Usiel Carneiro de Souza*
Que crer plenamente na Bíblia e em Deus me autorizava a assumir uma atitude exclusivista, superior, de alguém que já alcançou a plena verdade sobre Deus e sobre a vida. E assim me pensava portador da verdade que faltava aos demais;
Que havia aprendido uma fé tão plena e acertada sobre Deus, que seria capaz de decidir sobre quem realmente cria no Evangelho e quem não cria; além de poder dizer com total convicção o que Deus aceita, suporta ou rejeita na vida humana;
Que a leitura da Bíblia, sem nenhuma influência de questões literárias ou textuais, sem qualquer crítica contextual ou cultural, era ler a Bíblia de forma fiel e realmente cristã. E citar versículos tornou-se a maneira cristã de por um ponto final em qualquer controvérsia;
Que minha herança religiosa cristã era indiscutivelmente a mais completa e inquestionável forma de espiritualidade. Sendo assim, evangelizar, levar outros à fé em Cristo, revelou-se o mesmo que convencer as pessoas a crerem exatamente como eu cria e a serem habitados pelas certezas que me habitavam.
E acreditando assim…
Eu julguei mais pessoas que amei, pois não era capaz de ouvi-las, de conhece-las e compreendê-las. Não era capaz de lidar com as que diferiam de mim;
Eu desenvolvi uma certa hipocrisia, acreditando ser quem na verdade não era. Sempre me convencendo de que o melhor era apenas acreditar, sem fazer muitas considerações;
Algumas vezes até falava de um Deus amoroso e bondoso, todavia convivia com um cuja companhia era pesada, cuja voz mais frequentemente me condenava e exigia que acolhia. Aprendi a celebrar o sentimento de dever cumprido, pois a alegria e a leveza dificilmente eram minhas companheiras;
Eu me tornei mais amigo da morte que da vida, pois precisava viver sob proibições e condenações, enquanto a vida que desejava estava sempre depois da morte! Eu precisaria esperar.
Adaptei-me a uma bolha que pretendia separar-me do mundo que, por sua vez, era um lugar onde eu nunca deveria estar! Quanto aos que lá estavam, não deveria ofertar a eles minha amizade pois a convivência seria um risco.
Não estava claro para mim, mas era orgulhosamente imaturo, cheio de mim mesmo e vazio de amor e compaixão.
E tudo isso se construiu de forma razoavelmente sólida, sobre significativos textos bíblicos, o bastante para que eu jamais questionasse.
Até que percebi então que precisava deixar de acreditar como acreditava e arrisquei-me. Não foi fácil e o medo me acompanhou no caminho. Mas ao mesmo tempo o poder da vida me fortaleceu, pois descobri um Jesus que não conhecia, com uma graça que ainda não havia experimentado. Conheci um Deus cujo amor muda tudo em nós. E o Espírito Santo que torna possível o sagrado em meio ao cotidiano, ao comum, ao ordinário. Como um pardal, um pássaro sem valor, ousadamente fiz ninho junto aos altares sagrados do Todo Poderoso. O amor e a graça entraram de vez na conversa da vida. E agora sigo aprendendo o que pensei que já sabia.
Talvez possa dizer que essas confissões traduzam um pouco de minha jornada espiritual. A sua não precisa ser como a minha e nem a minha carece de sua concordância. Se ela lhe ajudar em algo, ótimo. Se não, siga firme com a sua. Mas atrevo-me a um conselho: faça perguntas!
* Usiel Carneiro de Souza é teólogo, administrador e pastor da Igreja Batista da Praia do Canto (Vitória – ES)
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