Aos 17 anos, o menino rei entrou em campo na fria e aristocrática Suécia, junto com outro menino com nome de passarinho, e, a partir de então, fizeram muitas diabruras e o Brasil jamais foi derrotado.
Certa feita, o jornalista Oldemário Touguinhó foi visitar o Édson em seu apartamento na cosmopolita Nova Iorque, e viu na parede da sala, em uma singela moldura, o Pelé dando um espetacular soco no rosto de um jogador da Internacionale de Milão que, durante aquele jogo, o chamava de escravo e o xingava com outros impropérios.
Em um descuido do Édson, Oldemário retirou do bolso uma pequena máquina fotográfica e fez uma foto daquela foto proibida e trancada como se fosse a joia da coroa.
Quando de volta ao Brasil, fui intimado pelo jornalista a contar aquela história desconhecida de toda a imprensa, pois o único fotógrafo presente no lance vendeu os negativos para um dirigente do Santos Futebol Clube.
Com a joia escondida nos EUA, mas uma cópia quase inacreditável no Brasil, me recusei a escrever sob o temor de ter que explicar como havia conseguido fazer aquela reprodução.
Meses após, resolvi escrever O soco divino e o enviei por fax para Oldemário na redação do Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro.
Depois de lido e relido, Oldemário ligou para Édson, marcaram um jantar e lhe confessou que o havia traído ao fotografar aquela foto guardada em um apartamento tão distante quanto insuspeito.
Édson, ao ouvir a confissão da traição, ficou bravo e disse que o Pelé não o perdoaria pela divulgação e, sobretudo, por sua, digamos, invasão de privacidade.
Com a amizade estremecida, Édson e Oldemário se despediram com um acusando o outro de traição e este quase implorando que o texto, que estava sobre a mesa e colocado na bolsa do rei do futebol, fosse lido por sua majestade.
Após alguns meses, Édson rompeu o silêncio e telefonou para Oldemário convidando-o para jantar, no mesmo local do último encontro.
E, sobre a mesma mesa, recolocou o mesmo texto e o rei lhe confidenciou: Você cometeu a traição mais gratificante de minha vida. Agora, quero que quem escreveu este Soco divino escreva um livro sobre o Pelé, disse.
Então, naquela noite inesquecível, recebi um telefonema de Oldemário que começava assim: O rei quer falar com você…
Deixa de sacanagem! Você me liga para isto?
Enquanto, do outro lado da linha, uma voz inconfundível entrava em meu ouvido: Aqui é o Pelé, entende!
Deixe-me falar com Oldemário…, falei quase que esbravejando.
Não é brincadeira! O rei do futebol quer que você escreva um livro sobre outras histórias. Ele gostou muito!
Demorei a acreditar e, depois de ouvir outros ”entende”, aceitei o desafio e contei algumas histórias do menino rei que encantou o mundo.
Hoje, publicado em dez idiomas e lido em vários países, o livro Pelé the king of football apareceu em breve passagem no Jornal Nacional/Rede Globo, o que me fez relembrar a história da história de um livro que foi escrito por conta de uma bela traição de um amigo.
Então, quando soube que Édson Arantes do Nascimento beijou a face da eternidade, me confortei em saber que Pelé há muito é imortal.
Fico triste com a notícia que abalou o Brasil e o mundo, mas feliz pela honra do rei do futebol me convidar para contar parte de suas histórias.
Obrigado, majestade!
Maciel de Aguiar
Escritor das barrancas do rio que o gentio chamou de Kiri-Kerê.
(Publicado originalmente no site MovNews)
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