*José Caldas da Costa
Depois de viver num ambiente de culto aos generais, deixei minha cidade, Alegre, no Sul do Espírito Santo, para ingressar na redação de A Tribuna, em Vitória, uma semana antes de completar 19 anos.
Foi ali que meus olhos se abriram para algo que eu não sabia – ou antes, cujo conhecimento me negaram. A história política brasileira tem um hiato de uma geração, a minha. É como um elo perdido.
Comecei, então, a ler, desesperadamente, tudo o que escreviam os brasileiros que, a partir do final de 1979, retornavam do exílio – no Exterior ou na clandestinidade dentro do próprio Brasíl.
Acabei por, eu mesmo, escrever um livro (que ganhou o Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos) sobre o período. Escrevi sem outra pretensão a não ser dar uma resposta à minha criança interior sobre a visão de tropas atravessando minha cidade em 1967.
“Caparaó – a primeira guerrilha contra a ditadura” me colocou do lado de dentro da história do período de regime militar. Talvez o êxito do que escrevi deva-se ao fato de ser uma obra, extremamente, humana – como a de Marcelo Rubens Paiva que inspirou Walter Salles a fazer o filme “Ainda Estou Aqui”, indicado ao Oscar 2025 em três categorias.
Fui ver o filme junto com minha Euzi, fiel companheira ao longo de dois terços de minha vida, numa sala do Shopping Praia da Costa. Ela, que vive até uma certa ingenuidade política, ficou muito tocada com a história da família do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado nos porões da ditadura.
Chorei como nunca havia chorado numa exibição de cinema. Mergulhei na história vivida no regime que acabei como seu pesquisador. Na saída, ainda emocionado, encontrei um irmão da mesma igreja que participo e não consegui fazer muitos comentários. Só chorava.
Era criança na época e vivia longe das grandes cidades, mas sei do medo que nos impunham, nas escolas, nas ruas, campos, construções. Eu também estou aqui.
*José Caldas da Costa é jornalista, geógrafo, editor sênior da Tribuna Norte-Leste
CAPA: Fila na porta do cinema para ver o filme “Ainda Estou Aqui”. Compartilhada por Álvaro José Silva.
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