Weber Andrade*
Nem me lembro direito que idade eu tinha…Uns oito, nove anos talvez, quando decidi conhecer o Roseiral, na altura, uma pequena aldeia encravada ao pé duma serra que vai ao encontro das montanhas capixabas, passando por propriedades rurais, como as da família Serrano, gente brava daquela região. Estávamos em 1970, ou 1971 e havia poucos veículos em São Manoel do Mutum, minha terra natal, hoje conhecida apenas como Mutum.
Pouco tempo depois eu viria morar em Barra de São Francisco, tangido por questões políticas que mudaram radicalmente o rumo da minha vida e de toda a minha família.
Mas, a vontade de contar essa história veio quando vi, no Facebook, um post mostrando um monte de crianças viajando na carroceria de um caminhão (foto da capa), com a pergunta: “Quem, por algum motivo, já pegou carona desse jeito?”
Confesso que me lembrei, de imediato, do amigo Janio Rocha, aqui de Barra de São Francisco, mas com origens lá pelas bandas de Mutum.
Irmão do empresário Janildo Rocha, o Quarenta, vendedor de sorte e de gado, Jânio, um dia, resolveu mangar da nossa terra, dizendo que, quem vai ao Roseiral vira viado, homossexual, gay, bicha…
A brincadeira, no entanto, não faz jus ao povo mutuense: “Aqui só tem macho, homem não, macho”, me disse uma vez um amigo de infância quando estive visitando a terrinha. É que, por lá, também a título de brincadeira, inventaram que ser homem era aguentar sem choro a fungueira no cangote e gostar do bombar de ré.
Mas voltemos ao tema desta crônica. Fiquei sabendo, pelos amiguinhos, numa manhã de domingo, que haveria festa no Bom Jardim, como também era conhecido o Roseiral, festa política, dessas de inauguração de obra, com muito pão, salame e ki-suco.
Confesso também que não me lembro como cheguei ao Bom Jardim, mas sei que foi antes do meio dia e, como a festa estava bacana, tinha uma beira de rio pra tomar banho e, comida farta, fui ficando por ali, me esquecendo das horas.
Quando dei por mim, o sol já ia se escondendo lá pelas bandas de Mutum e eu comecei a procurar recurso para voltar pra casa, já pensando na surra que o véi Leite – meu pai, José Leite – me daria quando chegasse.
Mas, não via ninguém, sumiram os amigos, sumiram os conhecidos e, naquela idade, não tinha muita noção de tempo e espaço, por isso, a única coisa que me ocorreu foi “meter o pé” na estrada, em direção à casa.
Acontece que, de Roseiral a Mutum, a distância chega a uns 20 quilômetros e, para andar isso tudo, à noite, por certo eu não conseguiria, mas ninguém me alertou sobre isso e fui.
Penso que andei mais de uns cinco quilômetros pela estradinha sinuosa, enfrentando, aqui e ali, os latidos dos cães a proteger as propriedades onde viviam.
Tive medo, muito medo. Não podia ir bater na porta de uma casa para pedir pousada porque corria o risco de ser mordido pelos cães. Também não podia ficar parado na estrada.
Minha salvação veio com um pequeno caminhão, um ‘cara chata’, que também regressava de Roseiral em direção a Mutum. O dono parou o veículo, perguntou para onde eu estava indo e eu disse: “Vou para Mutum, sou filho do Zé Leite, o relojoeiro, o senhor poderia me levar?”
O motorista, rindo por dentro e por fora da minha inocência, falou: “Ô Ebinho, conheci você logo que parei o carro, sou amigo do seu pai. Daqui a Mutum, de caminhão a gente gasta quase uma hora, mas a pé, nem amanhã de manhã você chega.”
Fui entregue, são e salvo, por volta das 10h da noite, ao pai e mãe já preocupados e, pelo menos naquela noite, não apanhei.
Mas, foi o dia amanhecer e o véi Leite me acordou, deixou que eu tomasse café e fez o convite que eu não queria ouvir: “Vamos ali”.
Não adiantava correr. Quando ele convidava, assim manso, para dar uma volta, a surra era garantida. E foi. Com vara de guaxima, fininha, bem lá no alto do morro onde hoje fica o Invejada Campestre Clube, sem uma palavra, eu já sabia porque estava apanhando e meu pai, porque estava me castigando.
Mas foi a primeira vez que aguentei o ‘coro’, sem choro, como homem, ou melhor, como macho, porque em Mutum não tem essa de homem. E foi também a última vez que apanhei do meu pai.
*Editor de Conteúdo dos sites TNL e O Contestado
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