
Com o sugestivo título “Haverá choro de ranger de dentes”, numa alusão às palavras bíblicas sobre o inferno (Mateus 13:42), o antropólogo Juliano Spyer, pesquisador do Cecons/UFRJ, autor do livro “Povo de Deus” (Geração 2020) e criador do Observatório Evangélico, aborda em sua coluna semanal publicado na Folha de São Paulo a divisão havida na igreja evangélica brasileira nas eleições deste ano, e as diferentes reações pós-eleitorais – muitos desses religiosos, de extrema direita, estavam nas ruas nos dois dias seguintes pedindo a inconstitucional intervenção militar.
Durante todo o período, Juliano escreveu sobre a polarização no meio evangélico e a opção da maioria dos praticantes do protestantismo pela candidatura derrotada de Jair Bolsonaro (PL), que sempre colocou esse público como o principal alvo de suas falas, aumentando cada vez mais o fanatismo por seu nome.
Em Barra de São Francisco, que, muito antes da ascensão do grupo denominado evangélico, já tinha 35% de protestantes entre sua população, Bolsonaro também ganhou de Lula, a exemplo do Espírito Santo, tido e havido como “o Estado mais evangélico do Brasil”.
Em sua abordagem, Juliano Spyer trouxe também avaliações de analistas de diferentes lugares do País, dentre eles o capixaba Kenner Terra, cientista da religião e pastor batista. Leia na íntegra o artigo de Juliano Spyer na Folha de São Paulo, edição do último dia 2, quando o mundo ocidental reverenciou seu mortos:
“A repercussão do fim da eleição nas redes de evangélicos sugere que Bolsonaro recebeu a grande maioria de votos desse campo. Na verdade, mais de um terço escolheu Lula, e esse grupo reagiu ao resultado expressando alegria ou pelo menos alívio.
‘Quando foi anunciado que o Lula estava eleito, eu comecei a chorar’, confidenciou Douglas Henrique da comunidade cristã Êxodo. ‘Foi um choro de alívio, porque o projeto de poder autoritário e de atitude desrespeitosa com as pessoas não vingou’.
Para o teólogo André Muniz, a derrota de Bolsonaro foi celebrada entre evangélicos antibolsonaristas porque reduzirá o aparelhamento das igrejas pela política. Ele conta que em muitas igrejas ainda acontece um tipo de voto de cabresto. ‘Na igreja pentecostal que a minha avó frequenta, eles distribuíram uma colinha com o nome e número dos ‘candidatos de Deus’.’
Entre os 62% de evangélicos que votaram para reeleger o presidente no último domingo, uma parte ficou muito confusa com o resultado da eleição. ‘Parece que eles realmente não esperavam esse cenário’, diz o sociólogo e influenciador evangélico Leonardo Rossatto. ‘Houve tanto esforço no campo espiritual, tanta roda de oração, jejum, profetização, e agora parece que o esforço não valeu, não se concretizou’.
Para o ativista evangélico Kaká Menezes, da Rede Sustentabilidade, a derrota de Bolsonaro explicita a idolatria dos apoiadores do presidente. Ele diz, a partir de uma interpretação bíblica: ‘O mito caiu e os profetas de Baal foram envergonhados. Agora, muitos pastores terão de inventar uma teologia para explicar tanta profecia sendo frustrada’.
Uma fiel da Igreja Universal, que também é cientista social e pediu para não ser identificada, notou o sentimento de resignação e tristeza sendo expresso, por exemplo, pelo compartilhamento de memes pelas redes sociais dizendo ‘De luto pelo Brasil’. ‘Eles falam que Lula foi eleito porque, no Brasil, quem é imoral tem mais apelo popular’.
O pastor Wilian Gomes da Assembleia de Deus descreve o sentimento de injustiça da maioria dos fiéis da igreja que ele pastoreia. ‘Se fosse um torneio de futebol, é como se Bolsonaro tivesse perdido na decisão por pênaltis e no último pênalti! Também o STF pareceu parcial, e a mídia salientou só o lado ruim do presidente’.
Uma amiga de 55 anos, preta, assembleiana, moradora da periferia de Salvador, explica que o povo escolheu o prazer rápido em vez da disciplina, que não é agradável, mas precisa existir. A ideia aparece em uma mensagem muito repassada desde domingo: ‘No início, Satanás usou a maçã. Hoje, ele usa picanha’.
Outra justificativa religiosa para a vitória de Lula culpa os próprios evangélicos. O teólogo Douglas Henrique registrou, pelas redes, a explicação de que os cristãos oraram muito por Bolsonaro, mas se esqueceram de orar pelos crentes que se desviaram do caminho. ‘Para eles, o cristão que não votou em Bolsonaro perdeu o entendimento do propósito de Deus para a nação brasileira’.
O cientista da religião e pastor Kenner Terra captou um argumento parecido: ‘Uma das explicações usa tradições da Bíblia para afirmar que Deus escolhe governantes ruins a fim de punir o povo’.
Um acadêmico evangélico, que pede para não ser nomeado, analisa que a frustração com o resultado da eleição não terá consequências práticas. ‘No meio evangélico repete-se muito o argumento de que ‘Deus está no controle’. Como Deus permitiu a vitória do Lula, o povo deve respeitar essa autoridade’.
Mas uma parte dos evangélicos apoiadores do presidente expressa mais o sentimento de revolta do que o de tristeza resignada.
O cientista político Vinicius do Valle está acompanhando o instagram do deputado Sóstenes Cavalcante. ‘Parece que ele está levantando o tom na fala, cobrindo o movimento dos caminhoneiros de forma a dar algum tipo de legitimidade para uma ação contra a transição de governo’, ele argumenta. ‘Isso é perigosíssimo e até impressionante ver ele mais radical que o próprio Silas Malafaia’.” (Da Redação com Folha de São Paulo)
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