Qual a diferença entre o “tigrinho” e as casas de apostas que inundam estádios e camisas de times de futebol? O que é o “tigrinho”? O que é aposta esportiva? Como controlar a compulsão por jogos? As casas de apostas têm sistema de controle? Qual o impacto das apostas online sobre o orçamento das famílias brasileiras?
Estas e muita outras perguntas ocorrem quando se vê a proliferação de “bets” Brasil afora. Há mesmo quem ache que, depois das bets, o futebol nunca mais será o mesmo. Será? Afinal, há quantos anos se ouve falar em casas de apostas em grandes mercados do futebol mundial, a Inglaterra, por exemplo!
E quem nunca viu amigos, no estádio de futebol, apostando quem faria a primeira falta? Cederia o primeiro escanteio? Tomaria o primeiro cartão amarelo? Nos anos 70 e 80 fez muito sucesso no Brasil a Loterica Esportiva ou “Loteca”, como preferiam dizer os torcedores, com 13 jogos nos cartões onde o apostador marcava, jogo por jogo, seu palpite do o vencedor ou a “coluna do meio” (empate).
A Loteca eternizou no imaginário das gerações “baby-boomers” e “millenials” a famosa “zebrinha do fantástico”. Em tempos quando a comunicação não era tão ágil quanto hoje, era no Fantástico, nas noites de domingo, que os apostadores conferiam seus cartões.
A zebrinha ficou famosa. Quando havia um resultado inesperado, um Asa de Arapiraca vencia o Palmeiras, por exemplo, de um jeito simpático, ela dizia: “Ih, deu zebra!”. Depois, com o surgimento de várias outras modalidades de apostas, controladas pela Caixa, a Loteca “saiu de linha”.
E o jogo está, mesmo, enraizado na cultura brasileira. Desde as apostas em corridas de cavalo (turfe) pelas classes abastadas, até o campeão de popularidade, o jogo do bicho, onde “vale o escrito”, que é ilegal, mas tolerado, com bancas de apostas espalhadas por todo o Brasil.
Mas as casas de apostas, as bets, chegaram com força para fazer renascer o que parece ser uma “cultura nacional”. Viraram os principais patrocinadores dos clubes, a ponto de hoje o Campeonato Brasileiro da Série A e a Copa do Brasil levarem o nome de uma delas.
O assunto é tão relevante que, em outubro de 2024, foi criada a CPI das Bets, uma Comissão Parlamentar de Inquérito criada pelo Senado para investigar o crescente fenômeno das apostas online no Brasil.

QUEM É QUEM?
A Tribuna Norte-Leste aproveitou o momento do anúncio do novo patrocinador da Desportiva Ferroviária para entrevistar Thadeu Silveira, criador do “Arquibancada Digital” (perfil do instagran destinado a promover o futebol capixaba) e fundador e CEO da BlackBox, maior hub de casas de apostas do Brasil.
A empresa 100% capixaba, criada em 2018, mergulhou de cabeça no jogo: já estava na camisa do Porto Vitória e Rio Branco, que disputam a Série D do Brasileiro. Agora, na Desportiva, e negocia também com o Vitória e o Serra.
Thadeu, 40 anos, interrompeu o curso superior de Administração de Empresas para entrar de corpo e alma no mundo dos negócios: “Minha verdadeira formação veio da prática: empreendendo, errando, aprendendo e construindo negócios reais”.
Fomos ouvi-lo para procurar entender o setor de casas de apostas e tentar identificar a tênue linha que separa os negócios sérios daqueles que atravessam os limites da ética e da legalidade para capturar a poupança popular, principalmente da população mais pobre.
De antemão, destaca-se uma declaração contundente de Thadeu Silveira, o CEO da BlackBox: “Aposta é entretenimento, nunca uma forma de mudar de vida, embora nas casas sérias muita gente ganhe um bom dinheiro”.
– Thadeu, quando se fala em casas de apostas, incomodam três pontos: a sua função social, a possibilidade de fraude e a questão da regulamentação. Como a BlackBox se posiciona sobre esses temas?
THADEU SILVEIRA: A gente vivia até um tempo atrás um cenário completamente diferente, antes da regulamentação. Todo mundo entrava, fazia o que queria, era uma força muito grande em busca de um apostador viciado, que não tinha limites, isso era muito complicado.
A BlackBox sempre se posicionou com grandes casas de apostas, que mesmo quando não havia regulamentação, tinham trabalho muito sério.
Por dois anos entrou no Brasil o chamado mercado chinês. Eles criavam uma cópia de sistema e editavam quanto de fato pagava e quanto retia. Fazia muita gente perder dinheiro. É um mercado que a gente sempre abominou.
Hoje a gente tem parcerias com 30 grandes casas, as maiores do Brasil. Após a regulamentação, muita coisa mudou. Inclusive as casas estão passando por um momento até desafiador, onde existe limitação para o apostador, que não consegue mais ficar muito tempo dentro da casa de aposta. Agora, ele precisa usar o face dele para ativar.
O setor responde diante do Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulação), que trabalha para que as casas de apostas usem um tipo de marketing não agressivo, conscientizando as pessoas. A BlackBox tem esse desafio, tem parceria e é afiliada ao Conar. Hoje a gente tem um setor de compliance, onde faz toda análise antes de fazer qualquer tipo de ação de marketing, entendendo que existe o trabalho, mas que ele precisa ser feito com responsabilidade.
– Como lidar com o vício em jogos?
– Com relação ao vício, é um grande desafio. De modo geral, o vício está em todo lugar. Se existe uma regulamentação e uma fiscalização intensa, tende a diminuir isso. Hoje a gente não sabe ainda o percentual de quem joga e que é viciada. Não há isso divulgado. A gente sabe que uma informação negativa é multiplicada 50 vezes mais que uma positiva. O que a gente sabe é que esse mercado movimenta bilhões e muita gente ganha dinheiro nesse mercado.

– Você fala de apostador ou de operador de apostas?
– O apostador. Inclusive teve uma casa de apostas que a gente estava fazendo uma análise e eles até divulgaram isso. Em período de 60 dias entraram R$ 5 milhões em apostas e saíram mais de R$ 4 milhões em pagamento a apostadores. Ou seja, as pessoas sacaram, receberam, ganharam.
Agora, uma coisa é certa: aposta esportiva não é uma renda extra, é entretenimento. É para brincar, não é algo que vai mudar a vida de ninguém. Então, o grande problema é exatamente essas propagandas muito intensas induzindo à crença de que aposta vai mudar a vida e não é nada disso.
– Uma polêmica muito grande criada foi com relação ao “tigrinho”. Viu-se muita gente, principalmente pobres, acreditando em resolver a vida com isso e tendo sérias dificuldades financeiras, perdendo dinheiro. Qual a diferença entre aquilo que vocês fazem e um jogo tipo o “tigrinho”?
– A BlackBox desde sua fundação sempre trabalhou com futebol. O tigrinho foi algo novo que surgiu. Aqui na BlackBox a gente não trabalha com cassino, só futebol. É análise de resultados, com grandes especialistas, a gente não trabalha com tigrinho.
– Tigrinho é o cassino?
– Sim, é o cassino, mas a pergunta torna-se muito importante para a gente entender isso. Lembra que falei do mercado chinês? O Tigrinho verdadeiro entrega resultado extraordinário para as pessoas, é um sistema customizado, que vai entregar 87% e vai reter 13%.
– De certo modo, é uma taxa de serviço!?
– Exato. Só que aí entrou o mercado chinês e ganhou força. Por que? Os influenciadores começaram a ganhar dinheiro, a vender uma ideia errada. O mercado chinês simplesmente copiou o famoso Tigrinho e começaram a alterar.
Num primeiro momento, paga muito, todo mundo ganha dinheiro. Depois, segura e todo mundo perde. Esse é o mercado chinês, que, após a regulamentação, o Governo excluiu mais de 20 mil casas clandestinas no Brasil.
Essa é a fama que o Tigrinho tomou, não que o Tigrinho seja mal. A cópia que foi criada do Tigrinho fez dele um grande vilão.
– O Tigrinho virou um caça-níquel eletrônico?
– Exatamente. O Tigrinho hoje é proibido através dessas casas, mas funciona, devidamente fiscalizado, dentro das grandes casas de apostas, normal, sem problema nenhum. Quando entra nas casas não regulamentadas, que são uma fraude, eles podem fechar a torneira a hora que quiserem. Nas grandes casas, não. Existe toda uma fiscalização e não tem como fazer esse tipo de alteração.
– Então, resumindo tudo: esse tipo de aposta que vocês trabalham é regulamentada, tem regras, tem controle, voltada para a diversão e não como fonte de renda. Você garante que é segura?
– Sim, a BlackBox trabalha 100% com apostas esportivas e a única coisa que às vezes acontece é aquilo que você comentou: é quando entra o jogador de futebol em ação. O jogo vai começar agora. Não existe a probabilidade de que um time vai ganhar, a não ser que haja a manipulação. Diferente do caça-níquel, de um cassino, onde já é tudo configurado. Aqui, a regra é real.
A REGULAMENTAÇÃO
De acordo com informações do Governo Federal, desde 2018, as apostas de quota fixa de eventos esportivos são legalizadas por meio da Lei 13.756/2018. Esta legislação determinou a necessidade de regulamentação da atividade num prazo de dois anos prorrogáveis por igual período.
A previsão acabou relegada pela gestão anterior, de Jair Bolsonaro, e somente a atual administração federal começou o trabalho de regulamentar as apostas do país.
Em 2023, a Presidência da República enviou uma Medida Provisória ao Congresso Nacional para aprimorar a Lei de 2018. Juntamente com outro projeto de lei que já estava em tramitação, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal incluíram entre as apostas de quota fixa legalizadas no Brasil, os chamados jogos on-line. Foi sancionada então a Lei 14.790/2023.
A partir da lei de 2023, o Ministério da Fazenda recebeu a competência de regular o setor de apostas de quota fixa e criou, em 2024, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA-MF).
Sua prioridade é fazer o setor atuar de forma regulada e controlada. Neste mesmo ano, foram publicadas mais de dez portarias com todas as regras relacionadas às apostas de quota fixa. Essas portarias trazem segurança para empresas de apostas e jogadores.
A política de combate à lavagem de dinheiro, por exemplo, determina que jogadores sejam identificados por documentos e sistema de reconhecimento facial com prova de vida.
O apostador também deve cadastrar uma conta bancária ou de pagamento em seu nome, que será a origem e o destino de todos os recursos que enviar ou receber da empresa de apostas, que fica proibida de receber depósitos originários de contas bancárias que não sejam cadastradas.
Também é proibida a realização de depósitos ou pagamento de prêmios por meio de dinheiro em espécie ou boleto.
As empresas de apostas também precisam garantir segurança da informação para seus usuários.
A regulamentação prevê controle para prevenção de acesso não autorizado (inclusive por funcionários das empresas de apostas), proteção contra hackers, localização segura de servidores, backup e alteração de dados, plano e fornecimento de energia ininterrupta, plano de continuidade de negócios, entre outros.
Essas empresas também precisam fazer parte ou se associarem a organismos nacionais ou internacionais de monitoramento da integridade esportiva.
A utilização de plataformas de jogos de apostas por crianças e adolescentes é proibida por lei e deve ser coibida por todos os agentes públicos responsáveis, bem como deve ser respeitada por todos os agentes diretos e indiretos do setor, inclusive com a aplicação das devidas penalidades no caso de descumprimento.
Essas proibições já eram expressas no Estatuto da Criança e do Adolescente e foram reforçadas na nova legislação de 2023, bem como nas portarias de regulamentação.
A Lei 14.790/2023 também proíbe, explicitamente, as apostas em eventos esportivos que envolvam categorias de base ou que tenham a participação exclusiva de menores de 18 anos de idade.
É permitida somente a aposta nos eventos em que houver menores de 18 anos competindo com maiores em eventos profissionais.
A regulação também estabeleceu que as casas de apostas autorizadas apenas poderão operar com instituições financeiras ou de pagamentos autorizadas pelo Banco Central.
Os apostadores podem sacar seu dinheiro a qualquer momento e o receberão na sua conta em, no máximo 120 minutos, do pedido.
DINHEIRO DO BOLSA FAMILIA
Nos últimos anos, o assunto foi envolto em polêmica com a profusão de ações de impulsionamento de apostas por “influencers” da internet, levando a relatos de milhares de pessoas endividadas pelo vício no jogo.
O tema ganhou as mensagens quando se descobriu que boa parcela do dinheiro pago pelo Governo no Bolsa Família, um programa social fundamental para o combate à pobreza extrema no Brasil, estava sendo drenada para as casas de apostas.
Um levantamento do Governo demonstrou que, somente em agosto de 2024, as casas haviam abocanhado R$ 3 bilhões desses recursos por meio de pix emitidos por beneficiários do programa.
Na semana que passou, uma ação movida na Justiça Federal de São Paulo exige a devolução integral dos recursos do Bolsa Família que foram direcionados para apostas online, desde a determinação do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), que obrigou o Governo a tomar providências para impedir que dinheiro do programa fosse investido em bets.

PROPAGANDA RESTRITA
O Senado aprovou na última quarta-feira (28/5) o projeto de lei que restringe a propaganda das apostas esportivas de quota fixa, conhecidas como bets. A proposta proíbe o uso de atletas, artistas, comunicadores, influenciadores e autoridades em anúncios, numa tentativa de conter os efeitos sociais negativos das apostas.
O texto, de autoria do senador Styvenson Valentim (PSDB-RN) e relatado por Carlos Portinho (PL-RJ), segue agora para a Câmara dos Deputados.
Em discurso no plenário hoje (29), a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), relatora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, destacou a importância da aprovação e elogiou a condução do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Ela afirmou que o projeto busca combater a lavagem de dinheiro, a evasão de divisas e o impacto social das apostas, especialmente entre os mais vulneráveis.
“Espero que a Câmara tenha a mesma altivez desta Casa para enfrentar um gigante que, infelizmente, tem por trás a atuação do crime organizado”, declarou a parlamentar.
A proposta aprovada prevê diversas proibições, como a veiculação de publicidade durante transmissões esportivas ao vivo, a utilização de imagens de atletas ou influenciadores e o patrocínio a árbitros.
No entanto, há exceções, como a possibilidade de ex-atletas participarem de campanhas após cinco anos do fim da carreira e a permissão de anúncios quando o operador for patrocinador oficial do evento ou do uniforme das equipes.
O relator, Carlos Portinho, defendeu um caminho de regulamentação, e não de proibição total da publicidade. Portinho afirmou que a proposta busca reduzir o alcance das apostas ao público jovem e coibir o chamado “marketing de emboscada” em arenas esportivas.
O senador citou a falta de autorregulamentação do setor e a necessidade de proteger a população do vício, classificando o jogo como uma questão de saúde pública.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) e a senadora Leila Barros (PDT-DF) elogiaram o equilíbrio do substitutivo, ainda que Girão defendesse restrições ainda mais rígidas. Ambos citaram o aumento de casos de adoecimento mental, endividamento e até suicídios relacionados ao vício. (José Caldas da Costa, Da Redação, com informações da Presidência da República e Agência Senado)
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