*José Caldas da Costa
Conta a história que, numa determinada região norte-americana, um fazendeiro foi homenageado como um dos maiores produtores de milho do País. Seus vizinhos também haviam prosperado muito no mesmo período.
Quando perguntado sobre seu segredo, ele respondeu: “Seleciono as melhores sementes e distribuo com meus vizinhos”. O entrevistador questionou a razão disso. “O milho para produzir precisa ser polinizado. Se meus vizinhos tiverem plantas ruins, essa será a polinização de minhas plantas. Como distribuo boas sementes, as plantas deles também são boas e tenho garantida uma polinização de excelente qualidade”.

O que os Sanders e Orletti estão fazendo no Exremo Norte do Espírito Santo é algo parecido. Em 2021, os irmãos Arthur e Lucas resolveram diversificar os negócios da fazenda criada pelo pai e onde nasceram nos anos 80, e introduziram no município de Pinheiros, a 288km de Vitória, duas culturas pioneiras: a soja e o trigo.
Os dois irmãos não se preocuparam em guardar ssegredo. Muito pelo contrário. Amigos de Vitor Alves, filho de Nilson Alves, tradicional fazendeiro de gado de Montanha, município vizinho, compartilharam com eles a experiência e, agora, as duas famílias estão produzindo tanto soja e trigo quanto milho.
A mentalidade próspera se espalha na região. Os primos Thiago e Érico Orletti são grandes produtores de café conilon, pimenta do reino e mamão nos tabuleiros de Pinheiros, município que tem se destacado na agricultura nas últimas décadas.

Thiago, como presidente, e Érico, como vice, lideram a Associação dos Irrigantes do Espírito Santo (Assipes), entidade criada quando todos eles eram ainda criança e observavam o trabalho dos pais.
Hoje, a entidade tem 40 associados, a maioria do Norte do Estado. As principais culturas irrigadas no Estado são conilon, mamão, pimenta do reino e, agora, voltando com mais força os grãos (milho, feijão, trigo e soja). O Espírito Santo é reconhecido como referência nacional em café irrigado. Reduziu a área plantada e dobrou a produção
A Associação será protagonista na implantação do Polo de Agricultura Irrigada da área da Sudene no Espírito Santo, pelo Ministério do Desenvolvimento Regional em acordo de cooperação técnica com o Governo do Estado, projeto idealizado pelo deputado Mazinho dos Anjos (PSDB), por meio da Frente Parlamentar do Desenvolvimento Econômico e Social do Noroeste e Extremo Norte do Estado.
Nessa entrevista, Thiago e Érico Orletti falam mais sobre o agronegócio na região e os seus principais desafios.
TNL – Quantos hectares irrigados temos no Norte do Estado?
Thiago e Érico – O Espírito Santo possui uma área irrigada total de 260.613 hectares, dos quais 207.202 hectares estão no Norte do Estado e dentro da área de benefício da Sudene, representando quase 80% da irrigação estadual.
– Qual o principal desafio para quem precisa irrigar suas plantações?
– O desafio primordial para os agricultores na irrigação é assegurar um fornecimento constante de água às plantações. Isso é vital para o crescimento saudável das culturas e para obter bons rendimentos. Entre os desafios enfrentados estão a escassez de água, exigindo investimentos em barragens, e o alto custo dos equipamentos de irrigação, que pode ser um obstáculo financeiro. Além disso, a ausência de incentivos fiscais e locais impacta a adoção de práticas eficientes de irrigação.
– A associação desenvolve algum trabalho para evitar a degradação ou até mesmo melhorar o fluxo dos mananciais?
– Sim, a Associação tem desenvolvido diversos trabalhos voltados para evitar a degradação e melhorar o fluxo dos mananciais. Através de iniciativas como programas de reflorestamento de nascentes e áreas de APP (Áreas de Preservação Permanente), a Associação tem contribuído para a preservação e recuperação desses recursos hídricos fundamentais.
Além disso, a Assipes tem desempenhado um papel crucial na promoção da agricultura regenerativa. Através de práticas como o processo de compostagem com palhas de café, a associação incentiva métodos que visam melhorar a qualidade do solo e reduzir a erosão, contribuindo indiretamente para a saúde dos mananciais.
– A água, embora para alguns não pareça, é um recurso escasso. Como lidar com isso?
– No contexto da irrigação, a Associação tem se empenhado em promover o uso responsável da água. Isso é alcançado por meio de cursos de capacitação oferecidos aos irrigantes, que os instruem sobre boas práticas de irrigação. Essas iniciativas visam otimizar a utilização da água, minimizar o desperdício e garantir que os mananciais sejam preservados para as gerações futuras.
Em resumo, a Associação tem se envolvido ativamente na preservação e melhoria dos mananciais por meio de programas de reflorestamento, incentivo à agricultura regenerativa e promoção de boas práticas na irrigação. Suas ações demonstram um comprometimento significativo com a sustentabilidade ambiental e a gestão responsável dos recursos hídricos.
– O Nordeste está sendo irrigado com o desvio de água do São Francisco. Já se pensou em algo parecido em relação ao rio Doce ou mesmo ao Cricaré/São Mateus?
– Embora o Nordeste esteja utilizando o desvio de água do Rio São Francisco para irrigação, é essencial considerar alternativas mais sustentáveis para regiões como o Rio Doce, Cricaré e São Mateus. Em vez de adotar grandes projetos de desvio de água, uma abordagem mais eficiente, econômica e rápida de ser implementada seria o investimento em pequenas e médias barragens em córregos locais.
Essas barragens oferecem diversas vantagens. Em primeiro lugar, elas permitem um controle mais preciso do fluxo de água, o que resulta em uma irrigação mais eficiente e equitativa. Além disso, o impacto ambiental associado a projetos menores é consideravelmente menor em comparação com desvios de rios maiores, o que preserva os ecossistemas locais.
Financeiramente, a construção de pequenas barragens é mais acessível, tornando viável a participação de comunidades locais e agricultores. Esses projetos também têm a capacidade de gerar empregos e estimular a economia regional, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.
Outra vantagem importante é a rapidez de implementação. Ao contrário de grandes projetos de desvio, que podem levar anos para serem planejados e executados, as pequenas e médias barragens podem ser construídas em um prazo relativamente curto, possibilitando benefícios imediatos para a comunidade agrícola local.
Portanto, ao considerar a irrigação em regiões como o Rio Doce, Cricaré e São Mateus, é prudente explorar opções de barragens em córregos como alternativa mais eficiente, de menor custo e mais ágil em comparação com desvios de água de grande escala. Isso pode ajudar a alcançar a segurança hídrica necessária para o desenvolvimento agrícola sustentável nessas áreas.
– Suspeito que a energia seja um fator crítico no custo da produção irrigada. Fale-me sobre isso.
– Certamente, a energia é um fator crítico nos custos da produção irrigada. Um exemplo claro é o bombeamento de água. Em muitas regiões, a água precisa ser elevada de fontes mais baixas para as áreas de cultivo, exigindo bombas que consomem energia. Se essa energia for proveniente de fontes caras ou não renováveis, como combustíveis fósseis, os custos podem aumentar consideravelmente.
Outro exemplo é o uso de sistemas de irrigação mais avançados, como os sistemas de gotejamento e pivôs centrais. Embora esses sistemas possam ser mais eficientes na aplicação da água, eles muitas vezes requerem energia para operar as bombas, motores e válvulas necessárias para controlar a irrigação
A energia é um fator crítico nos custos da produção irrigada. Um exemplo é a fertirrigação, que requer operação diurna, fora dos horários de desconto noturnos de energia. Isso resulta em custos elevados. Seria vantajoso se o governo ampliasse os horários de tarifas reduzidas para beneficiar agricultores. Alternativamente, o uso de energia solar pode ser uma solução sustentável. O governo desempenha um papel vital em ajustar os benefícios tarifários para promover a eficiência da produção irrigada.
– A associação pensa ou tem algum projeto de geração próprio de energia, fotovoltaica por exemplo?
– No momento não.
– Agora, vou transcender os interesses capixabas. O Sul da Bahia tem topografia e solo de características muito similares às do Norte do ES. Você não acha que as lideranças dos dois Estados deveriam trabalhar de forma conjunta em busca de soluções e alternativas? Até porque boa parte dos produtores do Sul da Bahia é capixaba…
– Certamente, a colaboração entre os estados do Espírito Santo e da Bahia, especialmente nas regiões do Norte do ES e Sul da Bahia, poderia trazer benefícios significativos para ambas as regiões. A semelhança na topografia e nas características do solo cria uma base comum para enfrentar desafios agrícolas e explorar oportunidades de desenvolvimento conjunto.
A troca de conhecimento, tecnologias e melhores práticas entre essas regiões poderia levar a soluções mais eficazes e inovações agrícolas, beneficiando os produtores de ambos os lados. Além disso, o fato de boa parte dos produtores do Sul da Bahia serem capixabas demonstra uma conexão já existente entre as áreas, que pode ser fortalecida através de colaborações mais formais.
Entretanto, como mencionado, é importante reconhecer que cada estado tem suas próprias necessidades e desafios internos a serem abordados. A busca por eficiência interna é fundamental para garantir que as soluções adotadas sejam eficazes e sustentáveis.
Portanto, enquanto a cooperação inter-regional pode trazer vantagens substanciais, é sensato equilibrar essa colaboração com um foco contínuo na melhoria interna e na eficiência de cada estado. O trabalho conjunto deve ser uma extensão de esforços internos para maximizar os benefícios para os produtores e a agricultura como um todo.
(*José Caldas da Costa é jornalista, geógrafo e diretor do tribunanorteleste.com.br)

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