Weber Andrade
O comerciante Pedro Castilho, que completou 94 anos no dia 2 de fevereiro deste ano, filho de Pedro Castilho Sobrinho e dona Raimunda, é o homem mais idoso nascido em Barra de São Francisco.
Já o segundo homem mais idoso vivo da cidade, é o alfaiate aposentado Victório Fernandes, que completa 91 anos no mês que vem.
Os dois têm memórias vivas da colonização do município, desde antes da emancipação, que aconteceu em 1943.
Castilho trabalhou como comerciário por alguns anos, até tornar-se empresário, atividade que ele pratica até hoje, junto dos filhos, com a Castilho Comércio e Representações.
Ele nasceu no córrego do Coelho, na região do Valão Fundo. O pai, Pedro Castilho Sobrinho, veio da região de Aimorés, já casado com dona Raimunda. O casal teve 13 filhos, muitos já falecidos, atraídos como a maioria pelas terras férteis e inexploradas do “norte”.
“Aqui era tudo mato, tinha algumas casinhas ali no morro que desce para a Rua Mineira. Eu morei na lá na roça até os 16 anos, quando decidi vir para a cidade em busca de emprego, pois estava ficando difícil para meu pai sustentar todo mundo lá na roça”, conta ele.
A história de Pedro Castilho começa a cruzar a da família Fernandes, também pioneira, nessa altura, aliás, um pouco antes, quando Pedro saia a pé lá do córrego do Coelho para estudar na única escola que existia na cidade, e ficava, segundo ele, no local onde hoje está a Igreja Metodista, ao lado da Padaria Nogueira.
“Meu professor era o Brás e a filha dele. Eu andava aquilo tudo à pé, mais de seis quilômetros, descalço, porque a gente não tinha nem calçado direito e, todos os dias, a dona Victória (esposa do pioneiro Francisco Fernandes, o Chichi) me esperava junto com a minha mãe, na porta da casa dela, ali perto de onde hoje é o Posto Sombra da Tarde, com um pouco de café e pão. O senhor Francisco e dona Raimunda eram umas pessoas muito boas e cuidavam de tudo e de todos sem pedir nada em troca”, recorda ele.
Assim que veio para a cidade, Pedro conseguiu emprego no comércio. Primeiro na “Casa Vermelha” e depois na Sempre Viva, até que foi aprendendo a venda de tecidos e outros produtos e decidiu montar seu próprio negócio. Aliás, antes disso, Pedro, resolveu se aventurar na Capital, onde abriu uma empresa na rua Jerônimo Monteiro, a Coril Comércio Ltda, mas não gostou da vida por lá e acabou voltando.
Daí para a frente, o empresário foi abrindo empresas na cidade, muitas delas com nomes lembrados até hoje, como a Casa Bandeirantes, que ficava em frente onde hoje é a praça Arlindo Pinto da Costa, o Café Carellos, que existe até hoje e a fábrica de bebidas Sicobel, que funcionou por muitos anos onde hoje é o Hotel Universal, na antiga avenida Prefeito Manoel Vilá, hoje avenida Edson Henrique Pereira (Edinho Pereira).
Paixão que acabou em casamento
aconteceu por acaso, em Alto Jequitibá
A história do casamento de Pedro Castilho é uma das mais curiosas que ele tem para contar, entre tantas ouvidas pela nossa reportagem. “Minha esposa, Marcina (Isidora Pereira Castilho) era vice-diretora de uma escola de Presidente Soares, que hoje voltou a se chamar Alto Jequitibá, perto de Manhumirim (MG)”, relata ele.
“Uma vez o meu patrão me pediu para ir lá em Alto Jequitibá, levar a filha dele, que estudava em um famoso colégio interno e pediu para eu passar o fim de semana, passear com a menina, antes de entrega-la no colégio. Ele tinha muita confiança em mim. Foi então que, ao chegar na escola, conheci a Marcina e logo começamos a namorar à distância até que consegui me casar com ela. O casamento foi lá mesmo, em Alto Jequitibá”, recorda.
O casal teve três filhos, ou melhor um filho (Luiz Carlos) e uma filha (Lilian Carla) do ventre de dona Marcina e outra filha (Regina Viana) que adotaram já com sete anos e hoje mora em São Mateus.
“Meu pai, quando chegou, fez a casa, na verdade uma espécie de barraca, debaixo da mata, de madeira de lei e coberta com folhas de palmito, que também serviam para fazer as camas. Na época ele foi desmatando e plantando café. A terra era muito fértil e a produção era muito grande, mas não havia comprador e nem como beneficiar o produto”, observa.
Pedro comenta que um dos poucos compradores de café que existia no local era um membro da família Della Fuente, conhecido como Espanhol (Antonio Gonçalez Della Fuente) que comprava o café em coco e levava para ser beneficiado em Baixo Guandu. “A gente plantava o café e, com menos de dois anos já estava produzindo, mas o valor era pequeno”, lamenta.
Quanto à região de origem da sua família, Castilho recorda pouco, mas disse ter conhecido o lendário Coronel Bim Bim, como era conhecido o proprietário rural Secundino Cipriano, um dos homens mais temidos da região de Aimorés e que também tem muitos parentes ainda vivos aqui em Barra de São Francisco.
“Lembro de mais de 20 famílias que vieram para cá corridas, com medo do Bim Bim. Uma vez, passando lá em Penha do Capim, comentei que gostaria de conhecer o famoso coronel Bim Bim e tinha uma pessoa por perto, que me disse: ‘você quer conhecer o Bim Bim. Vamos ali que eu te mostro ele’. E me mostrou mesmo. Era um homem baixo, pouco mais de metro e meio de altura, mas parrudo e não parecia tão bravo”, comenta.
Pedro Castilho lembra ainda de um dos jagunços do Coronel Bim Bim que veio morar em Barra de São Francisco, com medo de ser morto pelo ex-patrão. “Era da família dos Perigoso, acho que todo mundo tinha muito medo dele. Só foram conseguir mata-lo, lá em Ecoporanga, numa mesa de baralho. Um matador sentou para jogar em frente dele e tirou o revólver por baixo da mesa, atirando na barriga do Perigoso”, conta.
Do conflito do Contestado, poucas histórias
O conflito do Contestado, que marcou uma briga por posse de terras entre Minas e o Espírito Santo até o início da década de 60, está na memória de Pedro Castilho e de Victório Fernandes como uma época difícil, mas sem tiroteios. “No começo havia os destacamentos de policiais de Minas e do Espírito Santo em Barra de São Francisco, mas não havia tiroteio, aqui na cidade não”, conta Pedro Castilho, salientando que os policiais mineiros ficavam alojados perto de onde hoje é a loja Megalar, no centro.
“Os mineiros queriam um caminho para o mar, mas os nossos policiais e autoridades estavam acampados aqui para defender o território. Todos eles andavam carregando enormes fuzis, a única arma que tinham na época”, relata.
“Um desses soldados, o militar reformado Jorge Angélico Nolasco, chegou aqui bem novinho. Veio andando de Águia Branca até aqui, carregando o fuzil a tiracolo”, recorda ele.
Victório também recorda desses tempos e faz coro com Pedro Castilho. “Conflito, tiro mesmo, nunca vi. Mas o povo começou a ficar com medo e muita gente ia pedir abrigo ao meu avô, Francisco e dona Victória e ele sempre recebia todo mundo bem”.
Victório virou alfaiate – profissão que aprendeu junto com o primo Jair Fernandes, o Jair Carabina – e com a qual criou a família. Sua primeira alfaiataria ficava logo após a ponte que dava acesso da Rua Mineira para o centro, perto da Igreja Metodista, que existe até hoje.
Mas ele também era apaixonado por música e chegou a montar uma banda junto com outro músico, já falecido e muito conhecido, Wilson Borém de Almeida.
“Nós (ele e o Wilsom Borém) chegamos a tocar juntos, na Banda Lira Francisquense, mas tínhamos uma bandinha nossa, que tocava até forró”, conta Victório, que foi vizinho de Borém na Rua Mineira. De acordo com o filho mais velho de Wilsom Borém, o Júnior Borém, a banda em questão tinha outros elementos que ajudavam, como o Durval da Pedreira, o Manoelzinho e até o Jorge Kabana, músico aposentado.
Victório diz que aprendeu a tocar de ouvido e também a ler partituras. Chegou a tocar também na Lira Mantenense.
“Lembro que havia aqui um maestro, Edson Guedes que montou a Lira, junto com o senhor Adão Simões, que conseguiu doações de várias sacas de café e comprou os instrumentos”.
O alfaiate fala pouco sobre si mesmo, mas, com a ajuda do sobrinho-neto, Sérgio Fernandes, vai soltando algumas histórias sobre si e muitas sobre o avô, que para ele foi o principal responsável pelo povoamento de Barra de São Francisco. “Quando meu avô chegou, só tinha aqui umas três casinhas, logo para cima da ponte da Rua Mineira, no que hoje é a avenida Jones dos Santos Neves”, relata ele.
Depois de aprender a profissão de alfaiate, com o senhor Anélio, e de exercer o mister na cidade por alguns anos, Victório quis largar a profissão.
“Fui para Coronel Fabriciano em 1962, trabalhar de empregado. Na época estavam construindo a Usiminas e eu entrei na Tenenge, uma empresa de engenharia, mas não gostei muito daquilo não. Muita bagunça, gente demais”, conta ele, que logo retornou para sua terra natal.
Provocado pelo sobrinho Sérgio, que sugeriu que ele tinha voltado porque estava apaixonado pela prima de primeiro grau, dona Edina Maria de Jesus, a Filhinha, Victório não nega, mas dá uma versão um pouco diferente: “Na verdade, eu estava noivo mesmo, mas vim embora por causa de uma hepatite. Mas aí decidi ficar e pouco tempo depois acabei casando com a Filhinha e estamos juntos há 52 anos”, comemora. (Obs. Essa reportagem foi publicada originalmente em 2019).
Dona Filhinha, relembra sorrindo que o casamento demorou um pouco a sair, mas valeu a pena. Hoje o casal conta com cinco netos – Letícia, Márcio, Thamires, Thaila e Thales, das filhas Jane Claudia, Monica Valéria e Thais Caroline. Duas delas, uma solteira e uma casada moram no mesmo prédio dos pais, na Rua Mineira, enquanto outra reside em Mantena (MG).
“Nós namoramos por sete anos”, recorda Victório, dizendo que namorou muitas meninas da sua época, antes de se render definitivamente aos encantos da prima dona Filhinha. “Namorei muitas, mas prima foi só a Filhinha”, se apressa em dizer.
Francisco Fernandes, o homem que
começou a saga do Irmãos Fernandes
Infelizmente, até o momento da publicação dessa reportagem não havíamos conseguido ainda uma foto do senhor Francisco Fernandes de Jesus, o Chichi, que é apontado por seu neto, Victório Fernandes e pelo empresário Pedro Castilho como um dos homens mais importantes da história da colonização de Barra de São Francisco. Hoje, encontrar um membro da família Fernandes é tarefa fácil. Principalmente na região do bairro que leva o nome da família.
Mas o nome do bairro irmãos Fernandes, que surgiu depois da Rua Mineira e hoje encampa a tradicional feira livre de Barra de São Francisco não vem, diretamente, do pioneiro Francisco Fernandes e sim dos quatro filhos dele – Alberto, Benjamin, Ponciano e Herculano -, que acabaram herdando do pai as terras que iam desde onde está hoje o Posto Sombra da Tarde, perto da entrada da avenida Carlos Valli, até o pequeno morro após a ponte da Rua Mineira. “Eu me lembro de quando ainda não havia nem ponte para atravessar o rio, tinha apenas uma pinguela, uma tora grossa e lavrada que a gente passava por cima”, descreve Victório.
“Meu avô trouxe a mudança, da região de Baunilha, em Colatina, em lombo de burros, veio passando ainda por Águas Claras, que era o único caminho que existia”, relembra.
Chichi teve tal importância para a colonização da cidade que, poderia facilmente ter se tornado um dos homens mais ricos da região, não fosse sua vocação para a caridade e o serviço social, como salienta o neto Victório e o bisneto, Sérgio Fernandes.
“Ele era advogado, juiz de Paz, médico (tratador), um homem que fazia o bem a todo mundo e não gostava de cobrar pelos serviços que prestava”, conta Victório, salientando que, em certa ocasião, um homem da família dos “Perigoso”, que era um pessoal muito bravo, quis matar um morador da cidade, por nome de Manoel Aguiar.
“Meu avô parou eles usando apenas uma bengala. Ele ficou sabendo que oito homens tinham saído armados em direção ao que hoje é o bairro Bambé, para matar o Manoel, mas o meu avô, desarmado e amparado apenas em uma bengala, foi logo encontra-los e ali onde hoje está a Igreja Assembleia de Deus, na entrada para o Campo Novo, encontrou a turma e perguntou onde é que eles estavam indo, ao que responderam que estavam indo matar o Manoel Aguiar. Meu avô foi logo dizendo: Vocês não fazer isso não, podem voltar daqui e deixa o Manoel comigo. E não é que os homens obedeceram e deixaram o Manoel em paz?” Relata Victório, informando ainda que depois seu avô foi até o tal Manoel Aguiar e pediu que ele saísse da cidade por uns tempos, até as coisas se acalmarem, no que também foi logo obedecido.
Além de curar e tratar de muita gente dentro de sua casa, o senhor Chichi Fernandes também dava pousada a tudo que era vivente que por ali passava e pedia o seu abrigo. “A família nunca passava uma noite sozinha, sempre tinha alguma pessoa que passava e pedia pousada, sem contar os pacientes”, conclui Victório.
Comente este post