Um povo massacrado pela história, que sofreu perseguições na ditadura militar e que foi duramente afetado pela tragédia de Mariana, provocada pela Samarco, empresa pertencente à Vale e anglo-australiana BHP, está prestes a ocupar seu lugar na história da literatura brasileira.
De acordo com o colunista Lauro Jardim, de O Globo, a cadeira número 5 da ABL, vaga desde domingo com a morte do historiador José Murilo de Carvalho tem desde já um possível favorito no que depender de um grupo relevante de imortais: o escritor, líder indígena e ambientalista Ailton Krenak.
Outros candidatos podem surgir, mas Krenak, se topar entrar na disputa, é visto como o nome mais forte.
Em 2020, Ailton Krenak ganhou o Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano, oferecido pela União Brasileira de Escritores. Publicou livros como “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019), “A Vida Não é Útil” (2020) e “O amanhã não está à venda” (2020), e é autor de uma das cartas do livro “Cartas para o Bem Viver” (2021).
Em dezembro de 2021, a Universidade de Brasília concedeu a Ailton Krenak o título de Professor Doutor Honoris Causa. Sua obra está traduzida para mais de treze países. Atualmente, vive na Reserva Indígena Krenak, no município de Resplendor, no Estado de Minas Gerais.
No inicio dos anos 1990, o jornalista Weber Andrade, então repórter do Hoje em Dia (BH) e depois editor do Diário do Rio Doce (Governador Valadares), teve a oportunidade de conhecer parte da tribo e entrevista o líder Alfredo Krenak, que contou sobre as violências sofridas pela tribo por parte do governo e dos fazendeiros que queriam suas terras.
+ Sobre os Krenak
Os Krenák ou Borun constituem-se nos últimos Botocudos do Leste, nome atribuído pelos portugueses no final do século XVIII aos grupos que usavam botoques auriculares e labiais. São conhecidos também por Aimorés, nominação dada pelos Tupí, e por Grén ou Krén, sua autodenominação. O nome Krenák é o do líder do grupo que comandou a cisão dos Gutkrák do rio Pancas, no Espírito Santo, no início do século XX.
Localizaram-se, naquele momento, na margem esquerda do rio Doce, em Minas Gerais, entre as cidades de Resplendor e Conselheiro Pena, onde estão até hoje, numa reserva de quatro mil hectares criada pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que ali concentrou, no fim da década de 20, outros grupos Botocudos do rio Doce: os Pojixá, Nakre-ehé, Miñajirum, Jiporók e Gutkrák, sendo este o grupo do qual os Krenák haviam se separado.
Os Krenák pertencem ao grupo lingüístico Macro-Jê, falando uma língua denominada Borun. Apenas as mulheres com mais de quarenta anos são bilíngües, enquanto os homens, jovens e crianças de ambos os sexos são falantes do português.
Religião
Eram, à época do primeiro contato, em 1910, predominantemente caçadores e coletores seminômades, com organização social caracterizada pelo constante fracionamento do grupo, pela divisão do trabalho por sexo e idade e um sistema religioso centrado na figura dos Marét e dos espíritos encantados de seus mortos, os Nanitiong, responsáveis pela fecundação das mulheres humanas e por emitir avisos de morte. Os Marét, habitantes das esferas superiores, eram os grandes ordenadores dos fenômenos da natureza e, dentre eles, se destacava o Marét-khamaknian, herói criador dos homens e do mundo, benevolente e civilizador da humanidade.
O território original dos Botocudos era a Mata Atlântica no Baixo Recôncavo Baiano, tendo sido expulsos do litoral pelos Tupi, quando passaram a ocupar a faixa de floresta paralela, conhecida por Floresta Latifoliada Tropical Úmida da Encosta ou Mata Pluvial Tropical, localizada entre a Mata Atlântica e o rebordo do Planalto. Depois do século XIX deslocaram-se para o sul, atingindo o rio Doce em Minas Gerais e Espírito Santo.
Desde os primeiros contactos, ainda no século XVI, foram acusados de antropofagia, o que não se confirma na documentação. Entretanto, este sempre foi o grande argumento para justificar as constantes decretações de Guerra Justa e convencer os grupos indígenas com que viviam em conflito – Tupi, Malalí, Makoní, Pataxó, Maxakalí, Pañâme, Kopoxó e Kamakã-Mongoió – a se aldearem com promessas de proteção e acesso aos bens da sociedade dominante, como armas de fogo. Apesar da resistência tenaz, os grupos Botocudos foram aldeados por militares, diretores leigos e missionários em vários pontos dos atuais estados da Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo a partir da decretação da Guerra Justa autorizada pelo governo português através das Cartas Régias de 13 de maio, 24 de agosto e 2 de dezembro de 1808 assinadas no Rio de Janeiro pelo Príncipe Regente D. João.
A primeira Carta Régia determinava a guerra ofensiva aos Botocudos de Minas Gerais por considerar que os mesmos eram irredutíveis à civilização e que a guerra de caráter defensivo não surtia os efeitos desejados no tocante a garantir a expansão da conquista naquela capitania.
A segunda autorizava o Governador e Capitão General da mesma capitania a criar uma tropa especializada no combate a índios para viabilizar a guerra ofensiva determinada na Carta Régia anterior.
Finalmente, a terceira estabelecia planos acerca de como promover a educação religiosa dos índios e seu efetivo controle como forma de viabilizar a navegação dos rios e o cultivo dos terrenos ocupados pelos Botocudos. No contexto desse plano, o Príncipe autorizava o confisco das terras ocupadas por esses grupos, que passavam a ser consideradas como devolutas e deveriam ser distribuídas como sesmarias, particularmente entre os que se destacassem na guerra ofensiva. A esses novos proprietários também era garantido o livre acesso ao trabalho dos indígenas que fossem capturados em atitude aguerrida por um período que variava entre doze e vinte anos, a depender do grau de rusticidade e dificuldade dos aprisionados em apreenderem as novas formas de trabalho. Também era prevista a criação de aldeamentos administrados por particulares para educar os índios que se submetessem e se apresentassem “com interesse e boa disposição”.
Embora as três Cartas Régias se referissem especificamente à capitania de Minas Gerais, as suas deliberações foram estendidas às capitanias da Bahia e Espírito Santo no mesmo ano para atender às solicitações de seus governadores. Hoje o contingente demográfico dos Botocudos do Leste está reduzido a cento e oitenta pessoas, sendo, na sua maioria, composto de crianças e jovens descendentes de relações interétnicas entre os Krenák com outros grupos indígenas, como os Guarani e os Kaingang, e com a população regional.
As principais razões dessa predominância de mestiços foram a invasão por moradores da região e o arrendamento pelo SPI das terras do Posto Indígena Krenák, o processo de diáspora sofrida ao longo da administração do SPI e da Funai – em 1953 para o Posto Indígena Maxakalí, de onde retornaram a pé em 1959, e em 1973 para a Fazenda Guarani -, e a convivência com os chamados “índios infratores” deslocados pela Funai de vários pontos do país, a partir de 1968, para o Reformatório Agrícola Indígena ou Centro de Reeducação Indígena Krenák. (Da Redação com https://pib.socioambiental.org)
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