
*José Caldas da Costa
Um menino crescido em meio a muitas carências materiais, numa família de 13 irmãos sustentados por pais trabalhadores comuns – o pai, braçal na Prefeitura, a mãe, auxiliar de serviços gerais numa escola estadual -, que estudou em escola pública numa cidade do interior do Espírito Santo, e sem qualquer tradição militar na família, é um dos novos generais que comporão os quadros dos oficiais estrelados do Exército Brasileiro a partir do próximo dia 31 de março.
O capixaba Maurício Vieira Gama, 51 anos, atualmente Coronel de Comunicações, irá a general de Brigada (2 estrelas), conforme proposta encaminhada pelo comando do Exército ao Presidente da República constante no InformEx 008, de 16 de fevereiro de 2023. Em quatro anos, Maurício estará apto a ser promovido a general de Divisão (3 estrelas) e, em oito anos, poderá chegar ao cobiçado grupo de 16 generais 4 estrelas, ou seja, General de Exército, o Alto Comando da Força, o que já não dependerá mais de sua competência profissional.

“Aquela dificuldade em que crescemos deu-me preparo e resiliência para enfrentar a dureza da vida militar. Não tínhamos muitos recursos materiais, mas recebemos fortes valores familiares”, conta Maurício Vieira Gama, nascido no dia 20 de setembro de 1971, em Alegre, na região do Caparaó, Sul do Espírito Santo, filho de Moacir Vieira Gama, mais conhecido na cidade como “Moacir Capeta” por conta de suas habilidades como jogador de futebol, e de Nilda Farias Gama.
Moacir sempre foi lembrado como um grande jogador de futebol. Era comparado com Zizinho, o grande jogador da época. Moacir “Capeta” foi convidado para jogar no Flamengo, mas abriu mão disso para não prejudicar sua família. Maurício recorda-se que dona Nilda tinha uma devotada vida cristã dedicada a ajudar as pessoas de Alegre que necessitavam superar seus problemas emocionais e até financeiros, “dividindo com elas o pouco que tinha”. Moacir e dona Nilda não estão mais vivos para ver o filho galgar os degraus mais altos da carreira militar no Exército Brasileiro (ambos morreram aos 74 anos, Moacir em 2002 e dona Nilda em 2015), mas são honrados por Maurício.

“Eles não tinham recursos, mas me ensinaram os valores que carrego. Eu estudava na mesma escola Aristeu Aguiar, onde minha mãe era auxiliar de serviços gerais. Acabava a aula e eu a ajudava a varrer as salas. Era muita coisa para fazer e aquele trabalho era pesado. Aos 74 anos, ela morreu com graves problemas pulmonares de origem desconhecida. Meu pai também trabalhava pesado no serviço de água e esgoto de Alegre. Depois, quando ficou mais velho, foi tirado daquele trabalho e colocado em coisas mais leve, como vigia de depósitos da prefeitura”, conta Maurício.
ESCOLHA DA CARREIRA
É tradição que filhos nascidos em famílias militares brasileiras acabem seguindo os passos do pai, mas Maurício Gama não teve nenhuma referência para fazer a escolha pela carreira que trilhou com incomum brilhantismo. E não foi uma escolha difícil, quando ele terminou o ensino médio em Alegre e, como os jovens de sua idade, buscava uma vaga numa universidade pública, única alternativa para quem vinha do andar mais baixo da pirâmide social brasileira, principalmente naqueles tempos.
Em 1989, quando caía o muro de Berlim, o Brasil também caminhava para sua primeira eleição direta para Presidente da República desde 1960 (registre-se que Jânio Quadros, eleito em 1960, viria a renunciar oito meses depois de tomar posse em 1961, abrindo uma crise que resultou no golpe civil-militar de 1964) e jovens buscavam sua inserção no mercado num tempo de atraso tecnológico “decretado” pela reserva de mercado do então governo Sarney, o que impedia a inserção do Brasil na era da computação.

Eram tempos de grandes desafios. A década de 80 foi considerada a década perdida da economia do Brasil e, ao seu final, uma inflação que saltou de 242% no início de 1986 para 1972% ao final do governo Sarney, no início de 1990, apresentava um cenário sombrio para a população, especialmente a mais jovem. Havia, ainda, famílias com muitos filhos, apesar do declínio da natalidade a partir do processo de urbanização entre os anos 60 e 70.
Foi nesse contexto que Maurício Gama cresceu, numa cidade economicamente esvaziada, embora naquele momento se consolidando como polo universitário. “Quando terminei o ensino médio queria me preparar melhor e fazer o cursinho pré-vestibular no Colégio Cristo Rei, em Cachoeiro. Ia de carona todos os dias de Alegre para Cachoeiro para estudar. Foi quando apareceu um casal de anjos em minha vida, o dr Lauro Antonio Basílio de Souza (médico na cidade) e dona Vilma que conseguiram para eu ficasse durante a semana na casa da mãe de dona Vilma em Cachoeiro. E foi assim que consegui fazer o cursinho por dez meses. Tenho enorme gratidão por eles”, diz o futuro general.
“ERA TUDO O QUE EU QUERIA”
Quando estava terminando o período de cursinho, Maurício conta que ele e seus colegas foram buscar informações sobre uma faculdade para cursar: “A Abril tinha uma revista chamada Vestibulares com todos os concursos no Brasil inteiro para ingresso no curso superior. Além disso, mostrava o perfil dos cursos. Foi nessa época que decidi fazer três vestibulares: para Medicina, na Ufes, para Engenharia na Unicamp, em Campinas, e para entrar na Academia das Agulhas Negras, em Resende (RJ)”.
Maurício Vieira Gama passou nos três concursos, sendo 2º colocado para Medicina na Ufes, mas o primeiro resultado que saiu foi o da AMAN e ele não teve dúvidas: “Saiu o resultado e a gente tinha que decidir logo, pois tinha que se apresentar em janeiro. Quando saíram os resultados da Ufes e da Unicamp, eu já estava em Resende e não tinha a menor dúvida de que iria ficar, porque sabia que meus pais não tinham condições de me manter num curso de Medicina, e tampouco morando em Campinas. Embora a Ufes seja pública, tem outros custos e o que eles ganhavam davam mal para sustentar a família. E lá na AMAN, além de o Exército te abraçar, ainda tinha uma ajuda de custo. Era tudo o que eu precisava, e queria: estudar de graça, ter onde morar e comer, e ainda ser pago para isso”.
No final de quatro anos, a recompensa: o alegrense Maurício Vieira Gama terminou o curso como o primeiro colocado. “São quatro anos, os dois primeiros são currículos comuns, mas quando chega no terceiro ano você escolhe uma das sete armas para seguir (Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia, Intendência, Material Bélico e Comunicações). Quem vem de família militar, geralmente segue a mesma arma do pai. Eu não tinha tradição nenhuma, mas no segundo ano participei de exercícios com o pessoal de Comunicações, cadetes do terceiro e quarto ano, e gostei muito. Então, esse foi o fator que influenciou em minha escolha”, relata.
CARREIRA BRILHANTE
Maurício Vieira Gama tem uma carreira brilhante como oficial do Exército Brasileiro, desde que terminou o curso da AMAN em primeiro lugar de sua turma. Incorporou às fileiras do Exército em 17 de fevereiro de 1990, na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), sediada em Resende/RJ.
Foi declarado Aspirante a Oficial da Arma de Comunicações em 04 de dezembro de 1993, depois de terminar o curso em 1º lugar, sendo classificado na 2ª Companhia de Comunicações Blindada (Campinas/SP), onde desempenhou, durante dois anos, as funções de Oficial Subalterno.
Em 2001, cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO) e, no biênio 2009/2010, a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Ao longo de sua carreira, desempenhou as funções de Instrutor dos Cursos de Comunicações da AMAN, no período de 1996 a 2000, e da ESAO no biênio de 2005-2006.

Como Oficial de Estado-Maior, chefiou a 3ª Seção do Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército (CCOMGEX) e foi Assistente do Comandante do CCOMGEX, em Brasília/DF.
Promovido ao posto de Coronel de Comunicações em 30 de abril de 2017, Maurício Vieira Gama estava servindo no Comando Militar do Sudeste, sediado em São Paulo, quando foi nomeado Comandante do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva e Colégio Militar de São Paulo. O Coronel Maurício é o 46º Comandante do CPOR-SP e o 3° Comandante do Colégio Militar de São Paulo.
Em missões internacionais, integrou a missão de paz das Nações Unidas na Costa do Marfim / África, como “Staff Officer” (Oficial do Estado-Maior), no ano de 2012, e foi Subchefe da Comissão do Exército Brasileiro em Washington/DC, no período de 2017 a 2019.
No Comando do CMSE, integrou o Grupo do Projeto de Implantação do Colégio Militar de São Paulo, chefiou a 3ª Seção e foi Assistente do Comandante Militar do Sudeste.
No biênio de 2007/2008, comandou a 7ª Companhia de Comunicações e, nos anos de 2015 e 2016, comandou o 4° Batalhão de Comunicações, ambas as Unidades sediadas no Recife/PE.
Foi condecorado com as seguintes medalhas: Medalha da Ordem do Mérito Militar – Grau Oficial; Medalha Militar de Ouro; Medalha Marechal Trompowski de bronze; Medalha Marechal Hermes de prata com duas coroas; Medalha Corpo de Topa de bronze; Medalha Osório, o Legendário; Medalha da Vitória; e Medalha das Nações Unidas.
RENOVAÇÃO
A partir de abril, já como general de Brigada, Maurício Gama assume o Estado-Maior do Comando Militar do Sudeste, em São Paulo. E chega num momento em que o quadro estrelado de oficiais do Exército passa por uma oxigenação, com a ascensão de uma geração posterior à guerra fria, que dividia a geopolítica num mundo bipolar, com a constante tensão entre os interesses estadounidenses e da extinta União Soviética.
O próprio Maurício entrou na academia de formação de oficiais um ano depois da queda do Muro de Berlim, que demarcava a chamada “cortina de ferro”. E, para ele, o Exército Brasileiro “vai seguir, muito mais do que nunca, firmando-se na linha de uma instituição de Estado, com seu emprego baseado na Constituição Federal”.
O futuro general de Brigada salienta que “o Exército se modernizou muito nas últimas décadas, e os militares mais modernos não saem da missão constitucional, não querem a politização da força para não enfraquecê-la”. E finaliza: “Politização é um mal para a Força, que se mantém coesa em seu papel constitucional de defesa da soberania nacional, da lei e da ordem, se necessário, dentro das regras da Constituição. Quando mais nos preparamos e modernizamos, mais isso fica claro para nós”.
FAMÍLIA

Casado há 27 anos com a pedagoga Luciana Martins Rodrigues Gama, que conheceu em Campinas (SP), onde foi servir após se formar nas Agulhas Negras, o casal tem dois filhos: Bruno, 24 anos, e Caio, 22. Nenhum dos dois seguiu carreira militar. Quando passou pouco mais de dois anos no Comissão do Exército Brasileiro em Washington, Maurício levou a família. Anteriormente, ele havia participado da missão da ONU na Costa do Marfim, na África, e foi sozinho. Duas experiências que marcaram sua vida.
“A Costa do Marfim havia acabado de sair de uma guerra civil. Ali eu aprendi muita coisa. Primeiro, a valorizar ainda mais a família, mas eu era o único brasileiro na missão e convivi com militares e civis de vários países. É uma experiência de vida que não tem preço, observar aquele neocolonialismo francês sobre eles e aprender com a cultura local”, observa Maurício.
Por força da experiência nos Estados Unidos, seu filho Bruno ficou no País como estudante de Logística. Caio retornou com a família e estuda Ciências da Computação em São Paulo.
Na temporada nos Estados Unidos, o então coronel Maurício Vieira Gama teve a oportunidade de receber a visita de seu conterrâneo Júlio Cezar Costa, coronel da reserva da Polícia Militar do ES, e seu contemporâneo da juventude da cidade de origem dos dois. “Foi um momento de muita alegria e felicidade”, conta Maurício, homenageado com um Voto de Congratulações protocolado pelo deputado estadual Mazinho dos Anjos (PSDB), na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, pela sua promoção a general.
TERCEIRO CAPIXABA
Pelo que se sabe, Maurício Gama será o quarto capixaba a ascender ao generalato do “Exército de Caxias” – uma homenagem à importância do general (e depois marechal) Luís Alves de Lima e Silva no século XIX, no período que vai do processo de Independência do Brasil até a chamada Guerra do Paraguai. Anteriormente, um capixaba chegou a General de Exército, compondo o Alto Comando, e dois ascenderam até o posto de General de Brigada, ao qual Maurício será promovido no final deste mês. Ambos foram contemporâneos.

O mais antigo foi general de brigada Danilo Venturini, nascido em Itarana, na região central do Estado, em 28 de novembro de 1922, e falecido às vésperas de completar 93 anos, em 12 de novembro de 2015. Venturini esteve em evidência no Governo de João Baptista de Figueiredo, último presidente do período do regime militar, ocupando a chefia do gabinete militar da Presidência de março de 1979 até agosto de 1982, deixando o posto para ser Ministro Extraordinário de Assuntos Fundiários, até o final do governo, em 1985.
Outro capixaba que chegou ao time estrelado foi Romildo Canhim Gomm, nascido em Cachoeiro de Itapemirim, dia 25 de julho de 1933, e falecido aos 73 anos em 11 de dezembro de 2006. Canhim gradou-se aspirante de Infantaria em 1956, pela Academia Militar das Agulhas Negras. Trabalhou no Gabinete Militar do governo José Sarney. Foi ministro chefe da Secretaria da Administração Federal (SAF) no governo de Itamar Franco, tendo participado ativamente na criação da Lei de Licitações e Contratos Públicos – Lei 8.666/93. Também foi presidente da CEI (Comissão Especial de Investigação) que combateu esquemas de corrupção no Poder Executivo em sua gestão e, com destaque, dedicou-se pela isonomia salarial dos servidores públicos federais.
Quando for promovido a general de divisão, o alegrense Maurício Vieira Gama já terá feito história como o segundo capixaba a chegar mais alto no Exército Brasileiro. Três estrelas é o patamar máximo a que se chega por merecimento. A General de Exército (quatro estrelas) o oficial chega por livre escolha do Presidente da República.
Após a última edição desta notícia, recebemos a informação de que o primeiro capixaba a tornar-se 4 estrelas foi o general de Exército Hélio Pacheco (foto), que foi chefe do Departamento Geral de Pessoal de 14 de agosto a 18 de dezembro de 1987, durante o governo do Presidente Sarney. Em 1988, o general Hélio Pacheco assumiu o Comando Militar do Nordeste, sediado em Recife (PE). Quando passou para a reserva, estava em Brasília e retornou ao Espírito Santo para morar na Praia da Costa, em Vila Velha, até seu falecimento. Seu pai era o juiz José Maria Pacheco, o primeiro secretário do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Casado com Elza Maria Vellozo Soneghet Pacheco, seu filho Marcelo Soneghett Pacheco também seguiu carreira de militar no Exército, sendo coronel. De acordo com informações de uma fonte da família, o general Hélio é natural de Vitória e morava na rua Gama Rosa. Fez a Escola de Oficiais de Realengo, no Rio de Janeiro, antecessora da AMAN. Era também formado em Educação Física pela Escola de Educação Física do Exército, na Praia Vermelha (Rio), e por muitos anos era o responsável pela coordenação das equipes esportivas da Força. Estamos buscando melhores informações para deixar nossos leitores sempre melhor informados.
*José Caldas da Costa é jornalista, escritor e geógrafo, e Diretor da Tribuna Norte-Leste
Comente este post