José Caldas da Costa*
É bom para a democracia que as pessoas se manifestem de forma civilizada, mesmo que não se concorde com elas. Assim deve ser visto o ato que o ex-presidente Jair Bolsonaro, inelegível até 2030, teve a seu favor na Avenida Paulista no último domingo. Não importa se foram 35 mil pessoas, como disse a Polícia Militar; se foram 100 mil, como disse o G1; ou se foram 185 mil como aferiu a USP com sua metodologia científica.
Não foram 750 mil como se empolgaram os apoiadores do ex-presidente, afinal ocuparam quatro a cinco quarteirões e a Paulista tem 18, mas isso não tem a menor importância. A importância está no simbolismo do ato. Somente ingênuos acham que Bolsonaro não tem seu prestígio. Até porque ele aguçou o espírito adormecido de uma parcela da população brasileira, maioria dentro de igrejas chamadas evangélicas, mas também num bom segmento da Igreja Católica.
O que pouca gente (ou quase ninguém) percebe é o ovo (da serpente? depende do ponto de vista do intérprete da cena) que está sendo chocado nessas manifestações. E para isso fui chamado à atenção pelo sociólogo Josué King Ferreira, com quem converso quase todas as manhãs, nas primeiras horas do dia, quando geralmente nos encontramos à mesa do meu “boteco”. Falamos de tudo, como se diz, um “papo muito cabeça”.
E o que os olhos do sociólogo viram e que a maioria não consegue perceber – e que abriram os meus? Quem foi que convocou e organizou aquela manifestação na Paulista? E quem foi que mais apareceu nela? Quem está atento aos detalhes já sabe que estou falando do pastor Silas Malafaia, personagem que melhor encarna o discurso do bolsonarismo radical.
Se o governador Tarcísio de Freitas aparece como um nome mais moderado, que se projeta mais pelo lado técnico e político, demonstrando saber diferenciar sua gratidão a Bolsonaro de sua missão como chefe do Executivo, Malafaia é o líder populista. Fala a linguagem das massas e domina como poucos a arte da comunicação, utilizando técnicas de manipulação em seus discursos que hipnotizam o público. Não se esqueçam: além de pastor neopentecostal, ele é psicólogo.
Portanto, não se surpreendam. Falam em Michelle, mas ela nem de longe chega perto da competência de Malafaia para agradar aos fanáticos seguidores do ex-presidente.
Falemos de anistia
A questão do 8 de janeiro é um problema para a Justiça julgar. Agora, esse assunto de anistia por atos dessa natureza tem antecedentes históricos que trazem lições. Juscelino Kubitscheck que o diga. Anistiou os envolvidos no movimento golpista de Jacareacanga, em 1955, contra sua posse, depois de legitimamente eleito, e em 1959 eles estavam de volta.
*José Caldas da Costa é jornalista há cinco décadas, geógrafo, autor de “Caparaó – a primeira guerrilha contra ditadura” – Prêmio Vladimir Herzog 2007 e diretor-geral do Tribuna Norte Leste
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