
João Gualberto Vasconcellos*
A classe média escolarizada, as elites e a grande maioria dos intelectuais veem o crescimento do número de igrejas evangélicas nas periferias brasileiras como um grande fenômeno de manipulação das massas por pastores midiáticos e desonestos. Os fieis seriam, nesse olhar, um grupo de fanáticos que se deixam manipular e são explorados. Apenas explorados.
O antropólogo Juliano Spyer em livro intitulado “O Povo de Deus: quem são os evangélicos e por que eles importam”, nos ajuda a compreender um pouco melhor esse universo denso. O autor apresenta aos leitores o fato que vem sendo estudado por sociólogos e antropólogos que estudam religião: entrar para a igreja evangélica melhora as condições de vida dos brasileiros mais pobres, daí o sucesso dessas igrejas. E mais, faz parte dos argumentos centrais de Juliano que o preconceito que muitos brasileiros escolarizados expressam contra o cristianismo evangélico reflete o preconceito contra pobres que não se vitimam e buscam sua inclusão social via educação e consumo.
Ele usa nesse contexto o termo evangélico para se referir – como fazem todos os brasileiros dos setores médios – ao protestante pobre. Aquele que é chamado de apenas de protestante pertence geralmente as camadas médias e alta e rejeita a classificação de crente ou mesmo evangélico. Ele se identifica como cristão. Eles pertencem as igrejas Luterana, Batista, Presbiteriana, Metodista, Episcopal e algumas outras.
Mas a obra trata de um outro grupo, que ganhou grandes dimensões recentemente: os neopentecostais. Eles serão maioria do Brasil já na próxima década. A igreja Universal do Reino de Deus é um bom exemplo. Ela funde a ideia do culto exuberante, emocional e interativo e tem uma lógica de busca do sucesso material. Professam a teologia da prosperidade. O neopentecostal de uma forma geral é levado a atuar de maneira empreendedora para enfrentar as adversidades da vida. Talvez seja esse o principal fator de seu sucesso.
A maior das igrejas evangélicas pentecostais é a Assembleia de Deus, que segundo os dados censitários apresentados tem mais de 12 milhões de seguidores, logo depois vem as várias igrejas com múltiplas denominações que somam mais de 9 milhões e as menores igrejas somadas são mais de 5 milhões. Só aí estamos falando de mais de 30 milhões de brasileiros. Fenômeno social da maior importância, até porque eles criaram espaços exclusivos de convivência nos bairros pobres. Esses espaços de solidariedade é tudo que muitos têm, onde a única presença do estado é polícia, muitas vezes assustadora.
É um livro instigante. Mostra com toda a clareza que os intelectuais não podem desconhecer a importância e profundidade de um fenômeno que vai mudando a cara do Brasil. Tanto é assim que é base de sustentação do ultraconservador Jair Bolsonaro.
A força política dos evangélicos, com suas bancadas nos diversos níveis do parlamento brasileiro, e suas demandas de valores morais conservadores não se esgotará nesse governo já perto do fim.
Pelo contrário, o livro tem a grande importância de nos convidar a compreender estas redes com um olhar muito mais profundo e atento. Distante de preconceitos e mais próximo à complexa teia que se tece em torno da religião na sociedade brasileira.
Penso que é desta forma que aqueles que se dedicam a observar e compreender o cenário político e eleitoral no Brasil podem compreender como o “Povo de Deus” foi e talvez ainda seja foram um dos pilares de sustentação da eleição de Bolsonaro, sem dúvida. Mas muito além de um personagem, veio para ficar por muito tempo na cena política.
* João Gualberto Vasconcellos é cientista político, economista, jornalista
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