Um quadro de sensação de insegurança e impotência diante da ação de criminosos numa região com grande potencial e população reduzida passou a ser um grande desafio para as autoridades estaduais nos últimos anos. Mas essa situação começou a ser revertida e, em meio à piora nos índices de violência da região Noroeste, no topo do ranking estadual de aumento de homicídios, salta aos olhos o resultado positivo que está sendo obtido no Extremo Norte – Pinheiros, Montanha, Mucurici, Ponto Belo e com reflexos também em Boa Esperança.
A incidência de homicídios nessa região caiu de 17 em 2021 para cinco em 2023, no período compreendido entre janeiro e 31 de julho. O gráfico de acompanhamento dos casos de homicídios, do Observatório da Segurança Pública no Espírito Santo, que começou em 1996, demonstra que neste período até 2023 as mortes provocadas foram sendo reduzidas, gradualmente, na Região Metropolitana e aumentando no interior. Em 2021, pela primeira vez o interior superou a Região Metropolitana e, novamente, em 2023, voltou a superar e continua na curva ascendente.

No dia 7 de março de 2012, numa ação interinstitucional que envolveu desde a coordenação de combate à pistolagem e ao crime organizado do Tribunal de Justiça do Espírito Santo até o Ministério Público Estadual, as polícias estaduais e a Polícia Rodoviária Federal, a “Operação Siroco”, realizada em Pinheiros e Pedro Canário, era o sinal de que a situação da segurança pública na região já era, àquela época, preocupante.
De lá para cá, as coisas andaram piorando muito, especialmente pela solução de continuidade num determinado período, agravado, sobretudo, pela greve da Polícia Militar em 2017, que gerou um caos na segurança pública capixaba (além de um estado de desânimo entre os homens da corporação, especialmente os praças), e pela migração de organizações criminosas, antes concentradas em Vitória, em direção ao interior.

Com população de 23.915 habitantes, conforme o censo de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (a população que aparece nas estatísticas da Secretaria de Segurança ainda não foi atualizada e considera as projeções anteriores à finalização do censo), Pinheiros está no centro de uma região com grande potencial de expansão econômica, especialmente do agronegócio, mas as mesmas facilidades que o colocam nessa condição também são utilizadas pelas organizações criminosas.
Mas, com perdão do trocadilho, organizações criminosas cheiram as oportunidades antes mesmo que o setor regular da sociedade. E, assim, o crime chegou antes da prosperidade, de certo modo, passando o seu controle a ser um desafio para a efetivação da nova fronteira agrícola, que já se ensaiou com um interessante arranjo produtivo em torno de feijão, mamão e pimenta do reino no passado e volta, agora, com as iniciativas de plantio de soja, importante item da pauta de exportações do Brasil, e de milho, grãos fundamentais para sustentar outras cadeias produtivas, como a pecuária e a avicultura.
INTELIGÊNCIA POLICIAL
Depois de uma série histórica em alta, a criminalidade está em queda na região da 19ª Companhia Independente da PM, em Pinheiros, criada no dia 27 de setembro de 2021, portanto, há menos de dois anos, justamente como estratégia de enfrentamento à onda de violência naquela região distante da capital e muito próximas de divisas estaduais com Minas Gerais e Bahia.
“Na região estamos com redução de 37,5% no número de homicídios. Foram cinco este ano em comparação com oito do ano passado, os quatro municípios, sendo que Mucurici e Ponto Belo não registraram homicídios este ano”, disse o capitão Vitor Prates, subcomandante da unidade.
A microrregião passou a ser uma ilha de exceção no Noroeste do Estado, que foi onde os crimes de homicídios dolosos mais aumentaram neste ano, com 59% a mais de casos no período de janeiro a julho, comparados com o mesmo período de 2022: no ano passado foram 59 assassinatos nestes sete primeiros meses, enquanto em 2022 já são 94. Atualizamos os números até 10 de agosto, e aumentaram para 95 homicídios em 2023 contra 61 no mesmo período em 2022.
A redução das mortes provocadas pela violência é o índice que mais aparece, entretanto houve uma significativa redução em outros crimes associados à degeneração social, como assaltos, roubos e furtos, no comércio, em residências e em propriedades rurais. Na própria cidade de Pinheiros, há uma significativa redução nos homicídios.
Os números atualizados até 10 de agosto apontam os seguintes índices na microrregião: Pinheiros – seis homicídios em 2022 e dois em 2023; Montanha – um em 2022 e três em 2023; Mucurici – um em 2022 e zero em 2023; Ponto Belo – zero nos dois anos. A repercussão positiva está se dando até mesmo na vizinha Boa Esperança, fora da abrangência da 19ª Companhia: de quatro para três.
“Montanha tem uma média histórica de 4,22 homicídios por ano, estamos com três este ano, mas dois já foram elucidados – um foi briga ligada ao álcool e o outro foi um crime num assentamento por causa de encrencas antigas. Falta resolvermos um deles”, disse Prates.
QUAL O SEGREDO?
Perguntamos às autoridades policiais da região qual foi o segredo para que essa violência fosse controlada e Prates explicou: “Utilizamos uma metodologia que chamamos de Método GPDB – Gestão Policial por Desempenho Bidimensional. É uma metodologia que se baseia numa abordagem equilibrada entre ações preventivas/comunitárias e de repressão inteligentes. Diminuímos todos os índices. Apesar de os homicídios serem os que que mais despertam a atenção, a diminuição de crimes patrimoniais e contra a pessoal dão à comunidade uma sensação de segurança maior”.
Outro fator, segundo o subcomandante, é que “quanto mais se faz, mais a comunidade confia no trabalho da polícia e da Justiça e passa a colaborar muito mais com informações”. E dessa colaboração nasce o êxito. O mais recente exemplo ocorreu no primeiro final de semana de agosto, quando os olhos da população de Montanha evitaram uma ocorrência grave: bandidos vindos de Minas Gerais sequestraram as famílias do segurança e do gerente financeiro da agência local do Sicoob. O roubo não se concluiu porque vizinhos notaram o movimento estranho e chamaram a polícia. Os bandidos fugiram.

Mas existe algo mais por trás da melhoria do desempenho da própria polícia. O oficial explicou que o que se propôs foi um regulamento de produtividade e valorização policial. “Desenvolvemos o sistema e-gestão com aferição objetiva de toda atividade policial. Toda ação é convertida em informação na ficha individual do policial. Temos aferidos que tipo de ações, quantas pessoas prendeu, quantas ações preventivas, quantas repressivas, quanto de pontuação por apreensão de armas e de drogas”.
Ou seja, na 19ª Companhia Independente da PM, sediada em Pinheiros, o que se tem é um sistema de reconhecimento meritocrático que vai resultar em benefícios para o próprio policial. “Esse critério de merecimento faz a modelagem até em relação á escolha das escolas, o tipo de escala que vai tirar, o parceiro com quem vai trabalhar e até o mês em que vai gozar férias”.
A partir da arquitetura dessas fichas de desempenho policial o comando constrói também as estatísticas e análises críticas do mapa criminal na região, desenhando a formatação do policiamento.
GESTÃO DE PESSOAS
O comandante da 19ª Companhia é o Major Manoel Gambarti Júnior, que faz parte do grupo de oficiais que vem testando essa ferramenta há algum tempo. Essa gestão policial “por desempenho multidimensional” foi batizada de GPDB não sem um bom motivo: são os quatro oficiais que a propuseram (Gambarti, Prates, Dias e Balbino). Está sendo desenvolvido no Noroeste do Estado, com experiências testadas em Colatina, Barra de São Francisco, Ecoporanga e, agora, na região de Pinheiros.
“Ser oficial da polícia é igual a ser técnico de futebol. A gente trabalha com gestão de pessoas e tem que ter a possibilidade de escolher os jogadores certos para as posições corretas. Os jogadores que demonstram aptidão para determinada missão a gente vai colocar na função específica que é mais aprazível, onde ele rende melhor. O método faz que o policial trabalhe na função correta, para a qual ele tem o perfil adequado”, explicou Prates.
O projeto se acelerou quando Gambarti e Prates estavam no 11º Batalhão da Polícia Militar em Barra de São Francisco e lá, como agora, os reflexos foram visíveis: “A partir do regulamento de produtividade, o sargento Curty, que é do 11º BPM, modelou um sistema de planilha dinâmica que faz o cômputo da pontuação dos policiais”. Segundo o oficial, “a arquitetura da metodologia aliou conceitos de polícia comunitária e de repressão e controle criminal. Em Barra de São Francisco, no ano de 2019, sob égide do Coronel Rômulo e proposição do Major Gambarti, foi criada e implantada a metodologia, que se consolidou em todo o 11° BPM e em 2022. Eu fui o responsável por implantar, aplicar e gerir o programa, fazendo as avaliações e modificações necessárias para que funcionasse na prática”.
Essa ferramenta foi semifinalista do Prêmio Inoves 2022 na categoria Projeto em Desenvolvimento e premiou a seguinte equipe: Rômulo Souza Dias, Vitor Prates Ribeiro, Manoel Gambarti Júnior, Wenderson Mação Pereira, Ilcimar Curty Delogo, André França Peruggia, Thamara Milla Nunes Gonçalves, Gabriela Roriz e Santiago Dalmaschio.
A cada unidade em que é implantado o sistema se aperfeiçoa. Entretanto, os oficiais salientam um fator crítico para que a metodologia adotada pela PM possa funcionar: “A integração entre a Polícia Militar e a Polícia Civil precisa ser plena e alinhada a um Ministério Público e um Judiciário atuantes. Em Barra de São Francisco, Colatina e Pinheiros as duas polícias mantêm excelente relacionamento e um alto grau de compartilhamento de informações na elucidação de crimes”. (José Caldas da Costa, Da Redação)
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