Eleito pela crônica esportiva o melhor goleiro do Campeonato Capixaba de 2025, sendo o menos vazado, Andrey Ventura, 31 anos, é um dos reforços anunciados pelo Guarani, de Campinas-SP, para disputar o Campeonato Brasileiro da Série C.
O jogador já se despediu de seus colegas da Desportiva Ferroviária, que se prepara visando à Copa Espírito Santo, se apresentou no clube paulista (que já foi campeão brasileiro e tenta voltar ao “top teams” do futebol brasileiro), onde entra em campo pela primeira vez nesta sexta-feira (11), para iniciar os treinos.
A transferência representa o renascer do “Pantera Negra”, apelido carinhoso que ganhou da torcida da Desportiva Ferroviária, clube que defendeu desde a Copa Espírito Santo de 2024. Depois que entrou no time, nunca mais saiu.
Respeitando a história de grandes goleiros que passaram pelo time grená em seus 60 anos de existência, como Adjalma, Edalmo, Jorge Reis, Rogério e, mais recentemente, Felipe, que fez 200 jogos pela equipe, nenhum desses jogadores conseguiu o nível de paixão da torcida alcançado por Andrey, com “apenas” 27 jogos.
Andrey foi eleito o melhor goleiro do Capixabão 2025
RENASCIMENTO
Falar em renascimento não é eufemismo. O próprio jogador, que tem mais dois irmãos profissionais, ambos no Gil Vicente, de Portugal, considera que a Desportiva e o amor de sua torcida o fizeram retomar a paixão pelo futebol.
“Por tudo o que eu passei, estava no meu pior momento. A Desportiva representa isso, me fez voltar o desejo de jogar futebol novamente. Já fazia alguns anos que eu questionava se valia a pena continuar a sonhar. A vontade de parar estava maior do que a vontade de jogar”.
Foi assim que Andrey iniciou a entrevista exclusiva concedida ao editor-sênior da Tribuna Norte-Leste, na véspera de pisar pela primeira vez o gramado do Brinco de Ouro e, quem sabe, retomar a jornada rumo à Série A, vestindo a camisa que um dia foi do lendário Neneca, campeão brasileiro pelo Bugre em 1978.
“Sinceramente, eu não conhecia a Desportiva, sua torcida. Quando cheguei de meu último clube, que de tão ruim a experiência não quero nem citar o nome, e vi aqui a dedicação das pessoas, dos funcionários, da diretoria, para levar o clube de volta ao lugar de onde nunca deveria sair, senti respeito, segurança e uma vontade grande de participar disso”.
Foi por meio de um amigo que Andrey fez um pacto pessoal com o futuro, quando chegou ao clube para a Copa Espírito Santo de 2024, indicado por Felipe Gabriel, que foi seu colega no Botafogo, onde o goleiro fez toda sua formação e subiu para o profissional como o primeiro reserva de Jeferson (jogador que mais vestiu a camisa do Glorioso depois de Nilton Santos e Garrincha).
“O Danilo Chapecó (vídeo maker do clube) um dia me levou à casa dele, e me mostrou imagens do campeonato de 2016 (o último conquistado pela Desportiva). Casa cheia, torcida empolgada. Perguntei: onde anda esse povo? E ele me falou dos problemas que o clube enfrentou. Então, dentro de mim, falei: vou fazer de tudo para conquistar um título com esse time, vamos trazer a torcida de volta”.
O título ainda não veio, mas a torcida encontrou seu ídolo, o que fica bem demonstrado num vídeo que circula nas redes da pequena Maria Luísa, chorando, copiosamente, porque Andrey deixou a Desportiva.
“Eu ainda não tenho a dimensão exata do que aconteceu, mas quando começou a sinergia com a torcida na Copa do ES de 2024, porque os goleiros anteriores não viviam bons momentos, pensei comigo: o gol não é mais problema está dando certo. Quando terminou a temporada, vim para o Rio com o contrato renovado para 2025. Não dá para explicar a loucura grená, como canta a torcida”.
SONHOS REVIVIDOS
Andrey admite que, antes de chegar o Guarani, recebeu proposta de outros clubes do Espírito Santo, mas nenhuma lhe encheu os olhos:
“Camisa no Espírito Santo somente a da Desportiva. Eu sentia que estaria traindo o amor da torcida se fosse para outro clube do Estado. Até hoje estou tentando entender tudo isso, é surreal”.
Andrey chegou para a Desportiva como terceiro goleiro na Copa ES de 2024. O primeiro e o segundo goleiros não atravessavam bons momentos. O titular se machucou e ele entrou como titular contra o Vitória em 11 de maio de 2024.
“Já entrei de forma decisiva. Fiz duas defesas muito importantes e a torcida foi criando essa identidade”.
Os sonhos de ainda conseguir jogar em alto nível foram reavivados.
“Eu gosto muito de ler sobre o poder da mente. Gosto de mentalizar. Às vezes fico igual a maluco. Arquibancadas vazias, eu olho e fico mentalizando a torcida. Parece coisa de doido, mas eu antecipo a emoção. Tinha dia que eu saía do clube e caminhava a pé até minha casa pensando na torcida, nas vitórias. A gente joga para o universo e fica rodando até que um dia volta”.
E, de novo, as lembranças de passado recente.
“No último clube que joguei antes de vir para Desportiva, comi comida azeda, vesti uniforme molhado, vestiários alagados. Foram muitas dificuldades, trabalhei e não recebi. A Desportiva salvou minha vida profissional, aqui eu voltei a sonhar. Quando chegou a proposta do Guarani, um clube gigante, que já foi campeão brasileiro, primeiro eu não acreditei. Depois, vi que era um presente divino. Na despedida de meus colegas da Desportiva falei com eles: trabalhei muito para receber de volta coisas boas, mas não dessa forma”.
Andrey com a mãe, Dulcineia, na Páscoa de 2024 (Foto: arquivo pessoal)
ORAÇÃO DE MÃE
Tudo o que Andrey deseja é recuperar sua história, ser respeitado pelo que faz em campo. E tudo está acontecendo muito rápido. Do céu ao inferno e de volta ao céu em apenas cinco anos. Em 2018, foi eleito o craque da Copa do Nordeste, quando foi campeão pelo Sampaio Correa (MA), na final contra o Bahia. E vem dessa época uma de suas melhores memórias.
“Tínhamos vencido em casa por 1 a 0 e no jogo de volta, na Arena Fonte Nova lotada, empatamos de 0 a 0 e fomos campeões”.
Andrey: campeão e craque da Copa do Nordeste de 2018
Nesse dia, Andrey diz que fez a defesa mais difícil e mais importante de sua vida.
“Aos 51 minutos do segundo tempo, o Júnior Brumado (atacante do Bahia) ficou cara a cara comigo. Dei um pulo na direção dele. A bola bateu na minha costela, subiu e desceu rente a trave, e escorregou pela rede do lado de fora. Foi uma defesa como um gol do título”.
Depois desse momento glorioso, porém, a carreira desandou, levando Andrey a pensar que nenhum sonho mais poderia ser alimentado e que tudo estava acabado.
“Quando minha mãe me ligou no último clube em que estava antes de vir para o Espírito Santo, eu desabafei com ela sobre tudo o que eu estava passando. E ela me disse: Filho, tenha calma. Vou orar para que Deus abra as portas de um clube bom para você”.
Foi nesse momento que apareceu a Desportiva.
“Como disse, não conhecia nada do clube. Eu pensava num time da Série C ou D. Pensei comigo: mas esse é o clube bom que minha mãe falou? Somente com o tempo entendi que era sim. Foi a Desportiva que me fez voltar a sonhar, sentir o amor da torcida, me encontrar a tal ponto que um dia é nessas terras que eu quero morar”.
Ao se transferir para o Guarani, Andrey vibra com a possibilidade de voltar a ser visto e realizar o sonho de jogar num time da Série A.
Alegre e divertido, extremamente trabalhador dentro de campo, como atestam seus companheiros, comissão técnica e dirigentes grenás, Andrey assume a mesma responsabilidade pelos últimos cinco anos sombrios de sua carreira.
“Estou tendo uma nova oportunidade porque mudei fora de campo. Comecei a colocar limites na vida. Ninguém é culpado de nada, sou totalmente responsável pelo que acontece de bom ou ruim comigo. Quando era jovem, comecei a copiar o comportamento de jogadores que eram referência, mas não percebia que eles já estavam com a carreira feita. Pessoas boas começaram a aparecer em minha vida”.
Dentre essas pessoas, Andrey cita seu empresário Paulinho Braziliense.
“Foi meu amigo Júlio Rezende (jogador do Bahia) que me indicou o Paulinho, que não gosto nem de dizer que é meu empresário, é meu amigo. Ele trabalha numa empresa grande de agenciamento. Antes, só levava jogadores para essa agência, depois se integrou ao time. Paulinho é um cara que muda a vida do jogador e sempre me dizia: Fica firme, uma hora você encaixa”.
AS DORES
Andrew, 23 anos, irmão de Andrey, já fez 100 jogos como goleiro do Gil Vicente, de Portugal.
Andrew e Carlos Henrique, do Gil Vicente
Outro irmão, Carlos Henrique, cria do Atlético Mineiro, campeão pan-americano pela Seleção Brasileira, foi levado por Andrew para o Gil Vicente, onde joga nos aspirantes. É para eles que o “Pantera” transfere seu sonho de disputar a Champions League.
“Meu sonho era jogar a Champions League, hoje é voltar à Série A, mas que meus irmãos joguem a Champions”.
O filho mais velho de Andrey, Enzo, com 12 anos, está começando a carreira de goleiro e um dos objetivos do pai é inspirar o filho a dar uma direção brilhante à carreira. Todos os sonhos estão reativados.
Mas nada é sem dores, e Andrey tem as suas muito latentes. A mais recente, a perda da mãe.
Nesta sexta-feira, 11 de abril, quando pisar a grama para o primeiro treino do Guarani, estará fazendo um ano que sua mãe, Dulcineia Marinho Neto da Silva, morreu.
“Eu fui ao Rio na Páscoa do ano passado. Fiquei fazendo coisas e somente fui vê-la no último dia e voltei para retomar os treinos. Onze dias depois, eu estava no treino na Desportiva quando o telefone tocou e recebi a notícia. Meu mundo caiu. Ela era sempre forte, tinha 52 anos. Foi tudo muito duro”.
No enterro da mãe, ocorreu um fato que vem ao encontro de um detalhe que acompanha Andrey desde que estreou no Botafogo como titular e que poucos notam: o número de sua camisa.
“Eu tinha 15 anos quando perdi meu pai (Valmir Ventura). Doeu muito. Ele sofreu um AVC e morreu depois de nove dias. Tinha 42 anos. O sonho dele era ver minha estreia no Botafogo. E não viu. Quando fui pegar a camisa, só tinha a 42. No primeiro momento, não percebi nada. Depois, pensei: caramba, meu pai morreu com 42 anos. Essa é uma homenagem a ele. E nunca mais tirei o 42 da camisa”.
No enterro da mãe, que estava a uma semana de completar 52 anos – “havia umas 300 pessoas” -, uma pomba branca pousou no muro do cemitério, como se acompanhasse o enterro.
“Alguém fez a foto. Minha cabeça aparece no canto esquerdo e quando vi quase caí de costas. Há marca no muro com números. Abaixo da pomba estava 642 e ela pousou exatamente na direção do 42…”
A pomba branca acima do 42, no enterro da mãe de Andrey
Quando fala da mãe, Andrey desaba em choro compulsivo ao se lembrar do primeiro aniversário da partida de Dulcineia. Em honra dela e do pai quer retomar a vida profissional em grande estilo e poder orgulhar os filhos Enzo, Vitória e Lorena.
“Mas duas mulheres fizeram muita diferença em minha vida. Viveram os meus melhores momentos e continuaram comigo nos piores: minha mãe e minha esposa, Samira. É por elas, pelo meu pai, pelos meus filhos, pelos meus irmãos que vou em frente”.
Como goleiro, Andrey sabe que pode ir longe, como seu ídolos, Dida, Jeferson e Fábio, que aos 45 anos ainda é disputado por grandes clubes da Série A.
RAÍZES
E, ainda para além disso, Andrey pensa nas suas dezenas de “primos e tios” na comunidade Quilombola de Monte Alegre, no Sul do Estsdo, de onde seu pai, Valmir, saiu para tentar a vida no Rio de Janeiro.
“Fui lá, conheci tias e tios com 90 anos. A tradição que meu pai mantinha. Ele havia me trazido com cinco anos, mas eu não me lembrava de nada. Aproveitei que estava na Desportiva e fui visitar minhas origens, que estão aqui no Espírito Santo”.
E se inspirou nas histórias de seus antepassados.
“Contaram histórias de meu bisavô e isso muito me emocionou. Eu quero crescer, jogar a Série A, jogar em grande estilo. E quero que a Desportiva cresça. Quem sabe lá no final eu possa voltar e encerrar a carreira com a 42 grená e correr para os braços da torcida para comemorar um título!”
PERFIL
ANDREY VENTURA – goleiro, 31 anos, nascido no Rio de Janeiro (17.07.1993), 1,90 metro
Clubes: Botafogo (2011-2014), Botafogo-SP (2015), Cabofriense (2016), São Bento e Volta Redonda (2017), Sampaio Correa (2018), CRB (2019), Treze e Sampaio Corrêa (2020), Volta Redonda (2021), Altos (2022), Juazeirense, Galícia, Manau e Inter de Lages (2023), Itabuna (2024), Desportiva (2024 e 2025), Guarani-SP (2025).
Seleção Brasileira: Sub-23 Pan-americano (2015)
SAIBA MAIS
COMUNIDADE QUILOMBOLA MONTE ALEGRE
A Comunidade Quilombola de Monte Alegre fica a 37 quilômetros do centro de Cachoeiro de Itapemirim, pela BR/ES 482, no trecho que liga Cachoeiro a Alegre, no Sul do Espírito Santo.
A entrada é no trevo de Burarama. Para chegar à comunidade, o caminho fica á direita, na altura da fazenda experimental do Incaper e são 5 quilômetros de estrada de chão.
A comunidade foi formada no final do século XIX, por volta de 1888, ano da Abolição da Escravatura no país, e representa um importante momento de resgate cultural e forte significação para os seus descendentes.
A comunidade é formada por aproximadamente 600 pessoas, dessas, pelo menos 500 são descendentes diretas de pessoas escravizadas. Tem seus atrativos como: a capoeira, dança afro e o Caxambu – dança popular africana de letra simples e forte significação, que embala o turista pela música e as fortes batidas dos tambores.
Os turistas que visitam a comunidade ocupam o centro da roda e mergulham na cultura e na história desses descendentes.
A comunidade trás opções de caminhadas em trilhas ecológicas e interpretativas no interior da Floresta Nacional de Pacotuba. No decorrer da trilha poderão ser observadas árvores nativas, que, por suas dimensões, têm idades estimadas em mais de 500 anos.
Além de plantas com propriedades medicinais e a possibilidades de observação de animais silvestres nativos da Mata Atlântica, como o Macaco Prego, Bugio (barbado) e esquilos.
A comunidade oferece ainda, uma rica gastronomia afro-brasileira servida no almoço com pratos típicos como: angu de banana verde com bacalhau, feijoada e pela égua.
*José Caldas da Costa, jornalista há mais de 50 anos
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