Para quem está acostumado a acreditar que investir em educação de qualidade é construir prédios com ar refrigerado e computadores para os alunos, essa notícia pode soar escandalosa: a melhor escola do Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (IDEB) no Espírito Santo no 5º ano tem instalações físicas muito distantes do que se convencionou como ideal e está num pequeno distrito de um município de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
E tem mais: esse mesmo município é o primeiro colocado do Estado no indicador apurado por meio do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. O Ministério da Educação estabeleceu como meta o Brasil chegar a pelo menos 60% dos estudantes alfabetizados no 2º ano do ensino fundamental e chegou a 59,2%.
O Espírito Santo está entre os cinco Estados da Federação que passaram dos 70% de crianças alfabetizadas. O Ceará “sobra” na conta, com 85,3% de crianças alfabetizadas no segundo ano. Em seguida, vêm Goiás com 72,7%, Minas Gerais com 72,1%, Espírito Santo com 71,7% e Paraná com 70,4%. Mas Mantenópolis, a 260 quilômetros de Vitória, na divisa com Minas Gerais, chegou muito mais longe: 95,06% de suas crianças alfabetizadas até o 2º ano.

CIDADES CAMPEÃS
Mantenópolis está na liderança do índice de alfabetização de crianças até o 2º ano, praticamente empatada com Afonso Cláudio com 95,4%. Mantenópolis tem 13 mil habitantes, enquanto Afonso Cláudio, que fica na região serrana central do Estado, tem 31 mil habitantes.
Em 2023, a Escola Municipal Anedina Bretas Corrêa, no distrito de Santa Luzia, com uma altitude 600 metros acima do nível do mar e uma população que vive, sobretudo, da cafeicultura, conseguiu o primeiro lugar no IDEB, índice medido por meio do SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), utilizado pelo MEC.
A escola campeã, pode-se dizer, tem instalações físicas precárias. “É quase uma tulha”, comenta o deputado estadual Mazinho dos Anjos, que recebeu o prefeito Lúcio Marques, o secretário Kelvin Simas Garcia e vereadores esta semana em seu gabinete, na Assembleia Legislativa do Espírito Santo.
Kelvin, 34 anos, professor de História da rede municipal, assumiu a secretaria de Educação de Mantenópolis neste ano com a saída do antigo secretário, Denilson Paizante da Silva, que deixou a pasta para assumir como vereador, eleito em 2024.
Em sua despedida, Denilson postou nas redes sociais: “Ao todo foram 18 anos e alguns meses à frente da pasta. Conseguimos colocar a Educação do município de Mantenópolis nos primeiros lugares do Estado do Espírito Santo, conseguimos reconhecimento Nacional através do Selo Educação que Faz a Diferença, isto é resultado de um trabalho em equipe, entre Secretaria e Escolas”.
Kelvin, ex-guardinha (uma espécie de office-boy) da própria Semec, é fruto da boa educação de Mantenópolis e nos últimos anos participava da equipe de Paizante. Ele destaca o trabalho de todos os gestores municipais, que não tiveram a vaidade de querer mexer no que já estava dando certo.
“É difícil alguém encontrar outro município no País que por 18 anos teve o mesmo secretário de Educação. O trabalho que demonstra resultado em Mantenópolis começou há pelo menos 20 anos e continua avançando. Este ano, em abril, implantamos o Piso Nacional para os nossos professores”, comenta Kelvin.
PRIORIDADE NA CRIANÇA
Mas como Mantenópolis tem feito a diferença? A resposta do secretário está na ponta da língua: “O que temos feito é o básico bem feito. O que a gente estudou é que o segredo é a educação infantil e que a criança tem que saber ler até os 7 anos de idade. Para isso, temos um foco muito grande no Pré I e Pré II. Entre os 4 e 5 anos a criança tem que estar na escola, ter disciplina e assiduidade. Se a criança falta um dia, vamos atrás. Temos que garantir a criança na sala de aula e ela já trabalha a construção do ensino por meio de atividades lúdicas”.
Mantenópolis tem 1.600 alunos no ensino infantil distribuídos em seis escolas. O município tem uma economia, basicamente, agrícola, embora na sede se percebam edificações novas e verticais. Isso não é por acaso. Há um grande contingente de moradores que migraram para os Estados Unidos. Esse dinheiro é enviado para familiares, que investem em imóveis. Mas a economia é agrícola, basicamente na produção de café.
Em 2019, o município começou a trabalhar uma metodologia que, hoje, resulta no índice de crianças alfabetizadas com 7 anos de idade. Foi a construção da sequência didática unificada, que foi apresentada por dois professores: Wagner da Cunha Oliveira (matemática) e Rosilda Félix (português). E, para que isso pudesse ser implantado, foi necessário que a própria Secretaria se preocupasse também com a formação dos professores.
“Isso é uma realidade que todo município sabe que existe, alguns professores chegam para a rede com problemas de formação, às vezes sem conhecer o básico de português e matemática, que são fundamentais. Para implantação da sequência didática unificada foi preciso promover a interação entre os professores da rede. Depois foi que a gente percebeu que a integração forma o professor e resolvemos dois problemas com a mesma medida”, conta Kelvin.
A sequência didática unificada significa que todas as turmas estudam o mesmo conteúdo. “Se um aluno de um distrito muda para a sede no meio do ano, não vai ter qualquer prejuízo na aprendizagem, porque o conteúdo da nova escola é o mesmo que ele estudava. Todos os dias, no mesmo horário, todas as escolas ensinam o mesmo conteúdo. Isso é combinado em reuniões quinzenais. Essa sequência didática unificada foi nossa virada de chave”, assegura o secretário.
REPLICÁVEL
A pergunta que acaba não querendo calar é: Mantenópolis conseguiu, mas sua metodologia é replicável em qualquer município? E a resposta é sim. O município implantou o que chama de trio gestor. A Secretaria de Educação tem 14 técnicos pedagógicos que o secretário cita, nominalmente, de cabeça.
“São 13 e eu, que sou o 14º. Há um técnico para cada escola, que trabalha junto com a direção e a coordenação pedagógica. A troca de informações é constante. E criamos um sistema de avaliação da educação infantil com ludicidade, que é exclusivo nosso. Toda sexta-feira eu tenho em minhas mãos a avaliação de cada turma e de cada escola”, observou Kelvi n.
Em 2017, a prefeitura fez seu primeiro concurso público para a rede municipal e seis anos depois o município já era primeiro lugar no IDEB, com a escola Anedina Bretas Correa. O ótimo resultado no índice de alfabetização, entretanto, é resultado do trabalho conjunto, que inclui toda a comunidade escolar também das escolas Luiz Simão (distrito de São José), Vicente Amaro da Silva (distrito de São Geraldo) e mais Professora Adelina Lírio, Eliezer Eduardo Ribeiro e Pequeno Príncipe.
Voltando a abordagem a estrutura física da escola Andedina Bretas, o secretário Kelvin é direto: “Não é a estrutura física, é o comprometimento do professor”. E cada escola, a partir deste ano, tem mais um incentivo para fazer diferença: o Programa Dinheiro Direto na Escola. Cada uma delas recebe um provisionamento de recursos administrados pela própria escola para fazer frente às suas pequenas demandas, driblando a burocracia pública.
“A chave é: não há futuro sem as pessoas alfabetizadas e o segredo está na educação infantil. Mantenópolis abraçou isso, cada professor da rede municipal abraçou isso. Priorizamos o ensino até o 5º ano. Ainda temos uma escola que vai até o 9º ano, mas eu entrego para o Estado em 2026. Temos que focar na base. É ali, com um ensino que faça sentido para a criança, que pavimentamos a estrada para o seu futuro”, arremata Kelvin.
EDUCAÇÃO E POBREZA
O município de Mantenópolis tem um dos mais baixos IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do Estado: 0,657, de acordo com os últimos levantamentos feitos em 2010. É Apenas o 65º dentro 78 municípios capixabas. Índice baixo, conforme as quatro classificações do programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Para efeito de comparação, o IDH do Espírito Santo em 2019, antes da pandemia, era de 0,793, considerado alto, o que o coloca como o 7º melhor Estado do Brasil em desenvolvimento humano. Em 2023, o Brasil registrou IDH de 0,786, subindo cinco posições no ranking global, um pouco acima da média da América Latina e Caribe: 0,783.
O IDH de Mantenópolis é pior do que o da Bolívia e do Quirquistão, mas a educação infantil é referência no Estado do Espírito Santo. Uma escola municipal conseguiu o primeiro lugar no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em 2023 e lidera a educação infantil dentro do Estado, no índice de alfabetização divulgado pelo Ministério da Educação (ao lado de Afonso Cláudio).
Mantenópolis havia estabelecido em 80% sua meta de alfabetização para 2030, mas falta pouco para ter 100% de suas crianças alfabetizadas até o 2º ano do ensino fundamental. Um sonho que, diante da tenacidade de sua equipe de educação, é bom não duvidar que será logo realizado. (José Caldas da Costa, da Redação)
Veja mais fotos da escola campeã do IDEB:
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