“Embora só uns poucos possam criar uma política, todos nós somos capazes de julgar” (Péricles de Atenas).
Paulatinamente, o mundo que construímos e conhecemos está acabando. Estamos entrando em um mundo desconhecido ou um mundo cuja memória fugaz e deletéria não se conecta com a história, seus fatos e acontecimentos.
Fazendo um recorte político, o mundo que se avizinha é a síntese de todas as potencialidades humanas, a simbiose dos valores que floresceram a partir do término da segunda guerra, do surgimento dos Estados Democráticos de Direito e da afirmação da ciência e da razão com padrões morais resilientes, sistemas e formas de governo atrelados à força e à tirania e o meio passional, religioso e pulsional de conduzir os assuntos de Estado.
As tensões estão espalhadas pelos quatro cantos do mundo, é possível vê-las a olhos vistos.
Na Europa, temos o aumento no investimento em armamentos de guerra e o retorno do partido de ideologia nazista na Alemanha.
Na Euroasia, a Rússia submete a Ucrânia a uma guerra por expansão territorial.
No Oriente Médio, Israel assume um protagonismo beligerante contestado interna e externamente. No continente americano, paradoxalmente, a democracia é o veículo por onde passam as forças cuja meta é acabar com a democracia.
O Brasil, não obstante as conquistas do movimento das “diretas já”, a edição da Constituição Federal de 1988, a estabilidade econômica, as políticas públicas para redução das desigualdades sociais, vive uma convulsão político-ideológica.
O golpe de 1964 deixou de ser a usurpação do poder pela força e passou a ser um “movimento”; os cidadãos passaram a ocupar as portas do Exército do Brasil para pedir “intervenção das Forças Armadas”, no lugar de eleições livres e diretas; a defesa dos direitos das minorias, dos diretos humanos e da justiça social voltou a ser taxada de ideologia comunista.
Mas, nos últimos dias, com a “carta” do Presidente dos Estados Unidos da América ao Governo Brasileiro, fomos lançados no moinho do tempo, um tempo que parte dos cidadãos do Brasil não viveram ou não leram. Portanto, um tempo desconhecido.
Houve um tempo em que os Estados Unidos da América se esforçaram para derrubar os governos democraticamente eleitos pelos povos ameríndios, tratando os Países da América Central e da América do Sul como extensão do “quintal” da América do Norte.
Embora os Estados Unidos da América não tenham consolidado a mudança de regime em grande parte dos países da América Latina, o Governo de Washington conseguiu derrubar governos democraticamente eleitos, submeter os países à dependência econômica e impor agendas liberais. Resumidamente, a ação do “Tio Sam” retardou a independência política, econômica e cultural dos países da América Latina.
A “carta” do Governo dos Estados Unidos da América ao Governo Brasileiro não é um “dejá vu”; antes, é a tentativa sórdida de um governante (não da população) de subjugar o Brasil e suas instituições como outrora se intentou.
As ações do Governo dos Estados Unidos da América, em desfavor do Brasil e de outros países, objetivam reeditar a história, ruir as bases institucionais que alicerçam as relações entre os países e desacreditar a ciência.
O roteiro do novo filme de Hollywood inclui, subliminarmente, o direito de ameaçar e subjugar Estados soberanos, o direito de expandir o território, ocupando espaços geográficos pertencentes a outros Estados ou povos, a possibilidade de exterminar grupos étnicos e religiosos, a ascensão de chefes de Estados que subvertem a democracia, o aparelhamento do sistema educacional à ideologicamente do governo.
É só observar como o atual mandatário do “berço da democracia liberal ocidental” assumiu falando em anexar o Canadá, país independente, e a Groenlândia, território autônomo cuidado pela Dinamarca.
De regra, os acontecimentos históricos serviram como fonte de produção de conhecimento e evolução da sociedade. A história tornou-se um centro de geração de valor e um guia para evitar os erros, aprimorar a democracia, constituir Estados soberanos, criar as instituições internacionais fortes.
Todavia, o eixo de geração de valor de nosso tempo mudou para a comunicação. A comunicação tornou-se o centro do poder e o centro do capitalismo, por meio dos conglomerados monopolistas internacionais que comandam as redes sociais, as big techs do Vale do Silício.
Trata-se de um sistema de comunicação meticulosamente pensado para desinformar pelo excesso informações, imagens e áudios que bloqueiam o acesso ao verdadeiro conhecimento. Como informação é poder, as forças políticas conquistam o poder pela desinformação.
A desinformação provem de uma super indústria, com uma linha de montagem estruturada e complexa, capaz de produzir textos, áudios, fotos e demais conteúdos para inverter fatos e acontecimento, para contestar a ciência ou simplesmente para desorientar o processo decisórios coletivo.
É a partir desta indústria que líderes mundiais, a exemplo do Presidente dos Estados Unidos da América, ascendem ao poder pelas vias democráticas. Ao chegarem ao poder, passam a questionar a democracia e a ciência, relacionam desinformação e fanatismo e, no campo das relações externas, passam a questionar as instituições internacionais, a desrespeitar os tratados e acordos internacionais e a interferir em assuntos de outros Estados soberanos.
Pode-se afirmar que, aparentemente, voltamos o ponteiro do relógio para um mundo visto, mas não assimilado; em um tempo de redes sociais desregulamentadas, de uma comunicação fast food e da ausência de um recorte ético nas relações institucionais.
E muito desse jogo é ditado pelos algoritmos. A grande pergunta que não quer calar, e é feita em todo o tempo por Yuval Noah Harari (“Nexus – uma breve história das redes de informação, da Idade da Pedra à Inteligência Artificial), é: Estarão algum dia os algoritmos fora do controle humano?
DA REDAÇÃO, com colaboradores
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