Renato Hortélio*
No início de setembro, o mercado brasileiro de conilon trabalhava com preço equivalente a 90% do pico histórico de todos os tempos. Ainda assim, havia retração vendedora poucas vezes vista, com os produtores, capitalizados, parecendo dispostos a disputar um cabo de guerra com a indústria.
Em meados daquele mês, num movimento semelhante ao ocorrido em outubro de 2021, a indústria torrefadora brasileira saiu em bloco do mercado, levando ao início do recuo dos preços. Paradoxalmente, houve ligeiro aumento no fluxo de vendas por parte dos produtores mais receosos em relação à perspectiva de uma grande safra brasileira de arábica 23/24, mas ainda não suficiente para recompor a fluidez ao mercado.
Na virada de setembro para outubro, as chuvas (como perfeitamente esperado) voltaram ao cinturão produtor do arábica brasileiro, favorecendo o pegamento da florada, e, concomitantemente, vieram as notícias da forte guinada negativa do humor macroeconômico global, principalmente por conta da escalada inflacionária e da consequente restrição na demanda, especialmente na Europa fustigada pelos efeitos da guerra de Putin.
Desde então, o mercado mundial de café entrou numa forte espiral descendente rumo a um fundo do poço que parece nunca ser atingido. Como não poderia deixar de ser, o conilon seguiu as perdas e já acumula mais de 25% de queda. Fica a dúvida de até aonde irá a queda e da perspectiva preços até a chegada da próxima safra. Vamos elencar algumas informações e com base nelas, tentar compor alguns possíveis cenários para o conilon.
É consenso no mercado que a safra de conilon 22/23, recém-colhida, foi de algo entre 22 e 23 milhões de sacas e um pouco maior que a 21/22 (essa magnitude é corroborada pelos números de exportação e consumo interno).
Entre julho/21 e junho/22, foram exportadas, seja verde ou via café solúvel, pouco mais de 6 milhões de sacas, número que deve se repetir no atual ciclo.
Fazendo uma conta bem simples (mas não grosseira) se chega a um consumo de 16 a 17 milhões de sacas de conilon no mercado brasileiro, portanto, com participação média 75% no blend do café comercializado internamente. Esse número, inclusive, foi consenso no Vitória Coffee Summit, realizado no final de setembro.
Historicamente, a defasagem de preço do conilon tipo 7-8 para o arábica rio era de algo entre 15 a, no máximo, 20%. Chegou a mais de 40% em 2021 e, hoje, ainda está acima de 25%.
O mercado brasileiro aceitou bem o paulatino incremento do uso de conilon nos blends de café torrado e moído. Não parece fazer muito sentido uma possível opção da indústria por substituí-lo por arábica rio, mais caro, de pior qualidade de bebida, de pior rendimento industrial e cuja disponibilidade também está restrita.
Apesar de haver grande quantidade de torrefações pelo Brasil afora, o mercado brasileiro de café torrado e moído é bastante concentrado e o posicionamento das cinco principais indústrias, que torram mais de 55% do café, acaba por determinar os preços.
Com as recentes quedas, o diferencial do preço do conilon para a conversão de Londres em reais está praticamente zerado. Chegou quase a R$ 250,00/saca em abril passado. Em maio, ainda assim, foram exportadas mais 130 mil sacas de conilon. A iminência de abertura da janela de liquidação de exportação sem diferencial negativo aponta para a tendência de aumento nos volumes.
A entrada no mercado das safras de países produtores do hemisfério norte, que começa a ocorrer, tem potencial para limitar a recuperação dos preços do café (tanto arábica como conilon) no mercado internacional.
Por outro lado, o café, com mais de 19% de perda, foi o ativo financeiro mais afetado pelo movimento de aversão aos ativos de risco verificado em outubro. Faltando ainda oito meses para a colheita da safra 23/24 de arábica e, ainda com possibilidade de ocorrências climáticas que venham a limitar a expressão do potencial produtivo, os fundamentos não embasam tal derretimento nas cotações e se forma um consenso de que o café está sobrevendido nas bolsas em relação à sua efetiva disponibilidade.
Faltam os mesmos oito meses para que (em junho) a safra 23/24 de conilon brasileiro esteja efetivamente disponível para o mercado. Em tal período, a indústria brasileira consome mais de 11 milhões de sacas do produto.
Passado o aumento do fluxo de vendas, no momento do susto com as quedas, o ritmo dos negócios voltou a estagnar. As indústrias continuam bem arredias e buscam comprar para recebimento no primeiro trimestre de 2023 a preços mais baixos que os atuais, mas não estando logrando sucesso.
Estima-se que cerca ou pouco mais de 60% da safra de conilon já tenha sido comercializada e é nítida no mercado a impressão de que o grosso das 9 a 9,5 milhões de sacas restantes está em mãos de produtores de porte médio a grande, capitalizados por terem vendido a preços excelentes a safra 20/21 (cujo custeio foi pouco afetado pela inflação dos insumos) e, ao mesmo tempo, preocupados em não perder rentabilidade na comercialização da safra 21/22 (produzida a custos significantemente maiores).
Postos tais condicionantes me atrevo a compor cenários para o mercado de conilon no primeiro trimestre de 2023.
Cenário otimista
A oferta de conilon por parte dos produtores continua fraca; a indústria, com necessidade de abastecimento até a próxima colheita, entra demandando; acaba por elevar os preços no mercado interno, reduzindo o deságio em relação ao arábica rio (hoje, se o deságio estivesse nos 15% históricos, o café conilon estaria cotado a R$ 670,00/sc); e, talvez até, restabelecendo, ao menos em parte, o diferencial sobre Londres, também por estar pressionada pela possibilidade das exportações de conilon se avolumarem.
Cenário muito otimista
A conjuntura macroeconômica mundial se desanuvia; em paralelo, os fundos identificam oportunidades nas cotações baratas do café nas bolsas e, assim, estas recuperam, fortalecendo a expressão do cenário otimista.
Cenário pessimista
A concentração do mercado brasileiro permite às grandes indústrias ir dosando suas compras e, mesmo com restrição na oferta, fazendo um colchão de estoque que lhe permita limitar o potencial de recuperação dos preços do conilon.
Cenário muito pessimista
Pressionadas pela oferta das safras dos países do hemisfério norte, pela perspectiva da “supersafra” brasileira 23/24 e pela conjuntura macroeconômica mundial desfavorável, as cotações do café em Londres e Nova Iorque continuam a derreter a ponto de, mesmo que o primeiro cenário se confirme ao menos em parte, as cotações sejam ainda menores que as atuais.
Considero mais provável a ocorrência de um cenário mais realista, no qual a concentração do mercado brasileiro faça com que a expressão do cenário otimista se dê de forma não linear, havendo, portando, oportunidades específicas de fortalecimento das cotações, às quais os produtores devem estar bastante atentos.
Será, certamente, um mercado de cabo de guerra, no entanto, tanto produtores como indústrias (principalmente de menor porte) que exagerarem na crença em seu poder de barganha, tentando acertar no olho da mosca nas suas decisões de compra e venda, estarão na verdade com boa chance de praticar roleta russa.
*Artigo publicado pelo engenheiro agrônomo Renato Hortélio na revista Relevo
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