Usiel Carneiro de Souza*
Igrejas e a própria religião sempre estiveram no palco da história. Suas biografias são como as nossas pessoais: um misto de fatos e atos que orgulham e envergonham. Afinal, igrejas são ajuntamentos de pessoas.
Conheço muitas dessas pessoas que desistiram da igreja, embora necessariamente não tenham desistido da fé, de Deus.
Eu as compreendo bastante e diria que concordo com suas razões. Muitas foram abusadas e vitimadas dentro da igreja. Muitas não o foram, mas testemunharam isso na dinâmica do templo. Outras afastaram-se ou jamais aproximaram-se devido aos “igrejados” com quem convivem ou conviveram. Pessoas cheias de dureza e rigidez, e com a acidez de o serem em nome de Deus, justificando-se pelo que consideram fidelidade à Bíblia. E a Bíblia então entra na conversa, mas vou deixa-la para outro papo.
É inegável que líderes eclesiásticos muitas vezes, e aqui falarei de minha classe, os pastores, parecem merecer as palavras de Caetano Veloso, sendo poderosos que exercem seus podres poderes. E também cumprem a tarefa de “desigrejar” tantos outros.
Por tudo isso, e outras coisas mais, há pessoas para quem Deus se deformou, pois o Divino revelado no templo revelou-se um ser em conflito irreconciliável com a vida. Um ser apenas vagamente relacionado com a graça e o amor de que tanto se fala na religião cristã. Quanto ao amor, muitas vezes é exuberante nas palavras e cânticos, mas raquítico e quase inexistente nas atitudes.
Em geral, a igreja revelou-se um espaço de grandes promessas para a vida depois da morte, mas que exige uma morte em plena vida. Como entender o Cristo que veio trazer vida abundante?
Precisamos, todavia, aprender uma dialética espiritual que nos ajude: a de crer e descrer da igreja de forma a não aceitá-la e ao mesmo tempo buscá-la, fortalecê-la e ser parte dela. Pois há igrejas e igrejas.
Precisamos, de fato, descrer da igreja que desumaniza, desrespeita, condena e bane pessoas em nome de Deus. Precisamos crer na igreja que humaniza, procura conhecer o ser humano em sua diversa incompletude e fraqueza, e o serve ao ponto de sofrer por ele, como fez Jesus.
Jesus é o ponto e o contraponto para nossa relação com a igreja. Ele combateu a fé dos religiosos e convidou os pecadores a crer. Jesus, suas ações, palavras e atitudes são o caminho para a igreja que devemos ajudar a existir e se fortalecer.
Creio na igreja que olha e segue Jesus desse modo. Creio na igreja dos que amam mais pessoas do que dizem a amar a Deus, pois o amor a Deus se revela no amor às pessoas. Creio na igreja que oferece respostas à sociedade, às famílias e aos indivíduos para seus dilemas. E o faz inspirada por Jesus, guiada pelo Espirito, que é vivo, e não pela tradição que já morreu por não reconhecer os desdobramentos da vida.
Creio na igreja que, com coragem, se arrisca a interpretar os tempos e aprende a se valer das inegáveis verdades sobre a vida e não apenas no modo como foi treinada a pensar nas Escrituras; na igreja que se encanta com a graça, cuja presença na vida tem formas múltiplas, como dizem as Escrituras.
Creio na igreja que prima pelo serviço e recusa-se a se servir das pessoas; na igreja que reconhece que precisa aprender e compreender; ajudar, acolher e reconciliar; que performa Jesus nos caminhos difíceis da vida; que crê no poder de Deus, mas vive do Seu amor.
A igreja que é assim pode ter vários tamanhos, ter carência de recursos ou não, reunir poucas ou muitas pessoas, mas inegavelmente será cheia de vida e é um espaço que cura. Nesta igreja eu acredito. A outra eu acho pesada, cansativa, repetitiva, infantil, pequena demais para a grandeza do Evangelho e pobre demais para a beleza da vida.
* Usiel Carneiro de Souza é teólogo, administrador e pastor da Igreja Batista da Praia do Canto (Vitória – ES)
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