Erly dos Anjos*
Diante de um quadro hoje caótico da violência difusa e em todo o lugar, frequentemente deparamos com essa pergunta quase que impossível de se responder, se não fizermos algumas ponderações: é possível acabar com a violência?
A primeira ponderação é de que a violência na sociedade é uma questão por demais complexa, à qual não cabe nenhuma solução simplista e imediata. Complexa por sua inter-relação com todas as instâncias – econômica, política, social e cultural na sociedade.
“Medidas repressivas, que
muitos as almejam,
nunca resultam em aprendizado,
e se multiplicam os danos
para toda a sociedade”.
Segunda, porque é percebida diferentemente por diversos grupos e classes sociais e em determinados contextos. Há os que, numa posição mais privilegiada socialmente, veem-na de um ângulo e há os que são “vítimas preferenciais”, como os mais pobres, os negros, as mulheres entre outras (que não são minorias).
Terceira, e em geral, se concebem a violência como algo externo, sempre a dos outros e não como resultado da dinâmica social, de conflitos inerentes a ordem versus desordem. Desconsideram ainda a possibilidade de conflitos do passado não sanados e “abafados” socialmente, que ressurgem com novas modalidades.
Pior, e diante de um evento da violência que chama mais a atenção, é a pretensão de se buscarem resultados imediatos, muitas vezes para atender pleitos eleitoreiros da hora. É comum se pensar que a violência é inerente a certo tipo de grupo ou classe social e impossível de se dirimir ou desconstruir com método e planejamento racional. Medidas repressivas, que muitos as almejam, nunca resultam em aprendizado, e se multiplicam os danos para toda a sociedade.
Por outro lado, falam-se muito na prevenção social da violência que, essa sim, requer ações duradouras, diagnósticos, monitoramentos e avaliações permanentes. Que não podem advir de cima para baixo, que requer a participação ativa de inúmeros atores afetados, na negociação de um novo pacto social.
Prevenção social não é necessariamente “programas sociais” e nem mesmo “políticas públicas” que são vistos como ofertas de serviços públicos (saúde, educação, habitação e lazer entre outros). A prevenção pode redundar em ações que incidem sobre a redução do crime e da violência, mas diferem dos primeiros.

Numa prevenção social da violência deve-se considerar, pelo menos, quatro dimensões.
A PRIMEIRA dimensão comporta as microestruturas, que são as relações mais imediatas nas comunidades, devem se relacionar com as macroestruturas mais amplas. O foco é específico e pontual (um trabalho de “formiguinhas”), mas não se deve ignorar as interfaces com as médias e macroestruturas econômicas, sociais e políticas conjunturas. Isto difere das medidas pontuais e desarticuladas que não lidam com a complexidade da questão, mencionada. Prevenção social é um processo que tem início, meio e fim.
A SEGUNDA dimensão diz que uma questão complexa requer respostas por uma equipe interdisciplinar e da convergência interinstitucionais. A integração não é só entre pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, mas entre órgãos da administração pública em parceria com a iniciativa privada. Um trabalho de todos e um envolvimento permanente. Não de um governo ou de uma tendência política e ideológica. É suprapartidário.
A TERCEIRA: sempre há confusão entre o que se chama “agenciamento de fatores condicionantes da violência”, que podem ser diagnosticados em um determinado contexto e localidade, com as “causas da violência” que se remetem as estruturas já implantadas. Os primeiros são fatores que incidem conjunturalmente na dinâmica da sociedade em transformação, enquanto que as causas são históricas, remetem-se a problemas mais complexos, cuja solução é tarefa para gerações inteiras. Esta distinção é vital no sucesso de um projeto de prevenção social.
E, por fim, a QUARTA dimensão: articular os atores (governos municipais, estaduais e federal) numa “rede de proteção social”, que conta com as escolas, igrejas, associação de moradores, comerciais, profissionais, conselhos e outros do gênero, é também crucial no sucesso do empreendimento preventivo. Poderes Legislativo, Judiciário, Ministério Público (Estadual e Federal) também fazem parte desta rede protetiva.
Portanto, há uma pluralidade de sujeitos e a cada sujeito pode corresponder a uma multiplicidade de ações que podem corroborar num trabalho de prevenção social para conter a violência. É possível que nestes conformes a fatídica pergunta pode ser respondida na tentativa de alterar um ciclo vicioso num virtuoso.
A resposta à pergunta não vem é uma simples medida e nem de um governo transitório, e a prevenção não será possível, se a violência não for eleita como prioritária.
*Erly dos Anjos é professor aposentado da Ufes, sociólogo, especialista em violência. Escreve neste espaço como colaborador da Tribuna Norte-Leste
Foto da Capa: Fernando Brazão/Agência Brasil
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