Weber Andrade*
Morar em Portugal me trouxe grande aprendizado. Passei a gostar mais de lá do que de cá, confesso sem nenhum pudor. E teria vivido por lá o resto dos meus dias, não fossem circunstâncias que fugiram ao meu controle. Já se vão 11 anos desde que retornei para passar uma temporada de 3 meses, rever minha mãe, ganhar algum dinheiro com a política…
Por lá, meu trabalho era bem diferente, vivia de entregar papéis: propagandas de lojas, panfletos, e, principalmente um jornal, ironia do destino, para o qual eu sonhava escrever um dia. Era uma hebdomadário – Dica da Semana – editado por uma grande rede de supermercados alemã, Lidl.
Cerca de 3 milhões de exemplares eram entregues casa por casa, aldeia por aldeia, todos as semanas e eu compunha uma equipe que entregava algo em torno de 15 mil, 20 mil tablóides por semana, na região central portuguesa, nomeadamente, Figueira da Foz, nossa base, Coimbra, Montemor-o-Velho, Soure, terra do escritor Fernando Namora e Ansião.
Mas, aos finais de semana, sempre retornava à Grande Lisboa, mais precisamente ao bairro de Agualva, em Sintra, que nós brasileiros, erradamente chamávamos de Cacém, bairro que ficava bem ao lado. Quase todos da equipe moravam por lá e saíamos aos domingos ou segundas-feiras para o trabalho na região central.
Mas não foi isso que me motivou a escrever hoje sobre Portugal e sim as feiras livres que tive oportunidade de frequentar aos sábados ou domingos, na região do Cacém, em Monte Abrão, ou seria Massamá, já nem me lembro bem.
As feiras por lá são um pouco mais organizadas do que as de cá, quase não há consumo de alimentos no local, embora os brasileiros tenham conseguido introduzir por lá os pastéis de vento e as africanas ficassem pelas bordas, vendendo clandestinamente deliciosos torresmos, feitos de toucinho de barriga, grandes e quadrados, com cerca de 15 centímetros de cada lado.
Mas, quem dominava mesmo as feiras livres eram os ciganos. Na verdade, as ciganas, que são as que trabalham de verdade. Os machos, como os leões, ficavam por perto vendo as patroas ganharem o pão. Vendiam muita roupa: calças (gangas), camisas, vestidos, roupas íntimas (calcinhas ou boxes para os homens) e cuecas para as mulheres, peúgas (meias), além de roupa de cama, mesa e banho e calçados.
Em uma manhã de sábado, fui ter à feira – é assim que os portugueses dizem quando vão a algum lugar sozinhos ou para encontrar com alguém: vou ter contigo no café do Arapinha, por exemplo – para espreitar os preços e ver se o dinheiro dava para comprar umas peúgas, que o inverno vinha chegando e lá é rigoroso.
Estava distraído, olhando uns embutidos no fumeiro, louco de vontade de comer um pão com chouriço, quando escuto o grito quase agoniado de uma cigana que havia subido na sua banca de roupas, com um vestido típico, bem florido, vermelho e rodado a alcançar-lhe os pés:
-Aiiiiiiiiiiiiiiiiiii, aiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, aiiiiiiiiiiii que estou a dare, aiiiiiiiiiiiii que estou a dare.
Fiquei pasmo, mas ao lado dela a feira seguia seu ritmo e ninguém lhe dava muita atenção. Aí a cigana, se explicou:
-É um éuro, é um éuro, tudo aqui a um éuro, aiiiiiiiiiiiiii, que estou a dare….
*Weber Andrade é editor de conteúdo do site TNL
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