José Caldas da Costa*
Mestre em Transportes e especialista em Geoprocessamento, o engenheiro cartográfico Marcos Kleber Félix, assessor especial do ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, concedeu uma longa e contundente entrevista à colunista Beatriz Seixas, do portal Gazeta Online, colocando em seu devido lugar o assunto “contorno da Serra do Tigre”, defendido pelo grupo empresarial em torno da Findes como a panaceia para o transporte de cargas rumo aos portos capixabas.

Em síntese, pode-se dizer que o assessor do ministro resumiu a ópera da seguinte maneira: o contorno da Serra do Tigre não é a bala de prata para o desenvolvimento capixaba, mas a aprovação do PLS 261/2018, também conhecido como novo marco regulatório ferroviário, este sim talvez o seja a bala de prata, para o Espírito Santo e para o País, por quebrar a espinha dorsal do modelo que resultou em apenas 30,6 mil km de ferrovias no pais-continente chamado Brasil, praticamente o mesmo de 100 anos atrás.
Prova do atraso
Para se ter uma ideia do que isso significa, o Brasil, com seus 8,5 milhões de km quadrados, quinto maior território do mundo, tem 1km de ferrovia por cada 285 km quadrados de área. É o nono País do mundo em extensão de malha ferroviária. Os Estados Unidos, que gostamos tanto de copiar, têm um território apenas 11,9% maior do que o brasileiro, mas uma malha ferroviária quase 10 vezes maior – 293,5 mil km de extensão, com 1km de ferrovia por cada 43 km quadrados de território.
No contexto de subdesenvolvimento do Hemisfério Sul, comparando com nossos vizinhos argentinos, com 2.780.400 km quadrados, ou seja, um território (excluídas as ilhas e a porção continental da Antártica) mais de três vezes menor do que o nosso, eles têm 36.917 km de ferrovias, ou seja, 1km de ferrovia para cada 77,450km quadrados de território.
Voltando, portanto, ao tema principal. O PLS 261, em vias de ser votado pelo Senado, permite a abertura do setor para a construção de ferrovias pela iniciativa privada, considerando demandas e viabilidade econômicas, bastando uma autorização do ente federal, após cumpridas formalidades da legislação para o projeto, diferente do modelo de concessão que vem sendo praticado desde 1920 e que atrasou o desenvolvimento do setor, que é estratégico para o País.
Bom para o Estado e o Brasil
As posições manifestadas por Marcos Félix à jornalista da capital têm uma relação direta com os interesses da região ao Norte do rio Doce, não apenas no Espírito Santo, mas também em Minas Gerais. A senadora Rose de Freitas (MDB-ES) ameaçou bloquear a votação do projeto de autoria do senador José Serra (SP), se o governo não concordasse com a obra do contorno da Serra do Tigre como parte da renovação antecipada da outorga da Ferrovia Centro-Atlântica. Félix chamou o movimento de contrassenso.
“É uma coisa que não faz muito sentido. O que a gente quer esclarecer dentro desse grupo de trabalho (criado em função da mobilização do governador Renato Casagrande com os representantes da Findes) é que são dois assuntos diferentes. A pauta que o Espírito Santo provocou a suspensão (ou seja, a aprovação do novo marco regulatório ferroviário) é em benefício para o Espírito Santo. Você vê que existe um projeto de investimento ferroviário para um terminal de uso privado no Espírito Santo, que é o TUP de São Mateus, que quer construir uma ferrovia privada para Minas Gerais. E esse projeto só sai do papel se essa lei ( PLS 261/2018) for aprovada”, disse Marcos Félix.
Como a jornalista insistia em abordar supostos prejuízos com falta de cargas para “projetos importantes em andamento, a exemplo de Imetame, Barra do Riacho, Porto de Vitória, Porto Central”, sem mencionar o projeto em São Mateus, o assessor do ministro só faltou desenhar:
“A gente tem que lembrar o seguinte: o Espírito Santo só tem esses portos? Porque existe uma lei que facultou ao mercado construir terminais de uso privado e, quando o mercado observasse um potencial de demanda para construir um terminal de uso privado, ele ter essa liberdade de propor o investimento, e o Espírito Santo recebeu esse tipo de sinalização do mercado”.
E completou: “A gente tem lá em São Mateus o porto da Petrocity, tem no centro o porto da Imetame, tem no Sul o Porto Central. Esses portos só surgem porque existe uma lei que dá segurança jurídica para o mercado fazer a oferta portuária. O que a gente está trazendo para o jogo agora é uma lei que dá a mesma segurança para o acesso ferroviário, fazer a ferrovia proposta pelo mercado. Então, aquilo que o Espírito Santo entendeu que era bom para o setor portuário, ele agora está entendendo como ruim (para os setores portuário e também ferroviário). Então, isso é um contrassenso”.
Redesenho logístico
Com isso, o representante do ministro da Infraestrutura redesenhou a abordagem do tema corredor de exportação e importação através do Espírito Santo, enfatizando os dois projetos da Petrocity – o Centro Portuário de São Mateus (CPSM), em processo de licenciamento no Ibama, e a Estrada de Ferro Minas-Espírito Santo (EFMES) no modelo norte-americano de ferrovias shortlines (linhas curtas).
O porto tem projeto calculado em R$ 3,1 bilhões, prometendo ser “o terminal privado mais moderno do Brasil, e único do Sudeste na região da Sudene”, como enfatizou o CEO da Petrocity Portos, José Roberto Barbosa da Siva, no seminário online.
A primeira etapa da EFMES é projetada para ligar o porto de São Mateus a Governador Valadares, numa distância aproximada de 290km. Em seguida, outros 100 km até Ipatinga e o trecho final até Sete Lagoas (MG), totalizando cerca de 570km de ferrovia a um custo estimado de R$ 6 bilhões.
Isso possibilitará um novo impulso econômico para o Norte e Noroeste capixaba e Leste e Nordeste de Minas, além do Extremo Sul da Bahia, conforme amplamente demonstrado no encontro online de lideranças políticas e empresariais, movimento denominado Rota 381, promovido no início do mês pelo prefeito de Barra de São Francisco, Enivaldo dos Anjos, e realizado a partir da sede da empresa capixaba na tradicional avenida Reta da Penha, em Vitória.
Numa perspectiva de longo prazo, o grande impacto desses projetos vai se dar na janela 15-19S x 38-42W, ou seja, uma região de influência entre 15° e 19° de latitude Sul e entre 38° e 42° de longitude oeste, em que 90% dos municípios detêm os mais baixos Indices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Sudeste brasileiro (extensivo ao Sul da Bahia).
O encontro resultou na leitura de um manifesto aos governos do Espírito Santo e de Minas Gerais, bem como ao Governo Federal, em defesa de três obras estruturantes: a duplicação da BR 381, entre São Mateus e Governador Valadares (com recursos federais para posterior concessão), o Centro Portuário de São Mateus e a Estrada de Ferro Minas-Espírito Santo, estes dois projetos totalmente privados.
Isto posto, na próxima reportagem vamos relacionar e comentar sobre mais de 30 projetos novos, quase todos privados, previstos para o Norte e Noroeste do Espírito Santo, que vão gerar mais de 15 mil empregos diretos, num total de investimentos avaliados em mais de R$ 30 bilhões.
*O autor é jornalista e geógrafo, especialista em Desenvolvimento Humano
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