
*José Caldas da Costa
A geração com menos de 30 anos talvez não saiba disso, mas quem já está na casa dos “enta” pelo menos ouviu, ainda que por folclore, seus pais comentarem sobre a onda terrível que varreu o Espírito Santo em 1994 tendo como símbolo a “vara de gurugumba”, com que um aventureiro chamado Dejair Camata, cabo da PM que se ufanava de ter “queimado bandidos em florestas de eucalipto no Norte do Estado”, ganhava votos e mais votos e “ameaçava” tornar-se governador do Estado.
Camata, o cabo, surfava também no sobrenome famoso e havia conseguido se eleger deputado estadual em 1989 capilarizado em todos os municípios, graças aos tentáculos estendidos onde houvesse uma unidade policial militar. Com o país nos primeiros anos pós-regime autoritário, muitos policiais ainda carregavam a cultura violenta dos tempos da tortura e da violência contra os opositores, exatamente como defende o atual inquilino do Palácio do Planalto.
Parece que foi ontem. Portanto, essa história parece povoar o imaginário de uma certa parcela de nossa população. E, para que o aventureiro não se apoderasse do Palácio Anchieta, foi necessária a mobilização da sociedade civil. E foi assim que Vitor Buaiz, primeiro governador da história do PT a ser eleito no Brasil, chegou à chefia do Executivo capixaba.
Quem se ativer somente aos números das eleições pode se enganar e achar que foi fácil, mas não foi. Vitor teve mais de 200 mil votos de vantagem no primeiro turno e deixou de vencer por pouco mais de 3%.

No segundo turno, porém, diante de uma sociedade que parecia apática, os “gurugumbuzeiros” se mobilizaram e a distância entre Vitor e Cabo Camata encurtou assustadoramente. Vitor, tendo como vice-governador o então jovem deputado Renato Casagrande (PSB), somente ganhou por causa da ampla mobilização da sociedade civil organizada, que despertou de sua letargia e enxergou o braço da corrupção violenta se esticando em direção ao Palácio Anchieta. Mesmo assim, o candidato da gurugumba teve mais de meio milhão de votos, num tempo em que o eleitorado capixaba era pouco mais que a metade do atual.
É preciso entender que esse estado de coisas ocorreu após dois governadores do MDB – partido que liderou a oposição ao regime militar e liderou o movimento pela redemocratização do País – passarem pelo Anchieta (Gerson Camata de 1983 a 86 e Max Mauro de 87 a 1990) e o Estado ter escolhido o primeiro negro da história para governá-lo (Albuino Azeredo, do PDT, de 1991-94), não sem uma sórdida campanha que misturou preconceito racial e discriminação social. E, para piorar, o governo de Albuino terminou muito mal, com greve na área de segurança e cadáveres se acumulando no IML.
Vitor precisou livrar-se da ala radical do PT para conseguir governar. Para se ter uma ideia, contornou uma crise com o Legislativo tendo como líder de seu governo o atual prefeito de Barra de São Francisco, Enivaldo dos Anjos, oriundo das hostes do PFL, mas a essa altura filiado ao PDT.
Dois anos depois, em 1996, em meio a impugnações derrubadas na última hora, Cabo Camata acabou eleito prefeito de Cariacica com a promessa de “dar uma coça de gurugumba em quem roubar”. Em seu tempo, a prefeitura tinha policiais espalhados por todo canto. Sua administração foi marcada por desvios na área da saúde. Cabo Camata morreu num misterioso acidente automobilístico em 26 de março de 2000, na BR 101 Norte, em Barra Seca, a caminho de São Mateus, no último ano de seu mandato.
Nove pessoas ligadas ao Cabo Camata foram, posteriormente, condenadas pela Justiça (decisão confirmada pela Primeira Câmara Civel do Tribunal de Justiça do Espírito Santo em sessão ordinária no dia 18 de março de 2014) em ação de improbidade por permitirem que bens fossem adquiridos, em áreas urbanas e rurais, bem como que suas contas bancárias fossem utilizadas pelo ex-prefeito e ex-quase governador do Estado, para comprar esses bens com verbas desviadas do erário. Na sentença, foram condenados a devolver quase R$ 9 milhões aos cofres públicos, além da perda dos bens registrados em seus nomes.
De acordo com publicação do site do TJES, os recursos utilizados para a aquisição dos bens pelo então prefeito Dejair Camata teriam sido provenientes de diversas condutas irregulares, como concessão de ajudas financeiras e doações, desvio de verbas públicas, aquisição de serviço superfaturado, contratação de pessoal com desrespeito ao princípio da impessoalidade, irregularidades em processos licitatórios, doações irregulares e promoção pessoal. Segundo o Ministério Público, os bens foram registrados em nome de terceiros, objetivando o agente público que sobre a sua pessoa não se levantasse qualquer suspeita.
Isso ficou adstrito a Cariacica porque a sociedade civil reagiu para não permitir o assalto aos cofres estaduais antes. O Espírito Santo tem um passado de violência organizada que não pode correr o risco de reviver. Violência representada pelo Esquadrão da Morte, no primeiro decênio da ditadura militar, e depois se alojou na sinistra Scuderie Le Cocq, fundada no Rio de Janeiro e que, em terras capixabas, encontrou solo fértil. Por aqui, matou jornalistas, radialistas, políticos e até um magistrado.
Talvez seja o caso de haver uma mesma mobilização nesse momento. Uma resistência como a de 1994. A caminhada para a frente é árdua e lenta, uma construção da cidadania a cada dia. Mas, para cair no precipício, basta um passo em falso. E sair do buraco é trabalho que, muitas vezes, consome gerações.
Madre Tereza de Calcutá dizia que não se alcança a paz combatendo a guerra, mas promovendo-se a paz. É como diz, hoje, o pastor batista Ed René Kivitz, referindo-se ao processo eleitoral nacional, “não estamos discutindo no Brasil quem é corrupto ou quem não é corrupto, estamos discutindo marcos civilizatórios”. O mesmo pode-se dizer em relação ao Espírito Santo.
Então, que tal a sociedade civil capixaba organizada fazer sua escolha e se mobilizar? Se alguém não sabia o que foi 1994, agora sabe. Só cai na esparrela quem quiser.
*José Caldas da Costa é jornalista há mais de 40 anos e acompanhou o período “da gurugumba” como editor e colunista político do jornal A Tribuna
Comente este post