A deputada Janete Vargas (PSB) deu o tom da gravidade da denúncia feita pela Desportiva Ferroviária de tentativa de fraude cometida contra o clube, pelo empresário Marcelo Villa-Forte, do Grupo Villa-Forte, que tenta leiloar o estádio Engenheiro Araripe, dando-o em garantia de dívidas pessoais e de suas empresas, e outros deputados entraram na briga em defesa do clube grená, já sexagenário.
Janete fez um duro pronunciamento da tribuna da Assembleia Legislativa e denunciou que o liquidante da sociedade anônima é auditor do Estado e não poderia atuar no caso. A Desportiva Ferroviária fez denúncia neste sentido junto à Secretaria de Controle e Transparência do Governo do Estado, onde o servidor é lotado.
A deputada foi aplaudida por algumas dezenas de adeptos da Desportiva que estavam nas galerias e, depois, ocuparam o plenário, e foi seguida e apoiada pelas deputadas Iriny Lopes (PT) e Camila Valadão (PSol), e pelos deputados José Esmeraldo (MDB) e Danilo Bahiense (PL), que presidia a sessão.
Bahiense lembrou que uma escola municipal funciona nas dependências do estádio Engenheiro Araripe e que a Desportiva é patrimônio de Cariacica e do Espírito Santo. Os deputados colocaram seus departamentos jurídicos à disposição do clube e querem que o Governo do Estado “não fique inerte” diante da situação e defenda a Desportiva como “patrimônio capixaba”.
“DESPEJO”
Neste mês de maio, o caso envolvendo a Desportiva Ferroviária e o empresário Marcelo Villa-Forte ganhou contornos mais dramáticos. O juiz Roberto Luiz Ferreira Santos, da 2ª Vara Cível, Órfãos e Sucessões, de Cariacica, deu-se por suspeito e não poderá mais julgar processo da Desportiva Ferroviária e a Villa Forte.
Em documento emitido pelo magistrado na segunda-feira, dia 6, o juiz ele alega ‘questão de íntimo foro, para continuar atuando no presente feito’. O processo é de dissolução da sociedade que o clube de Jardim América firmou, há mais de 10 anos, com o empresário Marcelo Villa Forte.
O assunto ganhou manchetes nos dois principais jornais da capital. Primeiro, em A Gazeta, em reportagem da jornalista Vilmara Fernandes, que revelou ter sido instaurada uma investigação criminal pelo Ministério Público Estadual a partir da denúncia de que a tentativa de leiloar o estádio Engenheiro Araripe estaria envolta em estelionato, declarações falsas em documentos públicos e fraude processual.
E nesta quarta-feira (14) uma reportagem de página inteira no jornal A Tribuna também revela a denúncia da Desportiva Capixaba.
O fato é que o presidente da Desportiva Ferroviária, Carlos Farias Júnior, foi comunicado no último dia 9 de que no dia 13 o estádio seria lacrado para que fosse preparado um novo leilão, pois o bem foi dado por Marcelo Villa-Forte como garantia de dívidas pessoais e de suas empresas com a Fazenda Nacional. Entretanto, não há ordem judicial neste sentido, segundo dirigentes do clube.
O advogado da Desportiva Capixaba, Sávio Corrêa Simões, esteve no local junto com um funcionário do liquidante da sociedade, Vaner Corrêa Simões Júnior, e colocou um adesivo no portão informando de que o imóvel está em liquidação judicial. Detalhe: o advogado Sávio e o liquidante Vaner são irmãos.
A Desportiva acabou de fechar contrato com um grupo e transformou o seu futebol numa SAF (Sociedade Anônima de Futebol), comandada pelo ex-jogador Sávio.
SAIBA MAIS
Nos últimos dias de março de 2023, a Desportiva Ferroviária conseguiu salvar de um leilão no último minuto da prorrogação, , como se diz no jargão futebolístico, o seu ativo mais precioso neste momento, o Estádio Engenheiro Araripe, em Jardim América, Cariacica.
Com a Desportiva Capixaba S.A. sob liquidação judicial e, portanto, com todos os bens colocados pela Justiça à disposição do liquidante para fins de levantamentos de ativos e passivos e, assim, completar o processo para que possa seguir seu destino, a Desportiva Ferroviária descobriu que, mesmo assim, o seu estádio estava previsto para ser vendido em um leilão extrajudicial – e, portanto, ilegal -, à margem do processo de liquidação.
A notícia ficou encoberta até que a Desportiva Ferroviária fez um post em suas redes sociais, no dia 1º de maio daquele ano, alertando seus torcedores sobre os fatos mais recentes relacionados à liquidação judicial da S.A. e revelou o risco de perder o estádio. Por outro lado, a nota rendeu também uma reprimenda do Juízo da 2ª Vara Cível, Órfãos e Sucessões, da Comarca de Cariacica, provocado pelo outro sócio da S.A., a Oliveira – Empreendimentos e Participações S.A (Grupo Villa-Forte).
Este é apenas mais um capítulo no imbróglio que se estabeleceu, desde 1999, no tradicional clube formado em 1963 sob a tutela da, então, estatal Companhia Vale do Rio Doce, como resultado da fusão de seis clubes: Associação Atlética Vale (fundada em 1943), Ferroviário Sport Club (1945), Esporte Clube Guarany (1951), Associação Atlética Cauê (1957), Associação Esportiva Vale do Rio Doce (Valério, de 1959) e Cruzeiro Esporte Clube (clube amador da época).
Prestes a completar 61 anos no dia 17 de junho, a Desportiva é o maior ganhador de títulos do futebol capixaba desde que foi fundada: 18 conquistas na primeira divisão, seguida pelo Rio Branco com 15 e Serra com seis conquistas.
O FATO E A HISTÓRIA
O fato motivador da decisão judicial para proibir a Desportiva Capixaba de falar (sentença 156) nos autos do processo 0005590-06.2012.8.08.0012 foi a descoberta, pela Desportiva Ferroviária, que uma empresa de São Paulo, a Milan Leilões, havia anunciado para 30 de março de 2023, às 15 horas, a realização do leilão extrajudicial do estádio Engenheiro Araripe, apresentado pela Villa-Forte como garantia de uma negociação de dívida do grupo empresarial com a Fazenda Pública Nacional.
Por conta da determinação judicial na sentença 156, de 3 de maio de 2023, proibindo a Desportiva Ferroviária “de qualquer ação que não represente exatamente o que acontece nos autos do processo respectivo, sob pena de responsabilização pessoal da parte e das pessoas físicas que a representem, sem prejuízo de responsabilização criminal caso cabível”, os dirigentes do clube silenciaram sobre o assunto.
A publicação do “InformaTiva 002” no perfil do instagram da Desportiva Ferroviária, relatando a tentativa de leiloar o estádio, à margem do processo judicial, foi feita no dia 1º de maio e alertou os torcedores, gerando dezenas de manifestações. Provocada pelo Grupo Villa-Forte, a Justiça, então, se manifestou nos termos da sentença 156. Na publicação, o clube relata os problemas que passou a viver a partir da criação da S.A. em 1999 e como o outro sócio não incorporou o patrimônio contratatado, “o que prejudicou fortemente os objetivos da nova sociedade, principalmente os desportivos”.
Só para registrar, quando foi feito o contrato que resultou na Desportiva S.A., em 1999, a Desportiva Ferroviária adquiriu 49% das cotas incorporando à sociedade o estádio Engenheiro Araripe. Para o outro sócio, também conhecido como “Grupo Frannel”, seriam destinadas 51% das ações, a serem subscritas em dinheiro, em moeda da época, R$ 1.040.910,00 – com entrada de 10% (R$ 104.091,00) e os restantes R$ 936.819,00 em 30 parcelas mensais, iguais e sucessivas de R$ 30 mil, além da construção, em 18 meses, de um posto de gasolina bandeira “Frannel”, no valor de R$ 236.819,00). De tudo isso, o “sócio” só pagou os 10%.
De acordo com a nota, a sociedade “trouxe consequências negativas, já que o patrimônio do clube foi exposto em ações judiciais nas quais – somente – o Grupo Villa-Forte & Oliveira constava no polo passivo. Mesmo tendo integralizado apenas 10% do que deveria, o Grupo Villa-Forte & Oliveira nomeou o estádio como garantia em diversas penhoras por dívidas próprias daquele grupo”.
E, então, reporta-se ao leilão de março de 2023: “No final do mês de março, fomos surpreendidos com a notícia de um leilão do Estádio Engenheiro Araripe por uma empresa privada de São Paulo. Tal leilão foi contratado diretamente pelo representante do Grupo Villa-Forte & Oliveira, sem qualquer determinação judicial, em um ato unilateral inaceitável e que demandou esforço da diretoria grená para que não ocorresse”.
Na nota, a Desportiva Ferroviária ressaltou que “o Engenheiro Araripe é um patrimônio arquitetônico, cultural e desportivo do município de Cariacica e de todo o Espírito Santo, sendo um pilar importante para a continuidade da Desportiva Ferroviária enquanto instituição social e desportiva”.
E acrescenta: “A possível realização de um leilão coloca em xeque, também, o funcionamento da EMEF Eliezer Batista, escola que está estabelecida nas dependências do estádio e cujo registro de matrícula é o mesmo do Engenheiro Araripe”.
Como o futebol da Desportiva Ferroviária continua em atividade, a nota salienta que “o leilão prejudicaria fortemente também a criação da Sociedade Anônima de Futebol (SAF), projeto anunciado recentemente pelo clube. Sobre este último ponto, os representantes da Meden Consultoria já foram formalmente comunicados e se mostraram preocupados com toda a situação”.
DISSOLUÇÃO
A história, mal construída, da Desportiva Capixaba S.A., com 51% das ações em mãos do Grupo Villa-Forte e 49% da Desportiva Ferroviária, durou, efetivamente, 15 anos, sendo dissolvida a sociedade em 2014 por decisão judicial, depois que o grupo empresarial não fez as incorporações necessárias, conforme os termos do contrato social.
Na sentença de dissolução, de 01 de dezembro de 2014, o juiz reafirma o trânsito em julgado da decisão que considerou que a Oliveira Empreendimentos e Participações subscreveu apenas 10% do capital total sob sua responsabilidade, conforme acórdão de decisão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, publicado no Diário da Justiça de 20.04.2010.
Apesar de já terem transcorridos nove anos, a dissolução judicial da sociedade ficou emperrada durante todo esse tempo, mas as esperanças se renovaram com a designação de um novo liquidante judicial, que, pela decisão judicial, deverá ficar legalmente de posse de todos os bens da sociedade liquidada – a Desportiva Capixaba S. A. – enquanto durar os trabalhos de liquidação, neles incluído o estádio Engenheiro Araripe, integralizado pela Desportiva Ferroviária.
Os passivos a serem cobertos na liquidação não devem ultrapassar os R$ 4 milhões, conforme apurou a reportagem, enquanto o estádio está avaliado em R$ 150 milhões. O risco, admitem, é de haver o leilão. Mas, na própria sentença, o Juizo volta a determinar a colaboração das partes com o liquidante.
“O processo agora entra em sua fase mais importante que é a, malgrado da péssima comparação, tentativa de quitar todas as dívidas para somente então se verificar a possibilidade de que seja reerguido o clube de tantas paixões”, diz o despacho do juiz, que se afastou do caso há uma semana.
O plano de trabalho prevê a liquidação judicial em 12 meses, mas isso desde que o processo foi determinado, em 2014, se arrastando pelos últimos dez anos.
INDENIZAÇÃO MILIONÁRIA
Mas não é somente o estádio de Jardim América que está em questão. Entra no patrimônio também um ativo, por enquanto, virtual, mas que pode se transformar numa fortuna na conta do clube: R$ 131,5 milhões, valor definido pelo perito judicial Maurício Duque na 3ª Vara Cível de Vitória.
De onde vem esse dinheiro? Para entender, vamos ter que voltar no tempo. Em 2004, a Confederação Brasileira de Futebol precisava anunciar a tabela do Campeonato Brasileiro da Série C (ainda não havia a Série D) e o Campeonato Capixaba estava em curso. Nestes casos, a CBF orientou que as Federações indicassem seus representantes para preencher a tabela.
Foi aí que surgiu o problema: a Federação de Futebol do Espírito Santo indicou para representar o Estado a Desportiva e o Rio Branco, os dois clubes mais tradicionais e de maior torcida. A Desportiva (no caso, Desportiva Capixaba S.A.) acreditou no convite e montou o time para o Brasileiro, mas o problema foi que, no final, Serra e Estrela foram os dois primeiros colocados do campeonato e reivindicaram as duas vagas.
O Tribunal de Justiça Desportiva deu ganho de causa aos recorrentes por 4 a 3. A ironia disso tudo é que o quarto voto foi dado por um juiz que hoje é dirigente da Desportiva: Carlinhos Farias. Desportiva e Rio Branco recorreram ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), que manteve a decisão do tribunal regional. Era uma quinta-feira e o campeonato começaria no domingo, o que levou a CBF a suspender a rodada com os representantes capixabas.
A Desportiva Capixaba entrou com uma ação indenizatória na 3ª Vara Cível de Vitória contra a CBF calculando prejuízos e lucros cessantes em R$ 332 milhões, que foi o valor atribuído à causa, estimando uma possível ascensão até a Série A, que era o plano do clube. A Justiça deu ganho de causa à Desportiva, mas determinou novos cálculos por um perito contábil, que calculou o dano em R$ 131,5 milhões.
O clube capixaba tenta por todos os meios fazer a CBF pagar a sentença judicial. Quando isso acontecer, novo imbróglio surgirá: teoricamente, o dinheiro seria da Desportiva Capixaba, formada com 51% de ações do Grupo Villa-Fortes e 49% da Desportiva Ferroviária. Ocorre que uma sentença judicial do mesmo ano de 2004 reconheceu que o Villa-Forte encorpou apenas 10% do que deveria, enquanto a Desportiva Ferroviária compareceu com 49% através de seu patrimônio.
Como a sociedade não teve as incorporações devidas pelo grupo empresarial, com a dissolução do clube-empresa em 2014 a Desportiva Ferroviária entende que tem direito a 90% desse dinheiro que virá da ação contra a CBF, ou seja: R$ 118,35 milhões.
A reportagem não conseguiu informações de como anda o processo relacionado à dívida da CBF com o clube capixaba, mas a sentença está com trânsito em julgado no valor de R$ 131,5 milhões calculado pelo perito contábil. Os autos estão em segredo de justiça. Enquanto isso, o futebol capixaba míngua na quarta divisão do Campeonato Brasileiro. (Da Redação)
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