
Autor do livro “Povo de Deus – quem são os evangélicos e porque eles importam”, que fez intelectuais brasileiros começarem a discutir mais seriamente o universo cristão não católico no País, o antropólogo Juliano Spyer acusou a esquerda de cegueira em relação à realidade das religiões evangélicas e previu que, com isso, vai entregar o Brasil a Jair Bolsonaro. O resultado final: a eleição de Tarcísio de Freitas a Presidente em 2026.
Essa tese foi colocada na coluna semanal que Juliano assina na Folha de São Paulo, todas as quartas-feiras, justamente num momento em que o presidente da República, candidato à reeleição, busca, a partir de igrejas evangélicas, consolidar e ampliar sua votação para virar o resultado do primeiro turno, quando ficou em desvantagem para Lula (PT).
Simultâneo à denúncia de Spyer, Bolsonaro participava de dois grandes encontros em igrejas Assembleia de Deus, em São Paulo, onde surfava na onda de sua popularidade entre esse público, a ponto de os pastores que lideravam o encontro proibirem a presença de jornalistas.
Spyer começa seu artigo citando uma frase do jornalista Ricardo Alexandre lida durante uma entrevista ao vivo do filósofo Paulo Arantes, da USP, durante entrevista ao vivo para o canal Opera Mundi, do Youtube: “A esquerda consegue enxergar o quilombola não binário da extrema periferia de uma cidade e não consegue enxergar 50 milhões [de evangélicos].”
Na frase, Ricardo Alexandre trata de sintetizar, poderosamente, a relação entre intelectuais progressistas e evangélicos pobres. Para Paulo Arantes, “[Essa frase] é o epitáfio da esquerda no Brasil neste momento”.
A fala do Ricardo, que é batista e autor de “E a Verdade os Libertará” (Mundo Cristão 2020), está no segundo episódio do documentário “Ser Evangélico no Brasil”, lançado no fim de setembro pelo UOL.
Na sequência, Juliano Spyer continua sua coluna:
O que isso tem a ver com o que aconteceu na votação de domingo?
Institutos de pesquisa e a sociedade foram buscar às pressas justificativas para a discrepância que apareceu entre o número de votos previsto para o presidente Bolsonaro e quanto ele recebeu. É perigoso supor que o crescimento aconteceu na reta final da campanha a partir da mobilização de pastores.
“Não temos evidência de que esse resultado acima do esperado favorecendo Bolsonaro se deva a um salto no voto evangélico,” explica Vinicius do Valle, cientista político e pesquisador do tema.
“Na verdade,” ele diz, “a evidência que a gente tem aponta no sentido contrário: que o voto evangélico já estava estabilizado em patamares altos a favor do presidente, dificultando que acontecesse uma subida maior dentro desse grupo.”
Por dialogar com os “50 milhões de brasileiros” e não abandoná-los para a direita, o candidato do PSB ao governo do Rio, Marcelo Freixo, deslocou seu eixo de atenção para ouvir como mães pobres percebem o tema da legalização das drogas e foi atacado durante a campanha por seus adversários e por representantes do campo progressista.
A esquerda sente-se envergonhada de ir à igreja e fica deslocada nesses espaços. Faz isso por obrigação em época de campanha. Acha religião, especialmente a evangélica, uma mistura entre babaquice e lavagem cerebral. O evangélico comum —que as lideranças de esquerda geralmente não conhecem de perto— percebe isso. E vota a partir dessa informação.
O presidente investiu quatro anos construindo relacionamentos com líderes e com frequentadores de igrejas. “Nós sabemos que o Bolsonaro não é crente,” me disse uma evangélica da Assembleia de Deus. “Mas vemos ele nas igrejas defendendo os nossos valores. O Lula, a gente não sabe qual é a religião dele. Ele diz que é católico, mas não vemos ele em igreja.”
É importante dar crédito também ao uso competente, pela equipe do presidente, da comunicação digital, fazendo informação circular via boca a boca, em ambientes privados.
Estamos falando de um terço dos brasileiros. Quantas campanhas de candidatos de esquerda para cargos majoritários incluíram evangélicos em posições de liderança? Possivelmente nenhuma. Quantos desses candidatos e líderes leram e conhecem relativamente bem a Bíblia, o livro que serve de ponto de partida para se dialogar com esse grupo? Evangélicos ou especialistas são chamados para opinar em situações pontuais, e isso é considerado suficiente.
Ouço frequentemente a pergunta: “Como a gente faz para os evangélicos entenderem…” O rapper Emicida comentou esse tipo de fala: “Tem um tom condescendente muito perigoso dessas pessoas que se nomeiam progressistas, que é: ‘Ah, eu vou falar com a minha empregada.‘ ’Ah, eu vou valar com o porteiro do meu prédio.‘ ’Ah, os evangélicos não conseguem raciocinar…’ A distância que essas pessoas estão do povo na rua é muito perigosa.”
O PT ainda pode vencer a eleição presidencial. Mas ecoo a impressão do teólogo Ronilso Pacheco: “Seis milhões de diferença não garante nada. Extrema direita tem capacidade de mobilização, máquina e rede… A campanha de Lula vai ter de correr muito.” E se não fizer um esforço real para se aproximar de líderes evangélicos com a disposição para ouvir e dialogar, em quatro anos, o ex-ministro Tarcísio de Freitas será o próximo presidente da República. (José Caldas da Costa)
LINK DA COLUNA DE JULIANO SPYER https://www1.folha.uol.com.br/colunas/juliano-spyer/2022/10/cegueira-da-esquerda-entrega-pais-a-bolsonaro.shtml
Foto da capa: Ana Paula Bimbati/UOL Notícias
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