*Erly Euzébio dos Anjos
Duas questões de importância primordial estão em pauta. Uma é o que fazer agora que as tragédias climáticas não tê reverso. A outra, no mesmo plano de urgência, é a chegada da inteligência artificial, principalmente, na área da educação.
O fato de se instituir um aplicativo com base em logaritmos para monitorar a preparação de aulas e realizar trabalhos escolares, já em vigor nas escolas do ensino médio em São Paulo, alienando alunos e professores na criação de ideias e o raciocínio próprio, vejo como um retrocesso monumental. Isso, quando associado aos desinvestimentos na área e militarização de escolas públicas, piora o quadro e merece atenção.
Por ora, volto a crise climática, entendendo que ambas questões se relacionam com o modo como vemos o mundo, a um paradigma que está se esgotando e precisa ser repensado com urgência. Refiro-me a mudança no “paradigma de ciência” que muito nos fez chegar até aqui, mas que se encontra em crise e passa por uma transição.
Certamente um assunto espinhoso para um mero artigo, mas que me sinto instigado a dar uns pitacos, chamar a atenção de leitores e elevar o debate. Os assombrosos impactos ambientais, sociais e humanos das enchentes no estado do Rio Grande do Sul devem servir como alerta para outros estados e nos dá pouco tempo para tergiversar sobre a problemática.
Chamei atenção (em artigo anterior) sobre a mera distinção entre a previsão e a prevenção, apesar da pertinência de ambos na crise climática nos ajuda no agir.
Criar mecanismos estratégicos para alertar a população para as enchentes nunca antes experimentadas e poupar vidas!
Elaborar planos e ações de prevenção para minimizar danos e redirecionar acontecimentos naturais e dos quais não nos resta mais como evitar são para ontem, a não ser que se altere drasticamente o modo como percebemos e vivemos a realidade como tal.
Fala-se muito da mudança de paradigma na ciência como promessa de bem-estar e no combate ao negativismo e as teorias conspiratórias em voga. Um tema que não pertence só à academia, mas que reverbera em todas as instâncias da sociedade.
A eminência das catástrofes climáticas é uma oportunidade para se conhecer mais a amplitude deste conceito face aos desafios e urgências de respostas sustentáveis. Em geral, quando se fala de paradigma refere-se a um modelo, uma referência, diretriz, a um parâmetro, rumo ou mesmo um conjunto de ideias concatenadas. É também uma percepção de algo como um objeto determinado, critérios de verdades, de validação, “visão de mundo”, da área científica que sugere uma teoria ou um conjunto de teorias e de práticas científicas reinantes.
Pretendo aqui, simplesmente, dizer que um paradigma é uma visão dominante da realidade atrelada a uma estrutura teórica apriorística, aceita e que estabelece uma forma coerente de se compreender e interpretar intelectualmente o mundo, segundo alguns princípios e premissas. Dizer, ainda, que um paradigma em voga engloba o pensamento reinante, os valores da cultura ocidental (do Iluminismo e da Revolução Industrial) e a crença de que o método cientifico é a única abordagem válida do conhecimento.
Há um debate em curso, muito apropriado, que nos diz que este paradigma moderno está em crise e em transição para um “novo paradigma da ciência”. Sou da opinião, de que o sociólogo português Boaventura de Souza Santos é quem didaticamente melhor se expressa sobre o tema.
Segundo Boaventura, e em consenso com muitos, o mundo em que vivemos não é mais o mesmo. Isto é, a realidade não se pode mais ser concebida ou analisada com as mesmas referências conceituais e teóricas de um recente passado. Onde se buscava uma ordem e estabilidade, se encontra o caos.
Analiticamente, as partes não são mais dissociadas de um todo social e natural. A relação entre o sujeito e o objeto é intrínseca. O senso comum num novo paradigma não é mais ignorado. É, agora, renovado e parte inclusiva do conhecimento da nova ciência, que é contextualizada e relativizada para dar respostas aos novos desafios.
Isto posto, se pergunta o que fazer para mitigar os efeitos catastróficos do clima e de águas que teimam em brotar nos bueiros anunciando que a terra não mais as absorvem, fruto da incapacidade de erros imperdoáveis nas construções desordenadas de cidades e de crenças negativistas calcadas num paradigma ou visão de um mundo que se esgotou.
Quando um vereador diz desconhecer a importância vital de “matas ciliares” na preservação dos rios e achar que justamente o peso destas contribuíram para os seus assoreamentos, vemos a importância de se repensar o modo como concebemos a relação entre natureza e sociedade.
Quem quiser entender a importância da ciência na construção da vida moderna assista “A Última Sessão de Freud” (no Amazon Prime). Em seus últimos dias de vida e numa íntima análise com um professor de Oxford sobre os desígnios ciência e religião, Freud pondera que a escolha entre conviver com o peso das crenças religiosas, com o fatalismo, as questões da moral puritana e trazer para o campo existencial do tratamento analítico foi possibilitado pela ciência moderna. Porém, para abarcar a realidade em transformação e imprevisíveis de hoje é necessário repensar nossas referências.
Um outro documentário – “A Era de Estupidez” (idem), que mostra o mundo em 2055 já destruído pela humanidade que não foi capaz de impedir a catástrofe por ignorância, ganância – nos mostra a incapacidade de se fazer a transição paradigmática. Assistir é como receber um soco no estômago, tamanha são as comprovações que estamos sentados assistindo as tragédias inadvertidamente. (veja fragmento https://www.youtube.com/watch?v=YtFHrUCJR-A&list=PLF8E09D73D52071A7)
É quase impossível concluir que pouco ou quase nada será feito para impedir que outras devastações vão surgir num pequeno período de tempo sem correção de percepção e capacidade de ações resilientes.
*Erly dos Anjos é sociólogo e professor aposentado da Ufes,
Possui graduação em Sociologia em Wilmington College, Ohio, USA (1971), mestrado em Sociologia na University of Florida, Flórida, USA (1974) e doutorado em Sociologia Rural, em Ohio State University, Ohio, USA (1980). Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia da Violência e Meio Ambiente, atuando na violência urbana sociedade contemporânea, diagnósticos e prevenção social e ambiental
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