Weber Andrade
Faltou-me coragem para escrever sobre o assunto nos últimos dias. Confesso que fiquei abalado, triste mesmo, quando a amiga Alda Pinheiro nos ligou, na semana passada, pedindo informações sobre o Negão, que estava desaparecido desde a segunda-feira, 16.
O Negão, que muitos também costumavam chamar de Pirata, conquistou a minha amizade há mais de quatro anos, quando ainda havia um vendedor de churrasquinho na porta da Marcon, em frente ao bar Altas Horas. Ele costumava passear por ali em busca de um pedaço de carne, mas aceitava também um carinho.
Acostumei a encontra-lo diariamente, no finalzinho da tarde e, quando dei por mim, ele já havia descoberto onde eu morava, em um prédio da família do amigo Renato Pinto Rosa, quase em frente à Primeira Igreja Batista. Em uma madrugada, quando saí para caminhar, lá estava o Negão, deitado na calçada, na porta do prédio. E de lá nunca mais quis sair.
Negão foi conquistando amizades e, embora alguns vizinhos não o quisessem por lá, ele acabou abandonando parcialmente o antigo dono, um catador de materiais recicláveis que descia o bairro Colina, todas as madrugadas.
Com a chegada do período chuvoso, a Creuza, esposa do Edmilson Stefanon, que tem uma pousada ali perto e é apaixonada por cães, começou a levar comida para o Negão todos os dias.
Do outro lado, o comerciante Zezinho Liberato, também simpatizou muito com o Negão que estava sempre dócil e pronto a fazer amigos.
Zezinho e Creuza providenciaram casa e comida para ele, em frente à loja, ou seja, ganhou morada fixa e tutores.
Pouco tempo depois, a jovem Alda Pinheiro foi trabalhar nas imediações e, também apaixonada por cães, adotou o Negão como mascote do escritório. O danado ganhou até um cantinho dentro do escritório, mas um dia, após Alda resolver dar-lhe um banho, ficou meio arisco, porém nunca a abandonou.
Alda chegou a providenciar, junto com outra amiga, a cura para uma doença venérea – apesar de ser castrado, Negão adquiriu uma inflamação no arcabouço do pênis e tivemos que pagar uma ou duas aplicações para conter a doença. Ficou curado.
Como quase todo cão de rua, Negão trazia marcas dessa vida livre, mas perigosa. Um dos olhos era furado, o que lhe rendeu o apelido de Pirata e tinha caroços nas costas que muitos confundiam com bernes.
Provavelmente as últimas amizades feitas pelo Negão foram com os garis que fazem a varrição diária da avenida Jones dos Santos Neves e começam bem cedo, por volta das 4h da manhã.
Negão se afeiçoou e os seguia pelo menos até a metade do caminho. Diariamente. Eu, que acordo cedo, era surpreendido por ele, com aquele focinho dócil a futucar-me as pernas nessas primeiras horas do dia, em busca de atenção. Brincávamos e ele sempre parecia agradecer por tê-lo ajudado a encontrar um lar.
Mas o Negão era arteiro. Gostava, como quase todo cão de rua, de correr atrás de motos e bicicletas, sem pretensão nenhuma, só por diversão.
Na semana passada, não se sabe como, ele foi atropelado, perto da Casa Matilde, na Rua Mineira.
“Encontrei o corpo dele lá, estirado. A princípio não sabia se era ele, mas como era negro, resolvi verificar e confirmei a identidade”, conta um dos garis.
Como disse no início desta crônica, fiquei muito triste com a (má) notícia, certo de que não veria e nem conversaria mais com meu amigo. Mas, tenho certeza que no céu de São Francisco, o amante da natureza e protetor dos animais, brilha mais uma estrela.

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