Um assunto presente na mídia nos últimos dias relaciona, de forma intrigante, o púlpito (o nome dado ao lugar de onde o pastor fala) e o fisco.
Para os não informados, o assunto tem a ver com um Ato Declaratório Interpretativo (ADI) da Receita editado em 2022 que ampliou os benefícios fiscais para pastores. Não apenas isso, o referido ADI abriu caminho também para o cancelamento dos atos de fiscalizações que impuseram multas a igrejas e pastores que estariam driblando o fisco em seus repasses financeiros.
Há igrejas com dívidas altíssimas junto ao fisco devido a tributos não arrecadados e multas. Segundo declaração da auditoria da Receita, por meio de nota publicada pela revista Exame, “a aprovação do ADI pode, em tese, representar infração disciplinar e potencial ato de improbidade administrativa, ao conceder benefícios fiscais sem observar as formalidades legais e regulamentares, dependendo de confirmação de elementos como dolo e lesão ao erário”.
A Receita Federal suspendeu a eficácia do referido ADI por meio de outro e então a bancada evangélica partiu para o ataque, em defesa dos pastores.
A luta por benefícios fiscais é normal no país. Uma exposição dos já existentes chocaria a população, que normalmente está muito pouco informada sobre o assunto. Pela identidade que os pastores e a bancada evangélica teoricamente têm com o Evangelho, a questão não repercute bem.
Acredito que a maioria dos pastores evangélicos concordaria e, considerando inclusive o espirito cristão, faria outras lutas.
Há uma injustiça evidente na questão tributária brasileira e ela não deve justificar desonestidades fiscais ou lutas egoístas, mas estimular esforços por mudanças para o bem de todos nós.
Se cada setor lutar pelo seu quinhão (como normalmente acontece), os mais frágeis e necessitados sempre perderão. A questão tributária exige uma boa dose de ética. Não sou especialista, bem como não o é a maioria que lerá este artigo, mas me parece que uma visão básica é possível e fundamental na questão. Um ponto de partida que mais tem a ver com perspectivas sócio-econômicas do que com complexidades tributárias.
Nossa luta deve ser na direção de reduzir tributos dos gêneros de primeira necessidade. No que possibilitaria uma melhoria na vida, especialmente das classes menos favorecidas. Em média pagam-se 22% de impostos sobre gêneros alimentícios!
É certo que reduzir impostos exigiria compensação em outro setor. Essa compensação precisa ser feita nos artigos considerados de luxo. Por exemplo, um jetski que no passado recente foi objeto de redução tributária. E, pelo amor de Deus, iogurte não deve ser considerado artigo de luxo!
Por outro lado, os gastos públicos também são um problema pois pressionam por arrecadação e forçam impostos. Talvez um primeiro ajuste necessário seja quanto ao custo de nossos representantes e dos que exercem altos cargos no serviço público.
O Congresso brasileiro, por exemplo, é o segundo mais caro do mundo, ficando atrás somente do Congresso americano. Cada parlamentar brasileiro custa US$ 5 milhões por ano, cerca de R$ 24 milhões. Isso está longe de ser aceitável!
Mas, o ponto que realmente desejo tocar, considerando o caso dos pastores e da bancada evangélica, é a relação natural que deveriam ter com a fé cristã e o Evangelho de Jesus Cristo.
Uma relação que, necessariamente, endereçaria seus esforços para uma sociedade mais justa e igualitária, e não para vantagens de nicho. Uma relação que deveria promover lutas públicas pela maioria dos pais, mães e crianças brasileiras, para que vivam com dignidade e não carentes do mínimo indispensável como tanto acontece.
Afinal, o Evangelho de Jesus é fundamento incontestável para a prática do amor ao próximo e para que se tenha compromisso firme com o bem comum.
No espírito do Evangelho não cabe o “farinha pouca meu pirão primeiro”! A partilha da farinha e a luta para aumentar as provisões é o que ele inspira.
Se a bancada evangélica levantasse sua voz em favor de todos e não apenas de seu curral eleitoral, estaríam fazendo uma declaração maravilhosa que, em muito, contribuiria para restaurar a importância e beleza do Evangelho e da fé cristã no coração dos brasileiros. Devemos ter esperança?
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