Desafiando gigantes. O titulo do filme norte-americano que tem o propósito de mostrar que a fé em Deus, a motivação correta e a ação diligente podem levar à superação de qualquer medo, bem pode ser aplicado a um capixaba que nasceu numa cidade pequena cidade do interior, estudou em escola pública, rompeu barreiras e atualmente lidera a maior disrupção do setor automotivo brasileiro das últimas cinco décadas.
Flávio Figueiredo Assis não é engenheiro e não sabia nada de construção de automóveis. Nasceu em Guaçui, na região do Caparaó, na porção Sul do Espírito Santo, e na juventude, como a maioria dos jovens de sua geração, deixou o interior em busca de melhores oportunidades na cidade grande. De sua terra, muitos saíam para o Rio de Janeiro. Ele foi para Vitória.
Foi ser bancário, uma porta de inclusão na classe média em sua geração. Trabalhou no Banco Real, enquanto cursava Contabiliade e, depois, Direito. Mas no cabeça pulsava o desejo de empreender. Especializou-se em incentivos fiscais e criou uma assessoria contábil, a Financial Contabiliade, em 1996, com mais de 400 clientes. Capitalizou-se e criou, em 2013, em Vitória, a Lecard Cartões de Alimentação.
GRANDE SALTO
O grande salto deu-se em 2022, quando, depois de fazer a Lecard acumular milhões de clientes, vendeu sua participação para, enfim, partir para o grande projeto de vida, que guardou sob segredo durante um ano e meio até 26 de dezembro de 2023, quando, finalmente, apresentou para o Brasil e o mundo sua grande sacada: o Model 459, o protótipo do primeiro carro elétrico brasileiro, que espera colocar no mercado no início de 2025, depois dos testes de segurança e homologação em um laboratório da Inglaterra.
“A ideia surgiu quando me deparei com uma lei de 1993 que regulamenta a redução de emissões de CO2 de veículos até 2027. Ou seja, a partir de 2028, não se produzirá mais carro a combustão. Vi nisso uma oportunidade e agarrei”, conta o inovador capixaba, que relata a intenção de que o investimento total seja de R$ 1,1 bilhão no negócio.
A empresa tem sede em Alphaville, São Paulo, e planta industrial em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, e conta com 30 profissionais da área de engenharia automobilística com passagens em empresas como Gurgel, Troller, JPX, Nissan e Marcopolo. Aliás, desde que o engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel fundou, em 1969, a sua Gurgel Motores S/A, que não se verificava nenhuma iniciativa disruptiva nesse nível no Brasil.
CINCO DÉCADAS
O mercado nacional foi invadido pelas marcas internacionais a partir da abertura às importações feitas pelo presidente Fernando Collor de Mello (eleito em 1989, nas primeiras eleições diretas brasileiras para Presidente desde 1960, e cassado em 29 de dezembro de 1992), sob alegação de “os carros brasileiros são uma carroça”, e matou iniciativas como a de Gurgel, que já é morto. Ele fabricou 30 mil veículos ao longo de 27 anos.
Mas, se o que queria Gurgel era entregar veículos robustos “para nossas condições” 100% nacionais, o empreendedor Flávio Figueiredo está indo além e explora o que o mercado pede e o que os fornecedores podem oferecer. O seu veículo começa com 65% de peças nacionis e 35% importadas da China. Motores e baterias virão do fabricante chinês Winston, e o restante será produzido no Brasil.
Neste mês, o protótipo do carro está seguindo para homologações em Londres, em uma etapa que durará nove meses. Depois disso, entrará em linha de produção e deve estar disponível ao mercado a partir de dezembro de 2024. A estimativa é de produção de 300 veículos por mês já no primeiro ano de fabricação, criando 600 empregos diretos e R$ 1 bilhão de faturamento.
Ele destaca ainda que a empresa pretende investir em tecnologia para reduzir a dependência de peças importadas da China em um segundo momento da produção. Afinal, 97% da matéria-prima usada para as baterias elétricas está no Brasil (lítio, cujas novas e grandes jazidas começam a ser exploradas no Vale do Jequitinhonha e há possibilidades de que existam também no Noroeste capixaba) e uma das maiores fábricas nacionais de motores, a WEG, está em Linhares, no Norte do Espírito Santo.
“Eles dominam esse mercado e são, junto com os Estados Unidos, a única alternativa viável. No entanto, vamos investir pesado em pesquisa e desenvolvimento para, em poucos anos, ter nossa autonomia em todas as etapas de produção”, destaca o empresário.
AUTONOMIA
Seu fornecedor, Wiston, fornece também para outras duas gigantes do setor: Volkswagen e Hyundai. Os contratos fechados com vários fornecedores preveem a transferência de tecnologia e cooperação técnica, científica e operacional, o que viabiliza uma fábrica de células de bateria e motores elétricos no Brasil, permitindo a autossuficiência na produção de carros elétricos.
O Model 459 tem autonomia de 400 quilômetros, essencial para atender às necessidades de deslocamento diário e viagens mais longas. Possui tecnologia avançada, com um interior moderno, com bancos no estilo de cadeiras gamers e um grande monitor central para controle das funções da cabine. O valor ainda é fora do alcance da maioria dos brasileiros no primeiro momento – previsão de custar R$ 260 mil -, mas nos planos de Figueiredo está, em pouco tempo, fabricar veículos abaixo de R$ 100 mil.
“Esse valor de R$ 279 mil está com uma carga tributária de 43%. Se conseguirmos o mesmo incentivo fiscal dado às montadoras chinesas, ele cai para R$ 156 mil para o consumidor final. Nosso próximo modelo, o Lecar POP, será uma versão popular e, se também conseguir os incentivos, ficará com preço abaixo dos R$ 100 mil”, assegura o empresário.
O capital investido é 100% próprio, resultado da negociação da Lecard, mas a expectativa é fazer o IPO (oferta pública inicial) em 2025. Em cinco anos, a Lecar pretende produzir 50 mil carros por ano, com geração de 6 mil empregos diretos e R$ 13 bilhões de faturamento anual.
A empresa pretende, ainda, criar um plano de assinaturas, mudando a cultura da posse para a de acesso. A assinatura base para o plano de locação de 36 meses será oferecida por aproximadamente 3% do valor de venda para uma quilometragem mensal de 1 mil km.
“As pessoas não precisam ter um carro, o que elas precisam é de mobilidade”, argumenta Flávio Figueiredo Assis. O foco inicial das vendas será na Grande São Paulo, mas Assis destaca que o objetivo é uma expansão nacional, inclusive no Espírito Santo.
ABASTECIMENTO
Entre São Paulo, Campinas e São José do Campos, a empresa irá investir em uma rede de infraestrutura para recarregamento de bateria. Também está previsto, já para 2025, a criação de uma rede de carregamento próprio ao longo de toda BR-101, com carregadores rápidos disponíveis a cada 150km da rodovia. Até 2030, a empresa espera oferecer cobertura total nas principais rodovias do País.
“Nosso modelo de negócio são pequenas plantas, que vão montar, distribuir e prestar assistência técnica. Então com certeza quando formos para o Espírito Santo, vamos colocar uma planta no Estado para fabricar, distribuir e prestar assistência técnica. Esse é o nosso modelo de crescimento”, detalhou.
Questionado se os carros elétricos da Lecar serão autônomos, Assis explica que haverá um assistente de direção, mas o código de trânsito brasileiro prevê que não se pode conduzir um veículo sem a mão ao volante. “Teremos muita assistência à direção, porém, no limite da legislação”, explica.
Por essas e outras é que Flávio Figueiredo já está sendo visto como o Elon Musk tupiniquim e a a sua Lecar como a “Tesla brasileira”, remetendo-se ao hoje bilionário sul-africano Elon Musk, naturalizadoi estadunidense, que, ao contrário de Flávio, foi bem nascido e hoje lidera dois dos negócios mais audaciosos do mundo: a Tesla, que produz carros elétricos, e a Spacex, que constroi espaçonaves e tem projetos de povoar Marte. (José Caldas da Costa com informações da Lecar S/A)
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