José Caldas da Costa*
A longa espera por uma revolução dos transportes brasileiros parece estar chegando ao fim. O Governo Federal conseguiu articular com a Câmara dos Deputados para que seja votado na próxima segunda-feira (13) o projeto de lei que cria o novo Marco Legal das Ferrovias, normatização fundamental para dar amparo legal e segurança jurídica para os investimentos de mais de R$ 100 bilhões que estão sendo pretendidos pela iniciativa privada na malha ferroviária nacional.
O Brasil, do tamanho de um continente, abandonou seu projeto ferroviário iniciado na época do império, sob liderança do Barão de Mauá, em favor de um modal de transportes quase, exclusivamente, rodoviário a partir dos anos 50 e sacramentado com a extinção da maioria das vias férreas em meados dos anos 60 sob dois vieses: econômico e ideológico.

Do viés econômico, o beneficiamento aos interesses da multitrilionária indústria do petróleo e dos automóveis; do viés ideológico, o ápice da guerra fria que contrapunha dois impérios – o norte-americano e o soviético, na América Latina com influências, por um lado, junto aos oficiais militares que promoveram seus golpes, e, por outro, junto a sindicatos e organizações operárias.
Assim foi que uma das razões para o regime militar acabar com a malha ferroviária foi “quebrar a espinha dorsal” da forte organização sindical da categoria, que tinha como seu principal expoente um capixaba, Demistoclides Batista, o Batistinha, natural de Cachoeiro de Itapemirim – que de ferroviário e cassado pelo regime, veio a se tornar advogado, morrendo misteriosamente em 1993 quando visitava uma filha em Ramos, no Rio de Janeiro.
Isto é parte da história da formação e desenvolvimento da sociedade brasileira. O fato fundamental é que hoje se sabe que, do ponto de vista econômico, abandonar e desativar ferrovias não foi uma boa escolha, até porque a dependência de monopólios sempre subjuga os governantes e escraviza o povo.
Antes tarde do que nunca. A malha ferroviária nacional, hoje, é a mesma de 100 anos atrás, quando a população brasileira era de 41 milhões de pessoas – cinco vezes menor que a atual. Em 2018, porém, começou uma ação parlamentar que hoje é assumida pelo atual Governo como um programa do Estado brasileiro: o rompimento da barreira monopolista estabelecida pelo modo concessionário vigente no pouco que há de ferrovias no País.
Assim, o Projeto de Lei (PLS) 261/2018, do senador José Serra (PSDB-SP), avançou depois de três anos praticamente parado, foi votado no Senado e encaminhado para a Câmara, onde foi transformado no PL 3754/2021, que entra em votação na próxima segunda-feira (13).
Para não perder tempo com as tramitações parlamentares, sempre sujeitas ao forte lobby político dos que não querem mudanças naquilo que lhes é favorável, ainda que não atendam aos maiores interesses nacionais, o Governo editou a Medida Provisória 1065/2021, prorrogada pelo presidente do Senado e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), até o início de fevereiro.
Menos de um mês após a edição da MP do Marco Legal Ferroviário, o Governo lançou o Programa Pro-Trilhos e, com ele, o Ministério da Infraestrutura recebeu dezenas de solicitações de autorização da iniciativa privada para construir ferrovias por sua conta e risco – quatro deles beneficiando o Espírito Santo, sendo que dois tiveram o contrato de autorização assinado na última quinta-feira (9). E assim o trem voltou para os trilhos, apitando em direção ao futuro brasileiro.
URGÊNCIA
A MP somente é, como já diz, provisória. Precisa de uma lei aprovada no parlamento, o que parece agora estar a caminho. No dia 24 de novembro, os deputados aprovaram o regime de urgência para o PL 3754/2021 – Marco Legal das Ferrovias e, na última quinta-feira (9 de dezembro), o seu relator, o deputado Zé Vitor (PL-MG), apresentou seu parecer sobre o projeto sem alterar o texto aprovado em outubro pelo Senado.
Se na próxima segunda-feira (13) os deputados derem aval ao projeto como está, a proposta poderá seguir diretamente para a sanção do presidente Jair Bolsonaro. Com certeza, o 13 de dezembro poderá ser declarado como o Dia Nacional do Renascimento das Ferrovias. No futuro, as novas gerações, por certo, agradecerão à luta de quem a ela se entregou.
A agilidade na análise pelos deputados é um fator importante para o governo. O Ministério da Infraestrutura conta com a aprovação do marco no Congresso para que não haja uma lacuna legal gerando insegurança aos projetos ferroviários já liberados por uma medida provisória editada em agosto.
Com prazo para vencer em fevereiro, a MP não será analisada pelos parlamentares, que preferiram dar prioridade ao projeto de lei discutido no Senado desde 2018. Os textos têm o mesmo objetivo: autorizar a construção de ferrovias privadas no Brasil.
“A desburocratização, a abertura à competitividade e a aderência às regras de mercado, características da autorização, são elementos que possivelmente contribuirão para que o transporte ferroviário venha a ser uma alternativa interessante para os investidores de longo prazo”, afirmou Zé Vitor no parecer.
O deputado já havia adiantado ao Estadão/Broadcast que enxergava o texto do Senado de forma positiva e avaliava não fazer alterações na proposta.
“Acredito sinceramente que o Brasil dá um passo importante rumo ao desenvolvimento de sua malha ferroviária, ao aumento da eficiência de sua logística e à melhoria da competitividade do setor produtivo. Esse marco legal representa um trampolim capaz de impulsionar nosso País a um novo patamar de geração de riquezas”, escreveu o deputado em seu relatório.
MIGRAÇÃO
O Marco Legal das Ferrovias também prevê situações em que as atuais concessionárias de trilhos poderão migrar para o novo modelo de operação. As empresas que administram concessões hoje poderão pedir ao governo a adaptação do contrato para o regime de autorização, primeiramente, quando um traçado liberado por esse novo modelo entrar em operação e gerar concorrência no mercado.
Há ainda uma segunda possibilidade. Por ela, a migração poderá acontecer quando a concessionária (ou integrante do mesmo grupo econômico) expandir em pelo menos 50% a extensão ou a capacidade da ferrovia que opera, para atender ao mesmo mercado. Na prática, a empresa esticará via autorização a malha que já administra, passando a operar ambos os trechos sob o novo modelo.
Outro destaque do projeto é relativo a ferrovias abandonadas ou subutilizadas. O texto autoriza o governo a promover um chamamento público para saber se há algum investidor interessado em obter autorização para explorar trechos ferroviários não implantados, ociosos ou em processo de devolução ou desativação.
A estimativa da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut) é de que existam 18 mil km de trechos abandonados ou subutilizados – mais de 60% da atual malha.
*Jornalista e geógrafo, com informações da Istoé Dinheiro e do jornal O Estado de S. Paulo
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