Este é o número de igrejas evangélicas que, segundo órgãos de pesquisa, são abertas por dia no Brasil: 17 por dia. Em 2019 foram 6.356. No Espírito Santo temos 93 igrejas para cada grupo de 100 mil habitantes. Isso não é pouco!
Numa reação imediata, alguém poderia celebrar o fato, mas precisamos ter a coragem de nos perguntar, especialmente nós que fazemos parte de alguma, como as igrejas têm afetado a sociedade.
É de se esperar que as igrejas melhorem as pessoas e, assim, contribuam para uma sociedade melhor, mais justa, igualitária e saudável. Se não tem sido assim não é por falta de influência porque, inegavelmente, as igrejas mexem com a vida das pessoas!
Sou cristão e acredito na igreja, mas reconheço que há algum desvio em andamento. Nem sempre os que as frequentam revelam-se pessoas boas ou confiáveis. Algumas, sequer revelam-se saudáveis.
É notório também o narcisismo que caracteriza muitos pastores e pastoras. E é notável que, quanto mais narcísicos, mais bem sucedidos esses líderes parecem ser no campo religioso.
Com isso não estou afirmando que o sucesso seja sinal de narcisismo! Mas, é inegável que grande parte deles consideram-se mais capazes para dirigir a vida das pessoas do que elas mesmas. Esses aspectos comprometem o papel da igreja na sociedade.
Há ainda algo bastante sutil e por isso perverso, que parece estar presente no contexto de muitas igrejas. Algo difícil de ser enfrentado por ser praticado como se fosse ordenado por Deus: a desumanização.
Um dos sinais é o estabelecimento de uma indissolúvel crise de consciência provocada pela demonização da humanidade das pessoas, levando-as a se sentirem culpadas ou mesmo condenadas por serem quem são.
Levando-as a tentarem mudar o que não podem ou a fazerem de conta que não são quem são.
Outro sinal é a capacitação de pessoas para que se tornem piedosos cruéis. Pessoas que compreendem-se gente de Deus e que, por isso, podem julgar e condenar aqueles com quem “Deus não se importa”. Afinal, “não são filhos e por fim merecerão o castigo”.
Há quem chegue ao ponto de encontrar no ódio e no desprezo um caminho para sentir-se fiel a Deus e, orgulhosamente não conivente com o pecado alheio. Tudo isso é muito triste e pretende formatar pela força do medo pessoas criadas para serem livres.
Quando a igreja desvia-se e torna-se um espaço desumanizador, nela não cabem reflexões, avaliações ou novos aprendizados. Ela vive do tradicionalismo do passado. Ela, embora afirme, nega que a Palavra de Deus seja viva.
A superficialidade, o simplismo e a obtusidade predominam no modo como lida com a vida, contribuindo para formar gente acovardada diante da existência. Gente que vive a esperar pela morte como lugar de libertação, onde espera, por fim, encontrar a vida plena de que Cristo falou.
Penso nessas coisas com tristeza, pois as igrejas deveriam ser lugar terapêutico para pessoas e famílias, contribuindo para que homens machistas aprendam a respeitar outros homens e especialmente a respeitarem as mulheres.
Para que mulheres adoecidas e feridas reaprendam a amarem e respeitarem a si mesmas.
Para que pais, mais preocupados consigo mesmos e com o que os outros dirão deles, aprendam a amar e respeitar seus filhos e filhas, e a oferecer-lhes um tipo de amor que lembre o amor de Deus: um amor incondicional.
Os que amam a igreja precisam pensar sobre isso, para o bem da própria igreja. Devem avaliar e criticar especialmente os que a lideram. Muitos consideram-se especialistas sobre Deus, enquanto revelam-se analfabetos sobre pessoas. Alardeiam santidade e demonstram falta de amor, pois a santidade precisa proporcionar menos arrepios dentro do templo e inspirar mais amor, sensibilidade e bondade nas casas e ruas da cidade.
Claro, não são todas as igrejas assim e nem todos os líderes. Há igrejas que revelam-se comunidades cheias de vida, corajosas em lidar com seu tempo, cheias de apetite para aprender sobre pessoas, enquanto buscam discernimento sobre Deus.
Comunidades convencidas de que o amor vem primeiro, sendo maior que a própria fé e a esperança, como escreveu o apóstolo Paulo (1 Co 13.13).
Comunidades capazes de entender que, aquilo que se crê sobre Deus (fé) jamais deve justificar a falta de amor e de respeito pelas pessoas.
As mais de 6 mil igrejas que são abertas todo ano revelam a disposição para crer e o anseio dos brasileiros por Deus. É possível que, como acontecem com as empresas, muitas fechem as portas pouco tempo depois.
Que as que permanecerem abertas não fechem e nem adoeçam corações e mentes. Mas que, ao contrário, sejam lugares de restauração, humanização, perdão e graça!
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