Pedro Valls Feu Rosa*
Aconteceu lá no distante Butão: determinou-se que os estabelecimentos comerciais disponibilizassem pias para que as pessoas pudessem lavar as mãos com água e sabão, prevenindo doenças. Eis aí uma norma boa – que foi obedecida e que teria sido infinitamente efetiva não fosse por um detalhe: faltou a água! Li em um jornal de lá que em 50% dos casos simplesmente não havia acesso à rede de distribuição.
Em São Francisco, nos EUA, decretou-se ser proibido fumar dentro de casa – ficou em aberto a questão da fiscalização. Na China diversos juizados estão indeferindo pedidos de divórcio sob o fundamento de busca da “harmonia social”.
Na cidade de Lanjaron, no sul da Espanha, quem acabou indeferida foi a morte: às voltas com a falta de vagas no cemitério municipal o alcaide José Rubio baixou um decreto proibindo qualquer cidadão de morrer até que concluídas as obras de ampliação.
Em Warrington, Inglaterra, são proibidos beijos de despedida nas estações de trem. Em Guanajuato, no México, é diferente: apenas “beijos apaixonados” estão banidos. Já em Icononzo, na Colômbia, o que dá cadeia é fuxicar.
Mas cheguemos ao Brasil: nos idos de 2007 apurou-se que, 19 anos após a entrada em vigor da Constituição, este país ganhou 3,6 milhões de normas editadas (766 normas por dia útil), 253.900 normas tributárias (duas normas tributárias por hora), 55 emendas constitucionais e seis emendas constitucionais de revisão. E ainda: duas leis delegadas, 69 leis complementares, 1.012 medidas provisórias, 5.491 reedições de medidas provisórias e 9.240 decretos federais. Considere ser universal o entendimento de que a ninguém é dado desconhecer as leis!
Estes episódios, gravitando entre o pitoresco e o dramático, induzem – ou deveriam induzir – uma profunda reflexão sobre a miopia do mundo das leis, regulamentos, disposições, decretos etc. Sobre o quão afastada da realidade está a mente da tecnocracia.
Criamos, e eis aí o pior deste quadro, um insólito planeta no qual “algumas leis pegam e outras não”. Afinal, costuma acontecer de o mundo real ignorar o legal quando este não lhe presta o devido respeito.
Seja símbolo deste estado de coisas significativo título de matéria publicada no jornal “O Globo” do dia 18 de junho de 2011: “Brasil faz 18 leis por dia, e a maioria vai para o lixo”.
*O desembargador Pedro Valls Feu Rosa é articulista de diversos jornais com artigos publicados em diversos Estados da Federação, além de outros países como Suíça, Rússia e Angola.
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