“Acatei a determinação do Ministério Público e suspendi a execução dos serviços a partir desta quinta-feira (16). Entretanto, vou contestar e demonstrar a vantajosidade dos serviços e os benefícios para as crianças da rede municipal de Educação”.
Assim reagiu o prefeito Nirrô Emerick (Solidariedade), de Alegre, diante da determinação do Ministério Público do Espírito Santo que a Prefeitura do município da região do Caparaó, a 200km de Vitória, no Sul do Estado, suspenda imediatamente a execução de um contrato no valor global de R$ 2,1 milhões com uma empresa de treinamento em função de irregularidades na contratação.
A determinação foi assinada pelo promotor Matheus Leme Novaes, da Promotoria de Alegre, e trata do contrato nº 208/2023 de prestação de serviços pela empresa MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda e também suspendeu os pagamentos decorrentes da contratação.
Na notificação ao prefeito e a três secretários municipais a Promotoria afirma que o documento tem natureza recomendatória e premonitória para prevenir responsabilidades civis, penais e administrativas “e, notadamente, a fim de que no futuro não seja alegada ignorância quanto à extensão e o caráter ilegal e antijurídico dos fatos noticiados.
ENTENDA O CASO
De acordo com o Ministério Público, a Administração Municipal, por meio do Processo nº 4833/2023 – Pregão Eletrônico 048/2023, promoveu a contratação da empresa MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda para a ministração de cursos itinerantes de certificação na área de tecnologia-robótica para os alunos da rede municipal de ensino de Alegre.
O valor global contratado alcançou R$ 2,1 milhões, dos quais R$ 700 mil já se encontram liquidados e pagos. No entanto, diversas irregularidades foram apontadas pela própria Unidade de Controle Interno do Município de Alegre-ES, segundo o promotor.
A fase prévia da contratação não foi precedida do Estudo Técnico Preliminar – ETP, conforme disciplinado no Parecer-Consulta 00019/2020-1 Plenário – TCEES, afirma a notificação.
O MP encontrou que o Termo de Referência – TR (instrumento obrigatório em qualquer processo de contratação pública) utilizado no procedimento licitatório “demonstrou-se eivado de vícios, vez que trouxe consigo expressiva semelhança com a proposta comercial apresentada pela empresa CEC Tecnologia Ltda (CNPJ 21.617.289/0001- 62) em 01/02/2023 na Prefeitura de Vila Velha, com o nome de fantasia BUS TECH, e apontando o Sr. Marcelo Tanure como executor do projeto”
Para a Promotoria, o fato revela “fortes indícios de direcionamento vez que o TR fora elaborado de forma a refletir diretamente a proposta comercial da empresa vencedora, MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda, o que caracteriza violação das Leis 8.666/1993 e 10.520/2002, cujos princípios basilares são a isonomia, impessoalidade e competitividade nas contratações públicas”.
A empresa vencedora do processo licitatório em Alegre, a MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda, também usa o nome de fantasia “BUS TECH”, CNPJ 38.496.959/0001-32, com Stefany Messias Martinelli e Raphael Ramos Leite como sócios administradores, e possui endereço de email registrado na Receita Federal como marcelo_tanure@hotmail.com.
Durante a fase de habilitação do processo licitatório, a empresa MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda declarou que o seu Responsável Técnico era Marcelo Rodrigues Tanure, “o que evidencia que ele tem ou teve vínculos com ambas as empresas, nos casos, C E C Tecnologia Ltda, que apresentou a proposta comercial para a Prefeitura de Vila Velha; e MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda, contratada pela Prefeitura Municipal de Alegre”, diz o MP.
A ausência de ETP culminou na elaboração TR genérico, e refletiu negativamente em todos os atos subsequentes, pois nada registrou quanto à necessidade de deliberação / aprovação do Conselho Municipal de Educação, integração à matriz curricular, abrangência em relação aos alunos da rede municipal de ensino e quais escolas da rede seriam contempladas pelo projeto, destacando-se que, os objetivos, metas e competências do projeto reproduzem a proposta comercial da empresa vencedora do certame.
O MPE aponta, ainda, que a liquidação da despesa não quantifica o total de alunos atendidos por escola x mês, e por vezes incluiu serviço estranho ao contratado, como o intitulado “colônia de férias”, no período de 15/01/2024 a 02/02/2024, que incluiu palestras, filmes e jogos que não estão alinhados com o que foi definido na contratação original, além de variações no tempo das aulas, sem critérios estabelecidos.
Após a notícia do recebimento de “denúncia” no Ministério Público, o relatório apresentado para a liquidação do quarto pagamento trouxe informações detalhadas não apresentadas nos três primeiros, informa a Promotoria.
A formação do preço de referência do certame não foi precedida de ampla pesquisa de mercado, segundo o MP, nem não cita fontes (internet, bancos de dados de compras públicas, e-mails, contatos telefônicos, …), e as empresas que cotaram seus preços (MRJ Tecnologia Ltda – Vila Velha/ES; Jiovanne Braz da Cunha – Inhumas/GO e Vone Soluções e Serviços Ltda – Goiânia/GO) tiveram apenas seus dados incluídos nos autos sem informações adicionais.
A MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda, vencedora do certame, foi a única empresa capixaba a apresentar proposta e não há histórico de contratações públicas.
Jiovanne Braz da Cunha 93624522191 não possui registro de contratações anteriores com órgãos públicos, e Vone Soluções e Serviços Ltda, terceira proponente, possui um histórico de contratações especificamente no fornecimento de licenças de softwares a órgãos públicos, ou seja, dois desses orçamentos foram obtidos de empresas que não comprovaram estar no ramo da atividade e não demonstraram efetiva capacidade efetiva para prestação de tal serviço.
A empresa vencedora do certame, no âmbito de sua qualificação técnica, apresentou apenas capacitação técnico-profissional (demonstração da experiência do profissional indicado pelo licitante para atuar como seu responsável técnico), mas ignorou o teor dos itens 9.11.2.1, 9.11.2.2, 9.11.2.3 do edital, e nada demonstrou sobre sua capacitação técnico-operacional (comprovar, enquanto organização empresarial, sua aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação).
Para o promotor, está claro que o edital, tendo seguido as especificações da referida empresa, “claramente indica o direcionamento do procedimento licitatório”.
Em declarações prestadas pelo Secretário de Educação na Promotoria de Justiça de Alegre, é informado que o ônibus (usado para dar as capacitações) lhe fora apresentado em um evento de inovação e tecnologia na cidade de Vitória/ES, e após, foi procurado em Alegre pelo representante da empresa MRJ Tecnologia e Soluções Educacionais Ltda, que possui parentes na cidade.
Para o MP, os vícios insanáveis da contratação podem ser comprovados pela especificidade do objeto contratado e ausência de parâmetros para cotejar a prestação de tal serviço. (Da Redação)
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