Usiel Carneiro de Souza*
A missão de um cristão no mundo é majoritariamente traduzida pelo dever de levar outros a aceitarem sua fé. Na prática significa levar outros a mesma visão de Deus, da vida, das pessoas, do que é certo e errado… etc. Esse conjunto de crenças e valores a ser transferido é entendido como o mais fiel retrato da revelação de Deus.
E é aí que nos dividimos em muitos caminhos que podem ser classificados de várias formas. Uma delas pode ser o grau de proibições diante da vida. Igrejas mais ou menos restritivas, com seus sistemas de culpa e mérito. Outro pode ser o grau de literalidade aplicada à Bíblia. O que gera ideias e sentimentos de fidelidade e juízos de infidelidade. Nesse caminho celebra-se a “sã doutrina”. A verdade é que essas ênfases tem feito muito pouco por nós mesmos e pelas pessoas que consideramos alvo de nossa missão. Há mais orgulho e presunção que relevância em nossa presença na sociedade.
O maior mandamento, e que por meio dele todos os outros encontram cumprimento, está no amor, segundo compreendeu Paulo. E, sejamos sinceros, quanto ao amor temos muito a aprender e, infelizmente, dele guardamos certa distância e, porque não dizer, desconfiança. Há quem julgue ser a ênfase no amor, no dever de amar e na celebração do fato de que somos amados incondicionalmente por Deus, um desvio. Uma corrupção do Evangelho. Pouco demais para uma vida cristã verdadeira e completa. Pessoalmente acho o contrário. Creio ser o começo, meio e fim do ensino de Jesus e a única maneira de segui-lo de verdade. É o máximo a se dizer. É a Boa Nova!
O dever de amar as pessoas e a notícia do amor de Deus me diminuem. Sinto-me frágil, pequeno e indigno diante disso. Mas ao mesmo tempo: feliz, esperançoso e animado para a vida. Creio ser essa a missão cristã: amar. Levar outros à fé que nos alcançou é tarefa do próprio Deus. E a fé que nos alcançou não é do tamanho e nem tem a forma que eu lhe dou ou deram antes de mim. Ela supera tudo. Então, reverentemente, preciso com calma lidar com a fé alheia. E devo insistir no amor. Vendo assim tudo é tão pequeno e grande, simples e complexo. Sigo encantado. Perplexo. Sou grato!
A missão cristã, obviamente, dirige-se também aos cristãos. Nossa fé nos convida a lidar uns com os outros, aprender uns com os outros; fortalecer, consolar, inspirar, corrigir, refletir, repensar, procurar por Deus… Essa é a ideia de sermos igreja. Palavra não traduzida nas traduções da Bíblia e assim, facilmente institucionalizada. Deixou de ser um ajuntamento de pessoas para se tornar outra coisa. Algo a que pessoas aderem e servem. Um lugar com sentido e critérios de pertencimento próprios. Você não percebe algo de diferente entre as ideias do Evangelho e o que nossas igrejas se tornaram?
Repensar nossos caminhos constitui-se também parte de nossa missão. Nossas igrejas precisam ser comunidades de Jesus. Comunidades que não funcionem baseadas em eventos e não confundam suas liturgias com o culto cristão. Baseadas em relacionamentos (algo bem desafiador e necessário) e que entendam suas liturgias como recursos didáticos para ensinar o culto cristão. Que se dá no cotidiano, na harmonização da vida com Deus pelos caminhos do Reino. Se dá na celebração do amor de Deus e nos atos de amor o próximo. Pensar que causamos agrado em Deus com nossas liturgias é fazer de Deus um ídolo a espera de oferendas. Nossa liturgia funciona (se funcionar) de nós para nós mesmo. Até podemos contar com o auxilio divino, mas a ideia é que ela nos instrua, nos provoque a olhar pro lado e ver o outro, a vida. Leve-nos a discernir os caminhos do amor, da misericórdia, da graça, do Reino.
Nas comunidades de Jesus a diversidade não é um problema e a uniformidade não é um alvo. A grandeza está no serviço e a maturidade no amor. A santidade é saúde e produz relacionamentos bonitos, atitudes acolhedoras. O santo é um ser humano autêntico, sem hipocrisia, que manca suas fraquezas e conversa com Deus.
Talvez devamos esvaziar mais a agenda, cancelar os ensaios, cessar o corre-corre. Simplificar os encontros e avançar para conversas mais francas, leituras mais verdadeiras das Escrituras, olhares mais honestos para a vida e para nós mesmos. Sem isso não nos apropriaremos da Graça ofertada. Seguiremos pensando que ela é menos do que é e que nós somos mais do que somos.
* Usiel Carneiro de Souza é teólogo, administrador e pastor da Igreja Batista da Praia do Canto (Vitória – ES)
Comente este post