Weber Andrade*
Um jovem empresário de Barra de São Francisco, está lidando com um problema cutâneo misterioso há mais de dois meses sem conseguir acabar com o problema, apesar de já ter consultado vários especialistas e, segundo sua mãe, procurado até tratamentos alternativos e homeopáticos.
“As manchas surgem em algumas partes do corpo, mais frequentemente nas pernas. Não tenho febre nem outros sintomas, só uma coceira, mas que incomoda muito”, relata o empresário.
“Já consultamos alergologistas e outros especialistas, ele fez exame de sangue, procuramos tratamentos na medicina natural, mas a coceira permanece há cerca de 70 dias e ninguém consegue saber do que se trata”, lamenta a mãe do jovem.
Mas, o pior é que o problema não é só com ele. “Tenho amigos e amigas que já relataram o problema e também não encontraram tratamento ou diagnóstico. Não viajei, não tive outras doenças e já tomei a vacina contra a Covid faz tempo, por isso, não creio que seja um problema relacionado ao coronavírus”, analisa o jovem.
Muito preocupada com a situação, a mãe de K. pediu ajuda a uma irmã, que pesquisou na internet e descobriu que em Recife, há um surto de coceira muito parecida com a que está acometendo o filho dela. Em matéria publica ontem, 25, no g1 Recife, são apontados 161 casos. (Saiba mais abaixo).
A situação chegou ao conhecimento do prefeito Enivaldo dos Anjos (PSD), através da mãe do jovem. “Pedi ajuda ao Enivaldo para que acione a Vigilância Sanitária municipal e estadual em busca de solução”, relata a mãe.
O prefeito, por sua vez, determinou ao secretário municipal de Saúde, Elcimar de Souza Alves, que acionasse os mecanismos adequados de consulta para saber se é um problema localizado ou se está acontecendo em outras cidades do Espírito Santo.
“Eu já consultei os secretários municipais de Saúde do Estado, em um grupo de Whatsapp e todos disseram não ter conhecimento de casos desse tipo em seus municípios, até agora ninguém identificou o problema”, informa Elcimar.
Elcimar disse ainda que o caso já foi comunicado à Vigilância Sanitária Estadual, que deverá promover uma investigação sobre a misteriosa doença.
Casos em Recife
Reportagem desta quinta-feira, 25, no g1 Recife aponta que nos últimos dias os casos de pessoas com lesões de pele que causam coceira, aumentaram de 149 para 161. De acordo com o balanço mais recente divulgado pela Prefeitura do Recife, a quantidade de bairros com notificações na cidade saiu de 23 para 26.
Saiba quais as possíveis causas desse surto
Sarna humana, alergia e doenças causadas por mosquito são algumas das possibilidades levantadas por especialistas e secretarias de Saúde do Grande Recife como causa do surto de pessoas com lesões na pele que provocam coceira.
Um surto é qualquer doença ou agravo que foge do padrão. O infectologista do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Demetrius Montenegro, acompanha as investigações dos casos como especialista e faz parte da comissão que atua junto à prefeitura do Recife.
“Não se tem ainda a causa. Alguns dermatologistas já viram as lesões e cada pessoa apresenta de uma forma diferente. Como você não tem um padrão na apresentação dessas lesões, fica mais difícil de você fechar uma causa para esse quadro”, explicou o infectologista.
A orientação, feita após o início das investigações no Recife, é válida para a identificação de todo tipo de lesão desde o dia 1° de outubro, com ou sem sintoma de febre ou diarreia e vale para todos os municípios da Primeira Regional de Saúde, que inclui todas as cidades da Região Metropolitana do Recife, entre outras.
“Na investigação de um surto como esse, tem que se levar em consideração todas as possibilidades. A gente não encontrou ainda uma resposta para justificar todos os casos e é disso que estamos atrás”, apontou Montenegro.
A Secretaria Estadual de Saúde afirmou, em nota, que está trabalhando junto à capital na investigação e ofertando apoio técnico para as prefeituras que registraram casos similares aos do Recife, mas que ainda verifica as informações “junto às secretarias municipais para notificação oficial”.
Sarna
A escabiose, conhecida como sarna, é uma das possibilidades investigadas pelos três municípios. “Algumas pessoas têm lesões muito semelhantes à sarna. Quando trata, fica boa. Mas tem outras em que as lesões não se parecem com sarna e, mesmo fazendo tratamento, não melhora”, disse Montenegro.
O médico do município de Paulista, Jonas Lopes, explicou que o diagnóstico para o caso de sarna é clínico, mas que exames laboratoriais podem ser feitos para a confirmação do quadro. O exame laboratorial é feito a partir de uma pequena raspagem de amostra da pele onde é investigada a presença do ácaro do tipo Sarcoptes scabiei variedade hominis, que causa a doença.
O contágio da doença acontece entre humanos através do contato direto com a pessoa infectada ou com roupas e demais objetos contaminados. “O diagnóstico é basicamente clínico, a manifestação mais de prurido (sensação de coceira), essas lesões de pele, quem fica avermelhadas associadas à coceira e escamação”, informou Lopes.
O médico de Paulista contou que atendeu mãe e filha com sintomas que pareciam ser de sarna no começo de novembro. As duas tinham lesões avermelhadas e coceira, mas sem registro de febre ou falta de ar. “Eu prescrevi o tratamento pensando em escabiose, mas só que não houve melhora no quadro delas. Voltaram para mim e disseram que não melhoraram”, recordou.
Lopes informou que o tratamento, caso o diagnóstico seja sarna, é feito com uso de medicação oral e também no local das lesões. “Se não melhorar a gente repete com sete dias. Geralmente a doença dura em torno de 15 dias”, disse o médico.
De acordo com o diretor de vigilância epidemiológica de Paulista, Júlio César Pereira, não foram realizados exames laboratoriais em nenhum dos seis casos notificados. “Nós ainda não temos protocolos fechados para questão de diagnóstico laboratorial”, disse o diretor.
Demetrius Montenegro apontou que uma das dificuldades da investigação sobre as causas do surto está em conseguir realizar esse exame para diagnosticar sarna porque as pessoas já começaram o tratamento. Com a presença do medicamento, a capacidade do teste detectar o ácaro diminui.
Arboviroses
A possibilidade de o surto ter relação com doenças transmitidas pelo Aedes argypti não foi excluída, mas está “totalmente em segundo plano”, afirmou o infectologista Demetrius Montenegro, apontando que parte dos pacientes já passaram por exames sorológicos.
“Foi feita uma análise sorológica e não foi encontrada uma relação entre as pessoas que estão tendo essas lesões com exames positivos tanto para dengue, quanto zika e chikungunya”, disse.
O diretor de Vigilância em Saúde de Camaragibe afirmou que, do que foi visto até na cidade, as lesões não se parecem com as de quem tem arboviroses. “As lesões são diferentes, são maiores que o rash cutâneo [manchas vermelhas]”, declarou Geraldo Vieira.
Outro ponto que faz zika, dengue e chikungunya serem uma possibilidade remota, segundo Demetrius Montenegro, é o fato de as pessoas não apresentarem febre ou dor no corpo. “Em torno de 85% a 90% só tem o quadro da lesão de pele e da coceira. Não tem febre, não tem dor no corpo. É muito difícil a gente conseguir acreditar na hipótese de ser arbovirose”, apontou.
Alergia e fatores ambientais
Em Camaragibe, estão sendo realizadas análise da água consumida pelas pessoas. “A gente está estudando se é uma coisa transmitida pela água de banho ou de beber. Tem muito poço, cacimba e fontes de água (na cidade)”, apontou Geraldo Vieira.
Segundo o infectologista Montenegro, também não foi descartada a hipótese de alguma causa ligada a desequilíbrio ambiental.
“Os primeiros casos começaram em duas comunidades do Recife que ficam coladas com a mata de Dois Irmãos [na Zona Oeste]. E daí se espalhou para Camaragibe, que também é uma área colada com a mata. Não dá para a gente deixar de investigar uma possibilidade de um certo desequilíbrio ambiental”, explicou o especialista.
Ele informou que as possibilidades que estão sendo investigadas são múltiplas. “Pode ser algum tipo de vegetal que possa estar desprendendo alguma substância tipo pólen, algum tipo de inseto próximo à mata, algum tipo de ácaro de alguns animais”, contou.
Análises de insetos e outros bichos também estão sendo realizadas para verificar se estão causando alergia tanto na capital, quando em Camaragibe.
“Muitas das lesões de pele parecem com reação alérgica. Você tem várias possibilidades do que pode causar. Nessa situação, a causa pode estar no ambiente. Será que é alguma coisa da água? Algo da mata? Inseto? Fica muito mais difícil porque não tem como procurar só na pessoa que está acometida, tem que procurar no ambiente”, declarou Demetrius.
Profissionais de diversas áreas tais como veterinários, biólogos e epidemiologistas estão envolvidos nas pesquisas, segundo Montenegro.
Investigações de outras possibilidades
No formulário utilizado pela prefeitura do Recife e seguido pela gestão municipal de Paulista, são listadas informações como data do início dos sintomas, evolução da manifestação das lesões cutâneas e possíveis contatos com casos similares.
Outro ponto que dificulta o diagnóstico, explicou Montenegro, é a possibilidade de doenças superpostas, ou seja, de a pessoa ter mais de um problema de saúde, como uma alergia e a lesão por outra causa. “Além de ter um problema de pele por outra causa, pode ter esse problema da lesão, o que confunde ainda mais”, disse.
Recomendações
A recomendação de todos os municípios para pessoas que sentirem os sintomas de coceira intensa e vermelhidão no corpo é procurar uma Unidade de Saúde Básica para que os possíveis tratamentos e investigação do caso clínico sejam iniciados.
Além disso, Demetrius Montengro reforçou que o ideal é não passar medicamentos sem orientação e diagnóstico médico, até mesmo para que não haja piora dos sintomas. Com a pessoa indo à unidade de saúde, a vigilância epidemiológica é acionada.
“É extremamente importante essa notificação para a vigilância epidemiológica para fazer toda a investigação e excluir se for o caso”, apontou o infectologista.
*Com g1 Recife
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