Já se passou uma semana e temo que o assunto já possa estar ultrapassado para alguns. Ainda assim escolhi fazer dele o assunto desse nosso papo semanal. Em parte porque o fato é simbólico e indicativo de um movimento que tem protagonizado e protagonizará outros. E em parte porque ele me afeta como pastor evangélico. Então, mesmo sob o risco da obsolescência, gostaria de sinalizar algumas percepções quanto ao ocorrido.
Primeiro declarar, digamos, minha desconfiança de que a iniciativa da Baby (que já foi “do Brasil” e agora é “das Nações” devido à certeza de fé) ao falar em Apocalipse e arrebatamento num trio elétrico em pleno carnaval baiano, não foi resultado de uma inspiração do momento, mas parte de algo que lhe ensinaram sobre estar em missão. Sobre marcar espaços públicos em nome de uma pretendida autoridade espiritual.
Refiro-me ao que alguns chamam de Teologia do Domínio. Em breves palavras, ela proclama a missão de penetrar espaços públicos e ocupar posições de poder para, de lá, agir e espiritualmente marcar posição visando o que consideram uma restauração da sociedade. Na prática, a ideia é que a sociedade seja levada a enquadrar-se nos padrões éticos e interpretação que esses grupos religiosos têm sobre a vida.
Além da igreja como lugar para o exercício de sua autoridade espiritual, a missão inclui ganhar espaço na educação, ciência, economia, negócios, governo, cultura e entretenimento.
Em segundo lugar, lamentar a contribuição que foi dada pela Baby para reforçar a compreensão equivocada sobre o texto bíblico. No caso, ao citar o nome de um dos livros do Novo Testamento (Apocalipse) e a ideia do arrebatamento. Há muito o livro do Apocalipse inspira ideias pavorosas envolvendo realidades espirituais diante das quais estaríamos vulneráveis e impotentes.
O que tantos desconhecem é que este texto bíblico é parte de um tipo literário cuja natureza é o enfrentamento de poderes terrenos, governos ímpios e sociedades injustas. Escrito para fortalecer o ânimo e dar esperança. E é importante sublinhar que o texto do Apocalipse não fala sobre arrebatamento! Este aparece nos escritos de Tessalonicenses. Uma carta do apóstolo Paulo.
Em terceiro lugar, me incompatibilizar com líderes religiosos que têm feito leituras espiritualizadas daquele momento, percebendo medo na Ivete ou louvando a coragem da Baby. Cada vez mais o Evangelho de Cristo tem sido ocultado pelo jogo de luzes e fumaça, pelas manifestações, atitudes e rompantes de determinadas lideranças. A simplicidade, leveza e beleza do Evangelho é o que deveria caracterizar os que se declaram seguidores de Cristo.
Bem, como disse, acredito que seguiremos assistindo a manifestações públicas que poderão mais comprometer do que contribuir para uma melhor compreensão do Evangelho. Mas sei também que, anonimamente, há um exercito de pessoas que verdadeiramente experimentam as manifestações graciosas de Deus. E as evidências disso passam pelo bem que ofertam.
Afinal, segundo as Escrituras, se convivemos com Deus, o amor, a alegria, a paz, a paciência, a amabilidade, a bondade, a fidelidade, a mansidão e o domínio próprio serão características que nos marcarão.
Termino dizendo que não condeno a Baby por dar o que seus líderes evangélicos lhe ensinam. Por outro lado, achei a reação da Ivete apropriada para o momento. Um rompante enfrentado com outro! Mas lamento o fato.
Considero-o descabido e inapropriado. Lamento o tipo de imagem que ele transmite da fé evangélica. Lamento a pobreza e irresponsabilidade com que a Bíblia segue sendo lida e usada.
Bem, estamos apenas no começo do ano. Vejamos o que mais nos aguarda!
Comente este post