*Wagner José Carmo
O Brasil, já faz alguns anos, vive sob fortes turbulências políticas e jurídicas que, em alguma medida, farão parte dos livros de história e dos debates acadêmicos. Mais recentemente, a partir de 8/janeiro/ 2023, há um forte debate abarcando a democracia brasileira, as instituições da República e os Poderes constitucionalmente estabelecidos.
Não faltam exemplos de tensões entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo e entre este o Poder Judiciário; todavia, nada supera, neste momento, o stress entre o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dos réus acusados pela Procuradoria Geral da República por crimes de tentativa de golpe de Estado, dentre outros ilícitos tipificados pela legislação infraconstitucional.
Neste sentido, de um lado, o Congresso Nacional flerta com a edição de Autografo de Lei anistiando os réus envolvidos na “trama golpista” e, de outro lado, o STF, de forma célere, julga, dentre outros, um ex-presidente, ex-ministros de Estado e Comandantes das Forças Armadas.
Mas, nada, absolutamente nada, supera a ebulição provocada pelo voto do Ministro Luiz Fux na Ação Penal 2668.
O Ministro, por meio do voto na ação penal, recuperou a força da teoria geral do direito e da interpretação literal das normas jurídicas, revelando-se, a um só tempo, dogmático, legalista e garantista.
Com um voto tenaz e profundo, o Ministro Fux despertou a esperança, empoeirada e esquecida, de um Poder Judiciário capaz de interpretar e aplicar as leis para garantir os direitos dos cidadãos.
A sociedade brasileira aspira, há tempos, por julgamentos “conforme o Ministro Luiz Fux”, já que, em regra, as metas do Conselho Nacional de Justiça são resolvidas pelos Tribunais por meio de violações dos direitos de defesa, as estruturas (físicas e humanas) do Poder Judiciário são insuficientes para atender advogados e partes, o acesso à justiça não é democrático e os erros do Poder Judiciário são tratados com corporativismo, ignorando a dor da injustiça provocada pelo órgão que deveria prolatar justiça.
O voto do Ministro Luiz Fux na Ação Penal 2668, quando apartado das contradições, representa um balsamo à concretização da justiça – o Ministro votou pela competência do STF para condenar os golpistas de 8/janeiro/2023 e na ação penal n.º 2668 afirmou que o STF é incompetente para julgar os réus; o Ministro reconheceu, para além das teses de defesa, que não houve tentativa de golpe, entretanto, condenou o Tenente Mauro Cid por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Deve-se comemorar a dedicação dispensada pelo Ministro aos fatos do processo. Igualmente, pela análise atenciosa da denúncia da Procuradoria Geral da República, das peças de defesa e dos termos do voto do Ministro Relator da ação penal n.º 2668.
A questão, entretanto, é saber se o voto do Ministro Luiz Fux é uma regra que o Poder Judiciário pretende adotar, reverberando-a entre os demais membros do Poder Judiciário ou se a hipótese nada mais é do que um casuísmo relacionado com velha forma de fazer justiça no Brasil – amicis legem inimicis (aos amigos os favores aos inimigos a lei).
A resposta à questão não é fácil, especialmente quando olhamos o problema a partir de fatos e acontecimentos históricos. O voto do Ministro Luiz Fux não surpreendeu pela absolvição ou pela condenação, não mesmo, pois, decidir por absolver ou por condenar é uma atribuição imanente à toga.
O fascínio está na mudança de postura e na forma de enxergar o processo penal, uma vez que a biografia punitivista do Ministro é indelével e o voto proferido no dia 10/setembro/2025 não guarda coerência com outras decisões proferidas anteriormente, caracterizando-se por haver decidido de forma inusitada e diferente.
Mas, cuidado, não se defende aqui a imutabilidade das decisões ou mesmo que um magistrado não possa mudar a forma de interpretar e aplicar a legislação; entretanto, destaca-se o momento da mudança e os atores (réus) envolvidos.
Em relação ao momento, o Brasil está dividido politicamente, as ruas tensionadas, os Estados Unidos aplicando sanções contra o Brasil e em desfavor de Ministros do STF para favorecer a família Bolsonaro e o governador do Estado mais importante economicamente para o Brasil atacando o STF e seus Ministros.
Não fosse o momento, a alteração ocorre especificamente no processo penal por tentativa de golpe e abolição do Estado democrático de direito alcançando um ex-presidente e de Comandantes das Forças Armadas do Brasil.
De toda sorte, seja qual for o caminho à resposta (mudança real ou casuísmo), devemos “cruzar os dedos” desejando que todos os brasileiros possam receber uma tutela jurisdicional célere e com uma sentença igual à do Ministro Luiz Fux – uma sentença justa, forjada numa correta interpretação e aplicação da lei no caso concreto; uma sentença que garanta um julgamento que respeite os princípios constitucionais e a imparcialidade processual; uma sentença clara, fundamentada e em conformidade com a legalidade estrita e, sobretudo, uma sentença proveniente de um julgamento equilibrado, transparente e respeitoso.
*Wagner José Carmo é advogado, professor universitário
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