram estáveis, além de São Gabriel da Palha, os municípios de Boa Esperança (4) e Mantenópolis (5).
O fenômeno merece ser melhor estudado pelos meios acadêmicos e pesquisadores do ambiente social: qual o segredo para que cidades mantenham territórios de paz quando vizinhos vivem clima de violência? Qual o segredo de Mucurici, Ponto Belo e Marilândia? E o que os outros têm a aprender – e fazer – a partir de experiências bem sucedidas de controle do ambiente como ocorre no Extremo Norte do Espírito Santo? (José Caldas da Costa, da Redação)
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