*Erly dos Anjos
Quando o presidente Lula comemorou a indicação do ministro Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal assinalou com uma provocação: “Agora temos um ‘comunista’ no Supremo!”.
Como alguns, tive a impressão de que seu comentário era mais uma bravata, de seu modo livre de ser e com o qual já estamos nos acostumando. Acompanhei na tv a opinião de alguns comentaristas que insistem afirmar que o presidente só queria tirar um “sarro” com alguns bolsonaristas mais radicais, sendo irônico ao rotular de “comunista” seu ministro mais popular.
Outros, mais críticos, achavam que Lula aposta nessa tendência mais esquerdista de Dino, mesmo que ele mesmo nunca tenha se tachado um comunista de raiz. Sinal de que o termo, como muitos, perdeu seu sentido mais restrito e é usado até pejorativamente.
Afinal o que pode estar por trás desta categoria, em geral, usada para se referir a alguém que pensa diferente daqueles tidos como conservadores – que se dizem- defensores das tradições, da família, liberdade e manutenção da ordem social (e moral)? Um assunto que sempre preocupou estudiosos das ciências sociais e que merece algumas palavras aqui, mesmo que sintéticas e informais.
É bom lembrar que o termo é usado para uma variedade de razões e com diferentes significados. Muito deles difíceis de se entender, como por exemplo, a discussão sobre o uso de câmeras nos uniformes de policiais pelo governador Tarcísio de São Paulo.
Pode-se até compreender porque políticos e outros que se identificam com tendências mais conservadoras e reacionários são contra os direitos humanos, ao ensino sexual nas escolas ou às questões referentes a preservação ambiental. Mesmo que estas não sejam necessariamente bandeiras consolidadas em lutas de partidos políticos das esquerdas!
Adotar o termo comunista hoje não condiz com a trajetória de partidos das esquerdas discutido por especialistas. Recomendo uma leitur plausível sobre o assunto no livro “A Crise das Esquerdas”, organizado por Aldo Fornazieri e Carlos Muanis (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017, 2ª ed., 264 pgs).
Sou de opinião que, diante dos debates as vezes insossos e bipolares entre esquerda e direita, que se embaralharam hoje, a melhor saída é refletir os caminhos e descaminhos destas tendências políticas e filosóficas. Isso permite que se fuja, às vezes, da idolatria, de uma tendência única (e cega) e passa a uma postura mais equilibrada e crítica sob o que temos a frente, no Brasil e no mundo.
Uma primeira observação sobre o tema é que o “modo de produção comunista”, tal como pensado por Karl Marx, nunca foi atingido por nenhuma sociedade a contento. É uma visão utópica e um estágio superior numa escala de evolução da sociedade humana que pode ou não vir após ter se chegado ao socialismo e ao fim do capitalismo.
O próprio Marx se propôs a estudar, especificamente, o modo de produção capitalista e discute pouco sobre outros estágios. É interessante que o rótulo de socialista não causa tanto afronto e não é visto como ameaçador. O comunismo, como pensado, seria uma transição para o fim do socialismo e do capitalismo que, como sabemos, não se consolidou no mundo.
Como sabemos, o capitalismo entra em contradição, sofre com as crises econômicas, mas se fortalece e até se funde a regimes políticos e autoritários de sociedades ditas comunistas de fato.
O debate sobre a transição de “modos de produção” econômica, social e política requer reconhecidamente se aprofundar mais. Chamo aqui atenção para o uso e abuso de categorias que só “jogam lenhas na fogueira” de um debate entre tendências políticas que só faz afastar pessoas que antes conversavam amistosamente e aprendiam mais uns com os outros.
Paramos de ter perguntas e dúvidas sobre questões ainda abertas, em contradições da teoria entre teoria e prática (que é assim que se formula o conhecimento), para trocas de farpas e xingamentos.
Erly Euzébio dos Anjos – Sociólogo, professor aposentado da UFES
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