*José Caldas da Costa
Poucos dias depois do episódio do Oscar, quando o ator Will Smith chamou a atenção do mundo ao subir ao palco para esbofetear o apresentador que fez uma piada de mau gosto com a condição da mulher do artista, eis que vem dos campos do combalido futebol capixaba o episódio que virou capa dos principais sites esportivos no Brasil e exterior e dominou os comentários na segunda-feira, com manifestações até do Ministério da Mulher.
O jovem e promissor técnico Rafael Soriano entrou em campo no intervalo da partida de seu time, a Desportiva Ferroviária, contra o Nova Venécia e, entre reclamações e xingamentos ao trio de arbitragem, cometeu o desatino de dar uma cabeçada no rosto da árbitra auxiliar Marcielly Netto. De repente, o futebol capixaba, há muito sumido da imprensa brasileira, ocupa as manchetes por seu lado mais obscuro.
Tanto no caso de Smith quanto de Soriano ocorreu um episódio que, no mundo da psicologia e da neurociência, tem nome e sobrenome: sequestro da amigdala. Esse termo foi cunhado pelo psicólogo Daniel Goleman, autor da teoria da Inteligência Emocional, para definir aquele exato momento em que a razão desaparece (córtex pré-frontal), a emoção prevalece (sistema límbico) e entram em cena os mais primitivos instintos animais do ser humano presentes na memória do pequeno sistema reptiliano do cérebro.
A diplomacia e a capacidade de dialogar são os mais evidentes sinais de evolução de nossa espécie. Os episódios de violência indicam um passo atrás – e, no momento atual, parece que estamos dando muitos passos atrás.
Dois fatos posteriores ao acontecimento principal diferenciam os episódios de Smith e Soriano: primeiro, a motivação. Smith agiu motivado pela defesa de sua esposa, agredida na piada de mau gosto do apresentador do Oscar. Soriano, pelo contrário, agrediu uma mulher, carimbando, ao que se saiba, o fato inédito no futebol brasileiro, quiçá mundial, desde que as mulheres ganharam o direito de igualdade tanto na prática do futebol quanto no exercício da profissão de árbitra: uma agressão masculina a uma árbitra.
O segundo fato, que acabou complicando a situação do técnico, enquanto, embora condenasse, pelo menos a maioria das pessoas fosse condescendente com Smith, está na atitude posterior. Smith voltou ao palco do Oscar para receber a estatueta de melhor ator, chorou e demonstrou arrependimento, dizendo que o que aconteceu, momentos antes, não revelava o tipo pessoa que ele, Smith, deseja ser.
Quanto a Soriano teve a agravante de, ainda no calor da discussão, ao dirigir-se ao vestiário, fazer uma infeliz declaração, captada pelo microfone da emissora que transmitia a partida, tentando inverter o ônus da prova do fato visto ao vivo e revisto em centenas, talvez milhares de reproduções da imagem que mostram seu movimento de cabeçada em direção à árbitra, mulher e de compleição física de flagrante desvantagem em relação a ele.
O triste episódio no distante campo de jogo de Nova Venécia poderia ficar no dito pelo não dito, num jogo de disputa entre o relatório da arbitragem e a versão do técnico, se não estivesse sendo transmitido ao vivo pela emissora do Governo do Estado, a TV Educativa. Pior para o técnico.
Agora, nesse acontecimento, fica evidente um grave problema de estrutura do futebol capixaba. Pelo menos não se tem notícia de que estivessem presentes diretores do clube, a Desportiva Ferroviária, para contornarem a situação antes que ela chegasse à gravidade que chegou. Se havia, não apareceram. Não é papel do técnico entrar em campo para aquele tipo de atitude, mas é papel de dirigentes manterem a calma e controlarem seus profissionais. Faltou, como disse um notório compositor brasileiro diante de desatinos de Governo recente, o “ministério do vai-dar-merda”.
Feito o estrago, não resta outro caminho a Rafael Soriano a não ser, o quanto antes, vir a público reconhecer seu erro e pedir desculpas à árbitra, ao clube, aos torcedores, à sua família e à sociedade. Talvez, com humildade e não com a prepotência que demonstrou no episódio, o jovem e emergente técnico – como o chamou um portal paulista, de onde origina-se sua família – consiga atenuar a enorme repercussão do fato. Afinal, a sociedade presente gosta de um espetáculo e Soriano deu carne às onças.
O reconhecimento do erro é o mínimo que se espera, até porque várias pessoas que o conhecem há algum tempo disseram-se surpresas com o que aconteceu, haja vista que, no trato diário e pessoal, o técnico seria uma pessoa a demonstrar boa formação e virtuosa. Isso não vai impedir seu severo julgamento pela Justiça Desportiva, mas poderá conter o linchamento social.
Afinal, há vida depois das tragédias humanas, desde que a alma seja tratada. Como cristão, vem-me à mente um conselho do apóstolo Paulo: “Quem está em pé, trate de não cair” (I Corintios 10:12). Mas, se cair, então cuide de se levantar logo, como cabe a uma pessoa do bem, “porque o justo cairá e não ficará prostrado” (Salmo 37:24).
(José Caldas da Costa, jornalista, especialista em desenvolvimento humano, analista de forças de caráter CSI)
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