*João Gualberto Vasconcellos
Conheço há alguns anos o notável pesquisador e professor universitário Pablo Ornelas Rosa.
Ele é um dos grandes estudiosos, no nosso país, do fenômeno do crescimento da extrema direita como forma de pensamento político.
Nesse campo, a amplitude do pensamento conservador está muito presente.
De um espaço praticamente inexistente no Brasil, marchamos para teorias feitas por uma legião de novos formuladores que se expressam, sobretudo, nas redes sociais e têm milhões de seguidores. Esse talvez seja o fenômeno político mais surpreendente dessas primeiras décadas do século XXI.
Pablo dedica-se a estudar aquele que talvez tenha inaugurado de forma mais clara esse campo: Olavo de Carvalho. Ele lê e analisa de forma muito pertinente a força do pensamento do grande mago da direita brasileira. Tem inclusive um bom livro publicado sobre o site Brasil Paralelo e a grande influência de Olavo de Carvalho no universo digital.
São imensas as influências do site Brasil Paralelo, que atua através de uma rede de sites, blogs e página nas várias redes sociais, em todo o campo do pensamento conservador brasileiro.
Na verdade, Olavo de Carvalho, seus cursos e seguidores inventaram a nova direita brasileira. Até seu surgimento o que tínhamos eram políticos tradicionais, em especial presos a um pensamento mais religioso, próximos a um catolicismo tradicional. Esse novo polo de pensamento brasileiro se articulou com o crescente movimento evangélico e criou uma nova narrativa moral.
Os temas não se diferenciam dos católicos mais tradicionais: aborto, fidelidade nos casamentos, cruzada moral contra o casamento gay e outros assuntos que valorizam o papel da família tradicional. De novidade há apenas a intensidade do discurso.
Aprendi com Pablo, e com a leitura de seus livros e artigos, que muito do que se lê nas redes sociais da direita tem como origem o pensamento de Olavo de Carvalho, em especial através das postagens de seus discípulos e alunos como Eduardo Bolsonaro. Esse mecanismo multiplicador o transformou no maior guru da direita brasileira.
Creio mesmo que a articulação feita pela família Bolsonaro entre evangélicos e a nova direita apoiou-se quase totalmente sobre a base conceitual criada por Olavo de Carvalho.
O professor Pablo é um sociólogo nascido em Porto Alegre e realizou seu doutorado na PUC de São Paulo. Concluiu mais de uma pesquisa de pós-doutorado, sendo uma delas na UFES, a qual resultou na publicação do livro Fascismo Tropical: uma cibercartografia das novíssimas direitas brasileiras.
Sua produção científica é ampla, diversificada e de alto nível, sendo em sua maioria dedicada ao novo fenômeno político brasileiro do início do século XXI. Seguramente, Pablo é uma das maiores autoridades brasileiras na sociologia política da nova direita.
Ele agora iniciou um novo doutorado na UFES na área da psicologia social, tendo como campo de pesquisa questões envolvendo as relações de gênero e sexualidade, assim como tentativas de reconstrução de certa masculinidade tradicional supostamente perdida, segundo o ideal dos jovens conservadores que se reconhecem como red pill, em flagrante crise com o advento da modernidade.
O novo trabalho está dentro de sua agenda de pesquisas mais ampla intitulada “Tecnopolíticas e governabilidades à direita: uma cartografia dos discursos conservadores nas plataformas digitais”.
Tudo isso me parece assustador: é o crescimento expressivo da chamada “machosfera”, que dissemina conteúdos misóginos nas redes sociais.
Publicam vídeos com narrativas masculinas que disseminam teorias conspiratórias prejudiciais à igualdade de gênero e que incentivam comportamentos nocivos contra as mulheres, ainda que disfarçados de estratégias de valorização dos homens. É misoginia brava, é uma cruzada para desmoralizar o universo feminino.
É nesse caldo de cultura machista que acontecem histórias como as presentes na série Adolescência, sobre a qual escrevi há algumas semanas.
Enfim, estudiosos como Pablo Rosa nos mostram a extensão dos perigos de redes sociais sem controle por parte do estado e da sociedade.
Há hoje um esforço enorme para anular as conquistas de homens e mulheres que vêm acontecendo há décadas. A busca repugnante pelo retorno do machismo certamente vai afetar toda a geração que está agora sendo apresentada a essa barbárie contra mulheres e gays.
Provavelmente, teremos uma futura geração ainda mais machista e reacionária. A sociedade brasileira precisa se organizar para fazer frente aos novos tempos, que podem ser sombrios, e o quanto antes colocar rédeas no discurso machista que corre solto nas redes.
É preciso ler Pablo Rosa para perceber, como ele próprio, que esse “é um assunto assustador pela capilarização que passou a abarcar, principalmente em relação aos jovens e adolescentes”.
*João Gualberto Vasconcellos é cientista político, sociólogo, professor emérito da Ufes
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