
Weber Andrade*
Em maio de 2006, como editor de Política e Economia do Diário do Rio Doce, em Governador Valadares (MG), fui um dos seletos convidados para a inauguração da Usina Hidrelétrica Eliezer Batista, assim batizada em homenagem a um dos mais longevos presidentes da Companhia Vale do Rio Doce, hoje apenas Vale.
Era um projeto ousado, que mexia com muito do que eu conheci daquela região. Natural de Mutum (MG), várias vezes apanhei o trem de passageiros da Vale de Valadares para Aimorés, onde ppegava um ônibus e seguia até minha cidade natal. Antes da usina, lembro-me da pequena cidade de Itueta, que foi totalmente inundada. A estação do trem era bem no meio da cidade, assim como a de Aimorés e a maioria das outras.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi uma das presenças ilustres naquela tarde. Antes de lá chegar, no entanto, vindo pela rodovia BR-259, já pavimentada, pude contemplar a imensidão do lago, que se estende por cerca de 30 quilômetros, entre Resplendor e Aimorés.
Itueta, a velha, já estava submersa e a nova parecia uma cidade modelo, mas desprovida de pulsação, de emoção, como pude constatar ao entrar na cidade, antes de chegar à sede da Usina.
Antes mesmo de viajar, tinha conversado com um pescador de Governador Valadares, Maurício, que migrara anos antes de Aimorés para a Princesa do Vale. “A usina vai acabar com todos os peixes abaixo dela, em Aimorés, os pescadores vão passar fome”, sentenciou.
Em 1994, assessor do saudoso deputado federal Pedro Tassis, de Governador Valadares, tive a oportunidade de comer uma moqueca de lagosta do rio Doce, em um restaurante do centro de Aimorés, quase na margem do rio. Era um prato típico e tradicional da cidade.
Anos depois, já em 2.000, quando do lançamento da pedra fundamental do Instituto Terra, na Fazenda Bulcão, da família do fotógrafo Sebastião Salgado, mais uma vez, pude apreciar a iguaria, desta vez, no famoso restaurante da Tia Laura, que tinha parte dentro do rio. Estava acompanhado do médico Fernando Antônio Calvão Filho, o Dr. Antônio, morador de Barra de São Francisco, e seu irmão, Maurício. Dr. Antônio é filho de tradicional família aimorense – o pai, casado que foi com uma das filhas do temido coronel Bim-Bim, chegou a ser prefeito da cidade.
Bom, mas voltando à usina, que nasceria seis anos depois do Instituto Terra, a previsão do pescador Maurício se confirmou parcialmente, com os peixes quase desaparecendo de Aimorés, mas as lagostas acabaram sobrevivendo nas águas da represa e chegaram a ser alvo de matéria do Estado de Minas, relatando que a iguaria era servida em um restaurante famoso de Resplendor, início do lago da usina.
Hoje, 1º de fevereiro, recebo um link do Jornal Folha 1, que atua nas cidades de Aimorés e Baixo Guandu, do jornalista Eleutério Schneider, enviado pelo colega José Caldas da Costa, diretor geral deste Tribuna Norte Leste, falando das mazelas deixadas pela UHE Eliezer Batista, com o sugestivo título: Cadê o rio que estava aqui?
Não foi possível conter a necessidade de fazer este pequeno relato do que vi e vivi, eu que nasci em Mutum e nadei no rio Doce, ainda bem pequeno, logo abaixo da Barra do Manhuaçu, mais precisamente no bairro Igrejinha, em Aimorés, onde viveram meus avós maternos.
Naquele tempo, ainda havia a lenda dos caboclinhos d’água, que gostavam de aparecer e afogar crianças. Creio que a lenda foi inventada para nos afastar, meninos, das perigosas águas do Doce, que parecia um mar para os pequenos.
De acordo com o site da outra divisa – vivo também na divisa de Minas com o Espírito Santo, mais acima, em Barra de São Francisco – prestes a completar 16 anos de existência, a Usina Hidrelétrica de Aimorés deixou poucos benefícios para o município sede e quase nada para Baixo Guandu, que fica logo abaixo.
Com capacidade para gerar 330 MW de energia, quantidade suficiente para abastecer uma cidade com um milhão de habitantes, a Usina Hidrelétrica deixou um legado financeiro ‘razoável’ para Aimorés, que recebe uma quantia variável mensal de royalties por sediar o empreendimento, mais alguns impostos, mas nada que tenha mudado para muito melhor a vida dos habitantes do município.
Uma das reclamações é a redução drástica da vazão do rio no perímetro urbano da cidade, o que propicia muitas vezes mal cheiro e retirada do lazer e pesca dos moradores, como previu o pescador Maurício, do início desse artigo. A população reclama que houve um acordo da construção de um dique para manter o nível da água no perímetro urbano, mas hoje o rio possui apenas um filete de água em função do desvio do leito.
“Para Baixo Guandu então, nem se fala: o município recebe uma quantia quase insignificante de royalties, mas ficou com um passivo ambiental que mexeu com o trecho do rio Doce que vai da divisa (bairro Boa Vista) até a Casa de Força da Usina, um trecho de aproximadamente um quilômetro. Ali o rio Doce morreu, correndo apenas um filete entre a pedraria, em função do desvio do curso d’água para tocar as turbinas da Casa de Força”, descreve o Folha 1.
O site evoca ainda o depoimento do ex-prefeito de Baixo Guandu, Chico Barros, hoje com 83 anos, que rotineiramente usa sua rede social para denunciar o “crime” que fizeram com Baixo Guandu na construção da Usina. Segundo Chico, o projeto original previa a construção da Usina em território inteiramente guanduense, aproveitando a força das águas do rio Doce onde se situava a cachoeira do Raio.
Chico denuncia sempre que o projeto foi alterado para beneficiar Minas Gerais, prejudicando o Espírito Santo e deixando para Baixo Guandu um passivo ambiental irrecuperável. “Basta olhar o leito quase seco do rio Doce, próximo à região do Eucalipto até o bairro Sapucaia para sentir o drama”, afirma o ex-prefeito Chico Barros.

Legado
Já se passaram quase 16 anos da inauguração da Usina de Aimorés, mas Baixo Guandu convive rotineiramente com um fato até irritante: sirenes que tocam sem parar em alguns pontos da cidade, situação que faz parte de um plano preventivo em caso de rompimento da barragem da Usina, localizada na Pedra Lorena, em Aimorés.
Este plano preventivo é uma exigência legal, é bom frisar, e a barragem é considerada absolutamente segura. Mas numa hipótese quase impossível de rompimento, parte do perímetro urbano de Baixo Guandu seria inundado – especialmente na região do bairro Mauá.
O que se pode deduzir, hoje, é que a Usina Hidrelétrica de Aimorés deixou para Baixo Guandu muito pouco, ou quase nada: na época da construção, algumas verbas para a Saúde, Segurança Pública, asfaltamento de ruas, mas depois da inauguração, o relacionamento mudou muito. Não há nem um canal de diálogo permanente para analisar as consequências (ainda presentes) do empreendimento para Baixo Guandu.
A Usina Hidrelétrica de Aimorés surgiu de um empreendimento que envolvia a Vale (49%) e a Cemig (51%) e na construção foram investidos cerca de R$ 1 bilhão. Hoje o empreendimento está a cargo da Aliança Energia S/A, que possuí uma série de empreendimentos nesta área em várias localidades do Brasil.
*Com site https://jornalfolha1.com.br/
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