José Caldas da Costa*
O médico pediatra Armando Salvatierra Barroso, 72 anos, veterano do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em entrevista exclusiva ao jornalista José Caldas da Costa, para o site Tribuna Norte Leste (TNL), disse que o caso do menino Bruno Henrique, 11 meses, do distrito de Vargem Alegre, em Barra de São Francisco, que morreu recentemente com suspeita de Covid-19, não pode ser descartado como infecção pelo coronavírus, mesmo com os dois testes negativos para a doença.
O pediatra disse que não dá para descartar que tenha sido a Covid que levou ao óbito do bebê. Até pelo histórico da ocorrência da doença na família: os dois bisavós de Breno morreram por conta da doença e um tio também foi infectado.
“Os resultados desses exames não são 100% seguros, especialmente em crianças. Principalmente porque não se consegue fazer, por exemplo, um RT-PCR, que é muito incômodo e impraticável. A criança não deixa fazer a coleta de material para análise e muitas vezes ela é feita de maneira inadequada, na garganta. Há muitos falsos positivos e falsos negativos. Pode dar negativo, dependendo de quem faz o teste”, disse o especialista.
Dentro de sua especialização, Armando Salvatierra fala das observações que tem feito em relação à ocorrência da Covid entre crianças: “De fato, em crianças essa doença tem se mostrado mais rara e, principalmente, na maioria delas, podemos dizer que 80% tiram de letra. Mas a nossa preocupação maior é que começaram a aparecer casos de uma doença semelhante à Doença de Kawasaki, que se apresenta em forma de coágulos, principalmente no coração e que você vê com lesões na pele e na boca”.
Essa doença, já presente no mundo inteiro, ganhou o nome de Doença Inflamatória Multissistêmica e é decorrente da Covid. Salvatierra salienta que “estamos aprendendo com o bonde andando” e observa que “muitas crianças estão aparecendo com diarreia, doenças pulmonares, a maioria com quadros leves”, efeito da ação do coronavírus.

Efeito Peltzman
Baixar a guarda nos cuidados pessoais e coletivos é a pior atitude de quem se vacina contra a Covid-19, alerta o pediatra Armando Salvatierra Barroso, que revisou um artigo em parceria com seu colega Rodney Frare e Silva, do Departamento de Pneumologia da mesma instituição, chamando a atenção para o que denominaram “efeito Peltzman” no combate ao coronavirus. Tanto Armando quanto Rodney já estão aposentados do serviço público, mas dedicam-se a pesquisar e orientar a vários colegas.
O “efeito Peltzman” é um conceito tomado emprestado de Sam Peltzman , que ensinou microeconomia em Chicago em 1988. Trata-se de uma teoria que afirma que as pessoas são mais propensas a se envolver em comportamentos de risco quando medidas de segurança são obrigatórias: “Tem esse nome devido à postulação de Sam Peltzman sobre a obrigatoriedade do uso de cintos de segurança em automóveis, ou seja, de que isso levaria a mais acidentes”.
Observam os dois médicos que “a percepção de segurança aumenta o apetite, aumenta a vontade de superar seus limites ao risco, porque se acha protegido”. De acordo com Armando Salvatierra, que preside o Departamento de Puericultura da Sociedade Paranaense de Pediatria, e tem pós graduação em saúde pública, em nutrição infantil, em nutrição na adolescência, gastropediatria e administração hospitalar, esse comportamento está sendo verificado entre a própria comunidade médica.
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Recontaminação
Adventos de contaminação e até recontaminação com o vírus depois de tomar a vacina, principalmente por profissionais de saúde que atuam na linha de frente, têm uma relação direta com o comportamento de risco, voluntário ou involuntário.
“No início da pandemia, nos três ou quatro primeiros meses, as pessoas morriam porque não sabíamos como agir com esse inimigo novo. Isso aconteceu com a epidemia de H1N1 (gripe influenza) em 2009 também. Mas a gripe não chegou a ser uma pandemia como essa, que só encontra paralelo com a gripe espanhola de 100 anos atrás. Mas com a Covid-19 a situação é pior, porque o mundo é mais conectado, a circulação das pessoas é muito maior”, disse Armando.
O médico, boliviano de nascimento, observa que, na medida em que os casos foram surgindo os médicos foram se aperfeiçoando, mas vê hoje um risco grande de um descontrole da doença no País: “Diante de episódios de contaminação após ser imunizado leva a questionamentos sobre a validade ou não da vacina. E eu digo: todos estamos na fila da morte, queiramos ou não. A vacina sozinha não vai resolver o nosso problema, embora ela seja, sim, indispensável. O que vai resolver o controle da doença é o comportamento das pessoas”.
Na comunidade médica, Armando Salvatierra diz que o quadro é preocupante: “Está aumentando o número de contaminados e diminuindo o número de médicos para atender. Uns estão morrendo e outros estão entrando de licença. E quem está ficando na linha de frente está exausto. É tanta demanda que muitas vezes não dá tempo nem de tomar cuidados básicos. Temos que preparar mais médicos e isso se faz com treinamento, prática e experiência para intubar um paciente”.

E a vacina?
“Nenhuma vacina protege 100%”, salienta Salvatierra, para complementar: “Nem mesmo as mais excelentes, como do sarampo e do tétano, que chegam a 98% a 99% de garantia. Mas 100% ninguém tem. A medicina, porém, não trata com duas palavras: nunca e sempre. O vírus se modifica e quanto mais demorarmos para vacinar a população, pior fica, porque surge variantes que não são alcançadas pela vacina”.
Armando Salvatierra, porém, tem uma previsão otimista de que “lá para agosto as novas vacinas já cheguem enfrentando também as novas variantes do coronavirus. Isso aconteceu com a H1N1. Talvez tenhamos que ter três doses de vacina, mas daqui para a frente as dificuldades de produção vão diminuir porque já temos uma plataforma. Mas a vacina sozinha não vai controlar o avanço da doença e muita gente ainda vai morrer infelizmente”.
E por que o médico faz essa previsão? A resposta está no comportamento das pessoas, ele mesmo responde. “O brasileiro parece não estar disposto a fazer o isolamento. Somos um povo muito gregário. Sou boliviano, e este é o perfil do povo latino. Mas o brasileiro é mais. Falamos tocando e até beijando as pessoas. Sentimos falta disso, as pessoas querem conviver, mas vamos perder muita gente se não formos mais solidários coletivamente”.
Máscara para sempre
A partir de agora, o uso da máscara de proteção deverá ser um hábito cultural também no ocidente. “A criança japonesa já nasce sabendo que, para sair de casa, tem que usar máscara. E nesse momento temos que usar a máscara dupla, que já está comprovado que é a mais eficaz para evitar a contaminação pelo coronavírus. Há um ano, quando as mortes estavam em 600 no Brasil, escrevi que era um absurdo, que era como cair três aviões por dia. E agora passamos de 4 mil mortos. É o mesmo que caírem 20 aviões por dia. Isso é pior do que qualquer guerra, qualquer era de fome”, observou Armando Salvatierra.
E ao que fazer para conter isso? “Enquanto não atingirmos entre 70% e 80% de pessoas vacinadas não teremos aquilo que chamamos de imunidade de rebanho, para reduzir os casos e as mortes. E estamos longe de conseguir isso. As próprias fábricas não têm capacidade de entrega, o vírus está se transformando mais rápido do que nossa mobilização para vacinar. Sinceramente, não culpo ninguém por isso, mas se continuarmos politizando o vírus, a doença e a vacina, não vamos encontrar a saída”.
Até agosto de 2020, Armando Salvatierra diz que a comunidade médica estava muito assustada, porque não via possibilidade de se ter uma vacina em menos de cinco anos: “Mas o ser humano é capaz de se superar em meio a grandes crises. Vacina é vacina, não importa o nome e nem a origem. Está disponível, temos que usar”.
Armando Salvatierra está aposentado do serviço público há três anos, desde o início da pandemia recolheu-se e mantém completo distanciamento social por conta de comorbidades, mas não para um só minuto de falar sobre o assunto, sendo acionado para teleconferências quase que diariamente. Nesta quarta-feira (7) mesmo, logo depois de falar com o jornalista, Salvatierra estava participando de outra conferência internacional. Ele fala de uma delas.
“Participei de uma conferência com meus colegas médicos da Bolívia, preocupados com a possibilidade de as variantes do vírus, incidentes no Brasil, chegarem lá. E eu deixei claro: podem estar certos que vão chegar. O vírus não conhece fronteira e o mundo hoje é de circulação de pessoas. Por isso que é importante reduzir a circulação das pessoas enquanto tomam-se as medidas preventivas, a principal delas a vacinação em massa”.

Alerta
O primeiro alerta sobre a Doença Inflamatória Multissistêmica, com efeitos parecidos com a Doença de Kawasaki, foi feito em abril de 2020 por médicos do Reino Unido. Depois, o mesmo se verificou na França. O alerta foi feito a pediatras do mundo todo: algumas crianças infectadas com o novo coronavírus (SARS-CoV-2) desenvolveram o quadro da síndrome de Kawasaki, uma doença inflamatória pouco comum que acomete principalmente crianças entre um e cinco anos de idade.
A doença é conhecida por provocar uma inflamação no corpo que acomete principalmente os vasos coronarianos — um quadro chamado de vasculite. Quando evolui de forma grave, ela pode provocar a formação de aneurisma nas artérias, arritmia e infarto agudo do miocárdio.
*Especial para o TNL
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