
Um duro golpe foi aplicado pelo Estado brasileiro na maior organização criminosa em atuação no solo nacional, com duas apreensões volumosas nos dois últimos dias no município de Vila Velha, no Espírito Santo. Nas duas operações, foram apreendidos 860kg de pasta base de coca, suficiente para produzir mais de 5 toneladas de cocaína pura a ser vendida no comércio internacional por mais de R$ 220 milhões, de acordo com estimativas da Polícia Federal.
A primeira apreensão foi na manhã de terça-feira (7), numa casa no bairro Interlagos, entre Vila Velha e Guarapari, à margem da Rodovia do Sol. Foram 500kg de cloridrato de cocaína (a pasta base), suficientes par produzir até 3 toneladas, causando um prejuízo de R$ 130 milhões à organização. No local foram presos três homens e um deles, segundo informações das autoridades, teria oferecido suborno de R$ 1 milhão para o agente que foi prendê-lo.
Num desdobramento da Operação Solis, a Polícia Federal apreendeu mais 360kg de cocaína na manhã desta quarta-feira (8) num barco na Praia do Ribeiro, em Vila Velha. Os donos da droga fugiram numa caminhonete em direção ao Morro do Moreno e desapareceram. Cálculos da polícia dão conta de que são mais R$ 90 milhões de prejuízo para a organização criminosa. Com isso, o prejuízo já soma R$ 220 milhões em apenas dois dias de operações.
Todo esse dinheiro, agora, entra na contabilidade do prejuízo da maior organização criminosa do País, o Primeiro Comando da Capital (PCC), sediado em São Paulo e com ramificações em todo o País. A droga estava acondicionada e preparada para ser transportada, por via marítima, a partir do Espírito Santo, para mercados da Europa.
A apreensão e as prisões resultaram da Operação Solis, deflagrada pelos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público dos Estados do Espírito Santo e São Paulo, contando com o apoio das Polícias Militares dos dois Estados, além da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal.
Na terça-feira, no Espírito Santo foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão em Vila Velha e Guarapari. Paralelamente, em São Paulo o mesmo aconteceu no Guarujá e em Araraquara. Apesar de os nomes dos homens presos não terem sido divulgados, imagens do cinegrafista Ari Melo, da TV Gazeta/ES, registraram a chegados três na Superintendência da Polícia Federal do Espírito Santo, onde foram autuados em flagrante.
Um morador da região do Morro do Moreno disse, na condição de anonimato, que toda a madrugada dois barquinhos saem em direção ao mar e retornam depois de duas horas. Desembarcam caixas em uma SUV, que deixa o local em direção incerta. “Moro há seis anos aqui e isso acontece direto”, disse o morador, o que comprova a tese de que o tráfico pesado é coisa de gente graúda e não dos traficantes encrustados nos morros.
BASE DA COCAÍNA
A pasta base é utilizada como o último produto originário da “industrialização” das folhas de coca, produzidas fora do País, e que, antes de chegar ao consumidor final, é “desdobrada”, com a utilização de produtos químicos, para originar a cocaína utilizada como entorpecente.
Enquanto a cocaína pura é, geralmente, utilizada por membros de classes mais ricas, o seu subproduto, o “crack”, é hoje a droga mais consumida entre as camadas mais pobres, resultando numa devastação social revelada em sua face mais perversa que são as “cracolândias”, principalmente nas grandes cidades.
Apesar de serem vistas como ações importantes inibir o comércio da droga ilícita, essas apreensões são vistas por outros especialistas como insuficientes para enfrentar o problema, constituindo-se num constante “enxugar de gelo”, porque grandes volumes desses entorpecentes acabam circulando, em quantidades muito maiores do que as apreendidas. A solução, segundo estes, é trabalhar na restauração das pessoas que recorrem a esses artifícios para sentirem-se potentes.
Numa entrevista publicada em 2017 pela Agência Fiocruz de Notícias (AFN), o então coordenador-executivo do Programa Institucional Álcool, Crack e Outras Drogas da Fundação Oswaldo Cruz, Francisco Netto, apresentou um panorama geral da questão da redução de danos no Brasil e na América Latina. Ele analisou também a situação que tem se desenrolado na Cracolândia, em São Paulo. De acordo com Netto, não há solução mágica para o uso problemático de drogas: a saída é a garantia de direitos, o acesso ao cuidado e a inserção social.
E uma de suas falas revelou um lado pouco abordado da questão: o uso de álcool, que é uma droga lícita. Segundo ele, em todos os países o uso de álcool é a maior questão.
“A situação do uso de cocaína é importante, particularmente o uso de cocaína fumável por pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, que no Brasil é majoritariamente o crack. Há diferenças entre os países, mas todos lidam de alguma forma com esta questão. A verdade é que nem eles nem nenhum estado ou cidade brasileira vive uma situação parecida com o que acontece em São Paulo, onde existe uma concentração grande em um único território, a área central cidade, no bairro da Luz. Há uma maior dispersão das cenas de uso, em diferentes graus”, disse Francisco.
O especialista continuou: “O problema de uso de drogas é complexo e a solução nunca pode ser dada de forma simples. Não existe uma solução mágica para o problema. Nenhum país conseguiu ter uma solução simples. O caminho que a gente acredita e defende no Programa Institucional Álcool, Crack e Outras Drogas e que compartilhamos com outros profissionais de outros países é a lógica do cuidado e da inserção social. Pensamos o cuidado entendendo que algumas das pessoas não vão conseguir parar de usar drogas e vão necessitar de cuidados e estratégias de inserção e proteção, porque o uso de substâncias psicoativas pode implicar em riscos e danos àquela pessoa”.
Independente disso, a questão das drogas ilícitas, especialmente a cocaína, está ligada também à segurança pública, sustentando grandes organizações criminosas, como o PCC, ramificadas como um polvo por todas as áreas da sociedade, mas submetendo, especialmente, as populações em situação de vulnerabilidade à tirania e ao poder paralelo dos traficantes, enquanto o Estado não consegue ser suficiente para assegurar a cidadania a essas pessoas.
Numa recente palestra de um especialista em segurança pública, uma professora de uma Universidade do Sul do País o interrompeu para dizer que “o Estado não entra nas favelas do Rio de Janeiro ou na periferia de São Paulo”. (Matéria atualizada às 16h30 deste dia 08 de dezembro de 2021)
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