*José Caldas da Costa
Durante décadas, “seu Ary” não perdeu um único enterro em Alegre, na região capixaba da Serra do Caparaó, no Sul do Estado. Ainda me lembro que ele “disputava” com o velho amigo Antônio Lemos Junior, que também foi prefeito como ele, a participação nos enterros.
Se tinham uma disputa, seu Ary ganhou: há 40 anos estava no enterro do velho amigo e sua fiel esposa, dona Maria, que morreram juntos (como juntos viveram por décadas) num acidente fatal no ano seguinte ao fim se seu último mandato de prefeito.
Até há bem pouco tempo, seu Ary, mesmo centenário, tinha disposição de atender à convocação para as despedidas de mais um alegrense. Fosse quem fosse, rico ou pobre, preto ou branco, crente ou ateu.
O Alegre de minha infância, adolescência e juventude mantinha uma tradição: quando alguém morria, um carro de propaganda volante percorria a cidade anunciando o falecimento.
Se fosse hoje, tendo como fundo sonoro a marcha fúnebre, seria assim: “Nota de falecimento. Cumprimos o doloroso dever de comunicar o falecimento do sr. Ary Fiorezi de Oliveira, o Seu Ary, da Mercearia Triângulo, e convidamos a todos para o velório na sede do Comercial Atlético Clube. O sepultamento será nesta segunda-feira, às cinco horas da tarde, no campo santo do Alegre. Agradecemos a todos que comparecerem a este ano de solidariedade humana e fé cristã. Anunciamos o falecimento do sr Ary Fioreze de Oliveira“.
E assim fomos nos acostumando com a vida e a morte. Geralmente, o cortejo, se o defunto fosse católico, passava por uma cerimônia na Igreja Matriz, no início do morro do cemitério, depois de percorrer as ruas da cidade com as pessoas se revezando nas alças do caixão. Quando passava, o comércio baixava as portas em reverência e as pessoas perfilavam na beira da calçada, em silêncio, na última homenagem.
SEU ARY
Nesta segunda-feira (22), a expectativa é de que a cidade pare. Prestes a completar 106 anos no próximo 26 de maio, morreu nas primeiras hiraa deste domingo (21) em sua residência, em Alegre, no Sul do Espírito Santo, o ex-prefeito Ary Fioreze de Oliveira. Seu aniversário era sempre celebrado na cidade, pela sua história, mas também sua vitalidade.
A vida inteira, Ary Fioreze dedicou-se ao comércio e atendia, mesmo já passando do centenário, em sua Mercearia Triângulo. Também usava redes sociais, com ajuda da filha Rosângela Junger, para se comunicar com a comunidade em datas cívicas.
Nascido a 26 de maio de 1918 em Pirapetinga (MG), chegou aos 3 anos de idade para Alegre com a família e tornou-se um dos grandes vultos da história do município.
O prefeito Nirrô Emerick decretou luto oficial de três dias em Alegre. “Seu Ary” morreu às 5h30 da manhã deste domingo (21). Segundo o chefe do Executivo, o ex-prefeito dava sinais de que sua jornada estava chegando ao fim. “Há uma semana começou a perder a lucidez”, informou.
O corpo bem poderia ser velado no “Paço Municipal”, sede do Executivo, mas a família preferiu a sede do Comercial, na Praça 6 de Janeiro. “Seu” Ary foi diretor do clube e por muitos anos membro do seu Conselho Deliberativo.
Ary Fioreze foi prefeito de Alegre de 1954 a 1959 e, posteriormente, vice-prefeito no primeiro mandato de Antônio Lemos Junior, de 1967 a 1971. Nas eleições de 1976, Lemos voltou a se eleger para um mandato de seis anos até 1982, e um dos oponentes foi Ary, do MDB. Amigos, se enfrentaram numa campanha aguerrida, mas muito respeitosa. Antes de adversários na eleição, eram amigos.
A Concapla – Confraria Caparoense de Letras e Artes, da qual era presidente emérito, divulgou a seguinte nota:
“Combati o bom combate.” (2 Timóteo, 4:7)
Com muita tristeza, recebemos o anúncio do falecimento do nosso Presidente de Honra, Sr. Ary Fiorezi de Oliveira, ex-prefeito de Alegre: honrado e ilustre cidadão que fez parte da construção da história da nossa região. Homem de muitas virtudes e múltiplos valores, nos deixa um legado de trabalho, de uma vida dedicada a servir ao próximo, a amar seu povo e a defender nossa cultura e nossa arte: um incansável guerreiro que empreendeu batalhas grandiosas e nos encheu de orgulho.
Abraçamos fraternalmente a família enlutada, compartilhando a dor aguda desta partida. Ao mesmo tempo em que lamentamos a despedida, somos agradecidos a Deus por ter nos dado a oportunidade de conviver com Seu Ary. Que seu exemplo possa ser seguido pelos que aqui ficam e que o Pai Infinito o acolha em seus domínios e o possa recompensar por seus muitos méritos”.
Sua retidão e coerência são demonstradas pela própria trajetória política: filiado ao PTB no período pré-64, com o bipartidarismo do regime militar juntou-se ao MDB e nunca mudou.
O governador Renato Casagrande (PSB) também se manifestou nas redes sociais sobre a morte do ex-prefeito de Alegre. (Da Redação)
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