Por João Gualberto e Ana Carolina Andrade
Os jornalistas políticos brasileiros, e mesmo os intelectuais de nossa academia, costumam cometer um equívoco comum ao julgar que os evangélicos formam um conjunto compacto e que tomam decisões como a do voto em bloco. Nada mais falso. Na verdade, existem importantes frações internas no segmento e, no que diz respeito à política e ao voto, isso é muito claro: Paul Freston, sociólogo especializado no estudo da sociologia das igrejas evangélicas brasileiras, já afirmava que os evangélicos não votam em bloco desde os anos 1990.
Para que todos possam entender o que estamos querendo dizer, e para que compreendam a raiz de nossos estudos, precisamos elucidar como se organiza o “Povo de Deus”. Em primeiro lugar vamos pensar no segmento “evangélico tradicional”, que diz respeito às igrejas como a Batista, Presbiteriana, Adventista, Luterana, Anglicana, dentre outras. Elas têm origem no protestantismo histórico, na ruptura com a Igreja Católica. Tais igrejas chegaram ao Brasil no século XIX e, de acordo com Juliano Spyer – autor do festejado livro “O Povo de Deus” – possuem um público “intelectualizado e discreto”.
Os “pentecostais”, por sua vez, chegaram ao país no início do século XX, por meio da Congregação Cristã e da Assembleia de Deus. Tiveram aderência das classes populares e grande crescimento nas periferias. Diferem-se dos tradicionais pela crença na manifestação dos dons espirituais, como a cura, os milagres, as línguas estranhas, entre outros.
Já o “neopentecostalismo” chega ao país por volta dos anos 1970, através da igreja Universal do Reino de Deus. Nascido nos Estados Unidos, une as características do pentecostalismo com a teologia da prosperidade, onde os fiéis são fortemente estimulados a adotarem uma postura empreendedora na vida. O fenômeno pentecostal e neopentecostal, para os mais curiosos, é brilhantemente explicado pelo Doutor em Sociologia Brand Arenari no episódio 11 – nomeado “O Pentecostalismo à luz da Sociologia” – no podcast “Intelecto geral”, disponível nas plataformas de áudio.
Aqui acrescentamos um novo segmento: as igrejas de “parede preta”. Trata-se de um movimento ainda mais recente, também importado dos Estados Unidos. São tradições pentecostais que adotaram estéticas e práticas mais contemporâneas, como uma linguagem mais atual, incorporação da cultura “pop”, condução dos cultos em formato “worship” – que é um padrão de liturgia norte americano -, e uma maior liberdade doutrinária quanto às vestimentas, tatuagens, piercings, e outros sinais externos de modernidade. Tais igrejas costumam ter como público alvo adolescentes e jovens de classe média e classe média alta, sendo alguns exemplos: Bola de Neve, Hillsong, Missão, Atitude, Ser Amor e Lagoinha.
Ainda, não podemos deixar de lembrar dos “desigrejados”, isto é, aqueles que mantêm a identidade evangélica, contudo, não estão congregados em nenhuma denominação. Praticam a fé, mas não precisam de um templo para tal.
Esse conjunto amplo de denominações evangélicas tem como diferenciação algumas características chave. A primeira delas é de classe. As tradicionais e as pentecostais pouco se diferenciam da constelação de classes sociais que compõem o catolicismo. Já as neopentecostais são claramente mais populares e, hoje, são a imensa maioria dos evangélicos. O perfil de seus seguidores é o de uma mulher preta, da periferia e pobre. O corte que mais diferencia as igrejas de parede preta é o geracional: a renovação das tradicionais e das pentecostais acabou atraindo uma juventude mais descontraída e menos vinculada às tradições eclesiásticas.
Nesse universo, não dá para pensar em bloco. Sobretudo, não dá para pensar a polarização das eleições presidenciais com um olhar monolítico. Os elementos da complexidade evangélica brasileira se farão presentes. O corte de classe, de geração e de olhar sobre a política e o mundo estarão presentes. São fenômenos de sociedade muito superiores ao desejo das elites religiosas, dos pastores e das cúpulas eclesiásticas.
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